Tribunal de Haia avalia pedido da Bolívia por acesso ao mar

Haia BolíviaPor Lúcia Müzell.

O Tribunal Internacional de Haia começou a analisar o pedido feito pela Bolívia para recuperar o acesso ao mar, perdido para o Chile na Guerra do Pacífico, há 111 anos. O Chile alega que não cabe à corte na Holanda avaliar a questão, em um processo que ainda pode se estender por anos.

Ao longo da semana, os dois países apresentam as suas alegações ao tribunal, que inicialmente vai definir se pode ou não ir adiante no julgamento. Essa primeira decisão é aguardada para o fim do ano.

“O que a Bolívia alega é que, ao longo do século 20, o Chile fez uma série de ofertas de saída ao mar e de negociação bilateral oficiais, e essa sequência de atos unilaterais gerariam à Bolívia o direito de que o diálogo se retome”, explica Clayton Cunha, pesquisador do Observatório Político Sul-Americano da UERJ. “Ou seja, o que a Bolívia pede à Corte é que obrigue o Chile a sentar para negociar.”

As fronteiras foram definidas no tratado de paz assinado em 1904. A Bolívia afirma que não questiona o acordo, mas alega que o texto foi assinado em um contexto histórico muito diferente do atual. A ausência de uma saída para o mar prejudica a frágil economia boliviana, o que leva o país a não desistir do diálogo. Por causa do imbróglio, Bolívia e Chile cortaram as relações diplomáticas.

A atual presidente chilena, a socialista Michelle Bachelet, se mostra favorável a uma reaproximação com o país vizinho, o que pode favorecer o processo. Além disso, no ano passado, o Peru ganhou uma batalha contra o Chile, na mesma Corte Internacional de Haia. A disputa também se arrastava desde a Guerra do Pacífico.

“Acho que esse contexto de a Bachelet estar no poder no Chile e o Peru tendo ganhado um dos casos na Corte de Haia pelas fronteiras marítimas abre uma perspectiva positiva para a Bolívia”, destaca o professor Fábio Borges, da Unila (Universidade Federal da Integração Latino-Americana).

Vantagens para todos

Por enquanto, os dois países se mostram inflexíveis nas suas posições. Mas Borges observa que uma mudança de postura do Chile poderia ser vantajosa para Santiago, além de beneficiar toda a América Latina.

“Ter um vizinho em condição instável e que está o tempo todo reclamando disso pode ser ruim para o Chile. Chegar-se a um acordo para pelo menos facilitar a saída para o mar para a Bolívia, mesmo que não seja cedendo parte do seu território, poderia ser interessante para o Chile, inclusive porque, desde 2000, a América do Sul reconhece que um dos problemas graves em relação à sua inserção internacional é a falta de infraestrutura logística”, sublinha o professor da Unila. “Até o Brasil tem interesse em uma saída para o Pacífico, através do Peru. Essa integração física interessa aos 12 países da região.”

Em represália à intransigência do Chile em debater a questão, a Bolívia ameaça dispensar a utilização dos portos chilenos de Arica e Antofagasta, e dar preferência aos portos uruguaios e brasileiros. A escolha resultaria em prejuízos econômicos para Santiago.

Clayton Cunha afirma que a solução mais plausível seria o Chile entregar para a Bolívia o corredor ao norte da cidade de Arica, na fronteira com o Peru, e assim não teria o seu território fracionado.

“Seria um território que, de fato, não faria a menor diferença para o Chile, e iria resolver um problema diplomático que não terá outra solução enquanto não for negociado”, insiste. “Mesmo que a Corte de Haia diga que o Chile tem razão e a Bolívia perdeu, será uma questão que pode se fechar juridicamente, mas politicamente nunca vai se encerrar. Essa é uma demanda que o povo boliviano terá sempre: já existe há mais de 100 anos e vai continuar pelos próximos 100 ou 200, com certeza.”

Simpatia pela Bolívia

Os especialistas destacam que, diante do impasse, o Brasil tenta se mostrar neutro, mas demonstra uma inclinação pelo lado da Bolívia, da mesma forma que a maioria dos demais países da região.

“Como a Bolívia é o país mais pobre da América do Sul, um dos mais pobres do hemisfério, perdeu todas as guerras que disputou e perdeu territórios para todos os vizinhos – o Acre para o Brasil, o litoral para o Chile e pequenos territórios para o Peru, a Argentina e o Paraguai -, naturalmente inspira uma certa simpatia quando faz uma demanda assim”, constata Cunha.

Para os pesquisadores, são reduzidas as chances de Santiago e La Paz retomarem as relações diplomáticas sem resolver a questão do acesso boliviano ao mar.

Fonte: http://www.portugues.rfi.fr/geral/20150506-tribunal-de-haia-avalia-pedido-historico-da-bolivia-por-acesso-ao-pacifico

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