Entre a visibilidade e a invisibilidade: um olhar sobre a resistência da mulher negra contemporânea
Por Nalui Mahin e Silvana Bahia.*
O Dia da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha, celebrado em 25 de julho, tornou-se um marco na luta contra o racismo e a opressão interseccional de raça e gênero que nós, mulheres negras, convivemos todos os dias. Esse dia representa não apenas a celebração de conquistas, embora ainda tenhamos muito que avançar, mas também é um momento para referenciar e exaltar a resistência da mulher negra. A data foi escolhida no I Encontro de Mulheres Negras Latino Americanas e Caribenhas, em São Domingos na Republica Dominicana em 1992.
De fato, o reconhecimento de uma data que comemore a visibilidade das mulheres negras e a luta contra o racismo é uma conquista, um primeiro passo para a valorização e reconhecimento das demandas dessas que representam 52% da população feminina do Brasil. Entretanto, ainda são muitos os desafios enfrentados por esta parcela da população, um exemplo disso está no fato de que – segundo o Censo 2010 – mais da metade das mulheres que trabalham como empregada doméstica no país (55,3%) são negras; além disso a mortalidade materna de mulheres negras é 3-4 vezes maior do que a de mulheres brancas.
Em contrapartida, na atualidade, é muito comum encontrar coletivos e grupos de mulheres negras que trabalham para transformar estas estatísticas e oferecerem produções que contribuam para novas representações da mulher negra. Portais, sites, blogs, canais e fan pages são ambientes onde cada vez mais a discussão sobre demandas específicas da população negra e feminina têm se proliferado. O acesso às ferramentas tecnológicas, que deve ser ampliado cada vez mais, tem contribuído para que as mulheres negras ocupem definitivamente o papel de falantes de si, de suas questões e desejos.
Iniciativas dentro e/ou fora da rede vem pautando e questionando injustiças raciais e contribuindo para a visibilidade da população negra e feminina. Como o coletivo Meninas Black Power que surgiu na saudosa rede social que acaba no próximo mês, o Orkut, depois migrou para o blog e que hoje tem um fan page no Facebook com quase 50 mil curtidores. Além dos canais de comunicação, o coletivo promove encontros como Encrespando, realizado no mês de julho em alusão a data do dia 25, além de ações semanais em escolas públicas em Tinguá, bairro de Nova Iguaçu no estado do Rio de Janeiro.
As intervenções do coletivo nas escolas são separadas, já que a escola abrange desde o ensino fundamental ao médio, com as crianças menores são tratados direitos e deveres a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente. Com as maiores, são realizadas oficinas abordando questões sobre afrocentricidade. “Discutimos questões centradas na nossa ancestralidade, as variadas faces do racismo, e sobre a prática do turbante para além da estética, como forma de reverência a ancestralidade e reconhecimento da negritude”, contou Karina Vieira, integrante do Meninas de Black Power.
Por meio de histórias que não são contadas e pelo viés da valorização da estética negra, o coletivo vem crescendo e desenvolvendo ações em outros estados do país. Além das meninas no Rio de Janeiro, onde nasceu o coletivo, em São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio Grande do Sul, as Meninas Black Power também estão presentes.
No litoral Sul de São Paulo, em Itanhaém, a estudante de biomedicina Bea Caixeta, adepta do turbante há muitos anos, participa de vários grupos nas redes sociais sobre cabelo. Este ano ela sentiu necessidade de criar um grupo para discutir questões ligadas a mulher negra e, logo depois, criou uma fan page com o mesmo nome Meu turbante, Minha coroa. “Via muitos grupos de cabelos, alguns dos quais participo e aí decidi criar o grupo. Nunca imaginei chegar na proporção que chegou e quando as pessoas começaram a se relacionar senti a necessidade de ter um espaço para atingir mais pessoas, que não precisasse solicitar participação e que fosse aberto a outros temas também. Mas sempre ligado e lincado ao turbante e à mulher preta, por isso criei a página”. Bea disse que a intenção é espalhar ideias e incentivar as pessoas. “Mostrar que não estamos só e que a nossa ideia é forte sim. Por baixo do turbante tem muita personalidade” conclui.
Letícia Santana é uma das colaboradoras da página no Facebook Anastácia Contemporânea que nasceu do desejo de quatro amigas de falarem sobre empoderamento da mulher negra, de estética à militância política. “Nossa ideia é falar da mulher preta, mas explorando a ternura. O que é um exercício um tanto quanto complicado. As marcas do racismo fazem a gente querer explodir em nossas falas e discursos. E por isso muitas de nós gritamos. E ao gritar, não somos ouvidas”.
Sem dúvidas essa relação entre as redes sociais e a vontade/necessidade de falar de si, de encontrar outras pessoas que estão na mesma luta e mostrar que não estamos só, em especial no que se refere à comunicação alternativa e discussão em torno da representação de minorias. Agir na contramão da invisibilidade de pautas das mulheres negras é uma conquista que devemos celebrar, reconhecendo as limitações e preconceitos que ainda persistem neste campo.
Festival Latinidades
Uma das maiores celebrações em comemoração ao dia 25 de julho é o Festival Latinidades, que este ano chegou a sua sétima edição e recebeu palestrantes como a ex-integrante do Partido dos Panteras Negras, Angela Davis e Patricia Hill Collins, uma das intelectuais mais relevantes na discussão sobre feminismos negros, autora do livro Black Feminist. Durante os seis dias de programação, o Latinidades reuniu milhares de mulheres, majoritariamente negras, em torno de temas como feminismos negros, aprisionamento em massa, ancestralidade, religiosidade, política e memória.
Um dos pontos tocados na fala de Patricia Hill Collins foi a tentativa de enquadramento das experiências negras femininas em categorias de análises que de forma nenhuma dialogam com as experiências vivenciadas por populações negras, para exemplificar essa prática (que é muito recorrente, principalmente nas universidades) ela deu o exemplo do uso de sapatos com a numeração muito menor que a do pé.
Outra fala emblemática foi a de Angela Davis, que comentou diferentes temas, dentre eles, sua própria imagem. Desde a década de 1970, a imagem de Angela Davis tem sido reproduzida, colocada em camisetas e cartazes como símbolo da luta contra as opressões que homens e mulheres negras sofrem. Davis comentou que provavelmente seu nome não seria conhecido mundialmente se grupos de pessoas, em várias partes do mundo, não se mobilizassem para lutar por sua liberdade, quando foi encarcerada injustamente sob acusação de conspiração, sequestro e homicídio. Angela Davis disse que a reprodução dessas imagem não simbolizam a sua luta como indivíduo, mas a mobilização coletiva contra várias formas de opressão.
Foto 1: Elisângela Leite/Imagens do Povo
Foto 2: Meu turbante Minha coroa
Foto 3: Anastacia contemporanea – Geledés
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Fonte: Observatorio de favelas- Geledés