Um dos grandes músicos de jazz de todos os tempos, Clark Terry, morreu, aos 94 anos, no último dia 21.
por Luiz Orlando Carneiro*
Ele já estava afastado dos palcos e dos estúdios, sob o peso da idade, depois de longa luta contra o diabete. Quando chegou aos 85 anos em dezembro de 2005, comemorou a data, tocando o seu inseparável flugelhorn (o irmão mais gordo do trompete), numa grande festa musical na Universidade de New Hampshire, da qual era doutor honorário e professor adjunto desde 1988.
No livro Guia de jazz em CD (Jorge Zahar, 2ª ed., 2002), que escrevi em parceria com J.D. Raffaelli, anotei:
“Mestre do trompete e do flugelhorn – instrumento que introduziu no jazz – Terry tem um dos sons mais característicos e untuosos já produzidos nestes metais. Verdadeiro ‘escultor’ da massa sonora, não pode ser rotulado simplesmente como ‘tradicional’ ou bopper. Impõe sua arte melódica, cheia de swing, em qualquer situação. Tocou como sideman de Count Basie (1950-51) e de Duke Ellington (1951-59). Dos anos 60 em diante liderou diversos grupos, sempre brilhando nos clubes e festivais do mundo todo”.
Ouvi Clark Terry, ao vivo, pela última vez, em maio de 2005, no Village Vanguard (a subterrânea “catedral” do jazz de Nova York), na liderança de um quinteto (Mulgrew Miller, piano; Red Holloway, sax tenor; Sylvia Cuenca, bateria; Marcus McLaurie, baixo). E o sempre bem-humorado velhinho, mesmo refestelado numa cadeira, improvisava ainda com técnica e inventividade notáveis, embora sem o mesmo pique da época em que deu maior brilho à orquestra de Duke Ellington; em que gravou com Thelonious Monk o antológico disco In orbit (Riverside, 1958); ou quando participou de jam sessions registradas por Norman Granz em LPs da Pablo, na década de 70, ao lado de gigantes da estatura de Oscar Peterson.
Quem assistiu à sua apresentação no Rio, no Free Jazz Festival de 1996, deve recordar que o então septuagenário músico entrou pela madrugada soprando e dedilhando o trompete ou o “flug”, com empolgação idêntica à dos muito mais jovens David Glasser (sax alto), Sylvia Cuenca e Willie Pickens (piano).
Dos álbuns gravados por Clark Terry nos últimos 15 anos, destaco dois: One on one(Chesky, 1999) e a reinterpretação dos arranjos escritos por Gil Evans especialmente para Miles Davis, no fim da década de 50, de árias da ópera Porgy and Bess, de Gershwin.
No primeiro álbum, o pistonista improvisa sobre 14 temas bem conhecidos (entre os quaisMisty, Blue Monk, Intimacy of the blues), em duo com outros tantos pianistas de renome, veteranos, maduros e jovens, entre eles Barry Harris, Sir Roland Hanna, Marian McPartland, Tommy Flanagan, Billy Taylor.A recriação de Porgy and Bess, de Evans-Miles Davis, pela Chicago Jazz Orchestra, sob a regência de Jeff Lindberg, com Terry refazendo a seu jeito (e no flugel, não no trompete) o papel do ex-discípulo e protegido, foi lançado, em 2004, pelo selo A440 Music Group. John McDonough concedeu cinco estrelas ao CD, em resenha para a Down Beat (fevereiro 2005). E comentou: “Não se trata de uma imitação do original; é uma alternativa de um dos poucos músicos da geração de Davis que igualava sua reputação, e que ainda atua no nível mais alto (de criatividade)”.
Nem simplesmente um tradicionalista, nem apenas um músico representativo da transição entre o swing e o bebop, Clark Terry era timeless. E sua obra é contemporânea, porque resiste ao teste do tempo.
*Jornalista do Jornal do Brasil