Por Leonardo Sakamoto.
Por criticar autoridades religiosas, o blogueiro Raif Badawi foi condenado a dez anos de prisão e a 50 chibatadas por semana durante 20 semanas no ultraconservador reino da Arábia Saudita.
Ele já levou 50, no último dia 9, e espera-se que as costas cicatrizem para poder levar as próximas 50. A repercussão internacional foi tão ruim que o país está reavaliando a pena.
Após ler isso, três sentimentos: solidariedade ao blogueiro, raiva de todos os fundamentalismos e um certo alívio porque lá não é aqui.
Mas o discurso de ódio por aqui cresce, faz escola e fragiliza a liberdade de expressão.
Não são políticos fanfarrônicos, pastores e padres macarrônicos e comunicadores histriônicos que vão executar o ódio que tanto propagam. Não é a mão deles que segura a faca ou o revólver, mas é a sobreposicão de seus discursos ao longo do tempo que distorce o mundo e torna o ato de esfaquear, atirar e atacar banais.
Ou, melhor dizendo, “necessários”, quase uma missão pelo reestabelecimento da civilização.
Eles alimentam lentamente a intolerância e o ódio, que depois serão consumidos pelos malucos sem freio que fazem o serviço sujo.
Matamos dois jornalistas no ano passado – Santiago Andrade, atingido por um foguete em uma manifestação no Rio, e Pedro Palma, executado na porta de casa, em Miguel Pereira (RJ). Fora as outras ameaças e agressões por parte da polícia, do crime, de empresas e de quem quer que não goste muito de imprensa livre.
Neste último ano, aumentou o número de ameaças que recebo. Além disso, acabei ralando em treinos de modalidades como Desvio de Cusparada Olímpica ou 100 Metros Rasos Fugindo de Comentaristas. Com exceção de algumas páginas de amigos da polícia que vez ou outra sugerem que alguém “moa meia hora de pau” em mim (aliás, gente, escolham outro método de tortura porque esse é muito last week, muito Costa e Silva), tenho certeza que a maioria das ameaças parta de molecada desocupada ou trolls. Seria, portanto, uma leviandade atroz comparar meu caso com qualquer outro citado acima.
Mas o termômetro individual, mesmo que muito menos grave, serve para perceber que a temperatura continua esquentando em 2015.
E considerando que a quantidade de blogueiros independentes produzindo bom jornalismo aumenta a cada dia, minha preocupação só aumenta.
Porque, ao contrário de quem trabalha para um grande veículo, eles estão praticamente sozinhos ao relento, contando com apoios bissextos e a sorte para não se tornarem estatísticas. A internet dá liberdade, mas encara-la de cara limpa e de forma não anônima gera um custo que ara muita gente que tombou pelo caminho se mostrou algo demais.
Fonte: Blog do Sakamoto