9 de julho

Imagem: Reprodução

Por Guigo Ribeiro, para Desacato.info.

O dia acorda distante do habitual. O sol não sorri, tão pouco dá bom dia. As caras são amarradas mesmo e ponto. Porque estão no ponto varrendo o resto do sono pra noite. Porque é quinta e é fundamental atravessar bem este dia visto a proximidade da sexta. É um pouco do fim de semana. Os desejos mais sinceros é que nada se atreva a escorrer pelas mãos. Que cada qual segure seu b.o e faça dele besteira. Nos adiantemos. Amanhã é sexta. O ônibus vai parar algumas tantas vezes até o ponto em que cada um fica. Há corredores. Há corredores pra que se ande. Pra que o caminho flua. O transporte tem hora pra sair e chegar. Pontual. Por favor. Cada qual se acomoda no seu espaço. Um banco, uma janela ou costas na porta. Segura firme em cima ou na frente mesmo. Cada espaço ali é pessoal, conquistado, pago. Cada qual se acomoda no seu espaço e todos, sem qualquer linda exceção, estranham a lentidão vigente. Alguns resmungam. Outros se entregam à distração de mão. E o tempo avisa que vai ficar apertado se o ônibus não cumprir com maestria sua função de levar e trazer. Cabeças pra fora. Perguntas sem resposta. E agora? Foi acidente. A massa se vê diante de algo inédito. Foi dada ao sujeito o não condicionamento. Logo, eis o fim do sossego de estar numa máquina sentido algum lugar. Agora é necessário pensar o que será feito. E aos poucos, diante da situação e nenhum aviso, a desistência do plano de todo dia.

– Precisava estar perto de onde vou. Agora… com esse acidente já não sei o que fazer. – alguém.

– Foi acidente e parou o túnel? Será que vai demorar? – outro alguém.

– Vamos ir andando? – ainda outro alguém.

Sirenes afoitas gritam sentido ao lugar. Invadem a contramão, sobem calçadas. O túnel deve ser liberado. E a massa toma coragem pra andar até o outro lado enquanto fazem contas sobre o tempo perdido até então e valor disponível para viagens de aplicativo. Dentro do túnel, na vista do povo, o corpo sendo retirado debaixo do ônibus. A vida que acaba de partir. Um sorriso de quem, enfim sim, conseguiu ser parte dos produtores de conteúdos macabros. Aponta um celular como a lei aponta o dedo e armas. Há alguém lúcido:

– Tragédia não é espetáculo não, amigão! Bora!

O homem segue apontando sua arma… celular e responde impropérios. Tinha real certeza que estava em algum de direito. E a massa segue. No mesmo ritmo, na mesma marcha. Segue. Do outro lado é tudo igual, mas não tão igual. Aos poucos a vida volta ao normal e os primeiros ônibus parados antes do túnel são liberados. As pessoas embarcam e avisam o êxito não sem antes se desculpar novamente pelo atraso. Cada qual toma seu novo lugar. E alguém faz uma ligação:

– Pois é! Mas tá tudo bem agora. Desculpa o atraso. Ah… sei lá. Alguém morreu e parou tudo.

Guigo Ribeiro é ator, músico e escritor, autor do livro “O Dia e o Dia Que o Mundo Acabou”, disponível em Edfross.

 

 

 

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

#AOutraReflexão

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