Por Leonardo Sakamoto.
Recém-eleito presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) afirmou, em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, que a ampliação do direito ao aborto só será votada passando-se por cima do seu cadáver.
E, enquanto isso, passamos por cima de cadáveres de mulheres que são levadas a realizar abortos de forma clandestina. Esses corpos se acumulam pelo país diante da hipocrisia, do machismo, da intolerância, do falso moralismo e do fundamentalismo.
Cada morte dessas deveria ser colocada na conta de quem joga um problema de saúde pública para baixo do tapete. Pois uma mulher que está desesperada para abortar vai abortar. Quer você, o Estado ou Deus gostem ou não.
Em outubro do ano passado, mais de 50 pessoas foram detidas sob suspeita de envolvimento com clínicas clandestinas de aborto pela Polícia Civil do Rio de Janeiro. A quadrilha, que envolvia médicos (reais e falsos), policiais, advogados e militares, cobrava até R$ 7,5 mil por procedimento.
Mas deputados e senadores que bradam, indignados, mediante a tentativa do trâmite de leis que ampliariam o direito ao aborto também são responsáveis por clínicas clandestinas de aborto. Eles, com a negação do problema, ajudam a criar a procura por um serviço clandestino. Caso contrário, abortos seriam realizados em hospitais privados e públicos, até certo mês limite de gestação, com toda a segurança e sem medo.
Como já disse aqui antes, não há alguém, em sã consciência, que seja a favor do aborto. Ele é ruim, é um ato traumático para o corpo e a cabeça da mulher, tomada após uma reflexão sobre uma gravidez indesejada ou de risco. Ninguém fica feliz ao fazê-lo, mas faz quando não vê outra saída.
O que se discute aqui é o direito ao aborto e não o aborto em si. Defender o direito ao aborto não é defender que toda gestação deva ser interrompida. E sim que as mulheres tenham a garantia de atendimento de qualidade e sem preconceito por parte do Estado se fizerem essa opção. Promover métodos contraceptivos são importantes, mas eles não excluem a discussão sobre a ampliação desse direito. Porque erros de prevenção vão acontecer.
Porque vale repetir, O ABORTO JÁ É LEGAL NO BRASIL, como nos casos de risco à vida da mãe e estupro. O que se discute é a ampliação desse direito já reconhecido em lei. Hoje, o “direito” ao aborto depende de quanto você tem na conta bancária para pagar uma boa clínica.
Enquanto discutimos quando começa a vida (sobre isso dificilmente chegaremos a um consenso), mulheres morrem nesse processo. Negar o “direito ao aborto” não vai o diminuir o número de intervenções irregulares.
Enfim, é uma vergonha ainda considerarmos que a mulher não deve ter poder de decisão sobre a sua vida, que a sua autodeterminação e seu livre-arbítrio devem passar primeiro pelo crivo do poder público e ou de iluminados guardiões dos celeiros de almas, que decidirão quais os limites dessa liberdade dentro de parâmetros. Parâmetros estipulados historicamente por homens. Defendo o direito da mulher sobre seu corpo (e o dever do Estado de garantir esse direito).
Mas se você não defende, pelo menos pense no número de mortes de mulheres em procedimentos precários de interrupção de gravidez. E pare para pensar antes de dizer, em voz alta, que a vida de um feto na oitava semana de gestação é igual à de uma mulher de 30 anos.
Pois se houver uma inteligência sobrenatural no universo, observando a tudo e a todos, e ela ouvir isso, vai sentir muita vergonha de você.
Foto: Carlos Moura/CB/D.A Press. Brasil.)