Uma República democrática e laica sob o sistema “jagunço”

jagunço

Por Fátima Oliveira.

Isto aqui, o Brasil, é uma República democrática e laica. Entretanto, pelas manchetes, a impressão que se tem, desde o último dia 2 de janeiro, é que estamos nas soleiras de uma teocracia: “Aborto só vai à votação se passar pelo meu cadáver”, diz Cunha, que retoma um projeto para instituir o Dia do Orgulho Hétero e outro que proíbe a adoção de criança por casais gays; Cunha pode entregar a TV Câmara a partido ligado à Igreja Universal; Cunha diz que é “preciso parar de discriminar a atuação de deputados evangélicos porque têm seus projetos e são atendidos igual aos outros no regimento”.

Sob o laicismo, nenhuma religião pode dar o tom das leis nem emitir normas de comportamento para todo o povo, porém estamos vivenciando algo que não há paralelo na vida real, apenas na literatura: o sistema “jagunço”, “instituição situada ao mesmo tempo dentro da esfera da lei e do crime”. Eduardo Cunha (PMDB-RJ) instaurou o sistema “jagunço” de governar sem ser presidente!

Repito: “Perdi a paciência: quero a República terrena de volta!” no artigo que iniciei indagando: “Afinal, o que é República (do latim, ‘res publica’: coisa pública)?” (O TEMPO, 12.10.2010). República é um regime de governo que tem como eixo a defesa dos valores e dos princípios republicanos.

Sob a democracia (regime político), o espírito republicano tem como um valor a independência entre os Poderes, que aqui são três: Executivo; Judiciário e Legislativo – em âmbito federal, é um sistema bicameral: Senado e Câmara dos Deputados –, cada um deles com suas missões definidas na Constituição Federal de 1988 (Título IV – Da organização dos Poderes, artigos 44 a 135).

A nossa República (regime de governo) democrática (regime político) e laica está sob ameaça, pois as consignas republicanas da governabilidade estão sendo destruídas com a chegada à presidência da Câmara dos Deputados de Eduardo Cunha – lobista, segundo sua folha corrida, e evangélico fundamentalista, da igreja Sara Nossa Terra, seguidor do bispo Robson Rodovalho.

Segundo o Diap, o Congresso que emergiu das eleições de 2014 se configura como o mais conservador desde o fim da ditadura de 1964, logo, mais do que suficiente para dar o ar de trevas que nada tem a dever à jagunçagem! Acertou o diretor de Documentação do Diap, Antônio Augusto, quando declarou: “São sérios os riscos de retrocessos em relação aos direitos civis e à legislação trabalhista”.

Se a eleição de Severino Cavalcanti, em 2005, à presidência da Câmara foi uma surpresa repleta de atabalhoamentos, a de alguém como Eduardo Cunha, também do baixo clero, da turma do troca-troca, era o que se chama de “favas contadas”.

Como em 2005, em 2015 foi a política que saiu perdendo, com o agravante de que, se Severino era um misógino “católico roxo”, Eduardo Cunha é fundamentalista roxo, orgânico e militante, o que faz toda a diferença, vide o sistema “jagunço” de fazer política, um sistema de poder que ele implementa com ares e desenvoltura de presidente do Brasil!

Se Severino Cavalcanti tinha aquele olhar de paspalhão, o de Cunha é puro Hermógenes, um chefe jagunço de “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa, que nem sequer respeitava as normas/leis da jagunçagem, como disse Riobaldo Tatarana: “O senhor sabe: sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado”.

Fonte: O Tempo

 

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