Por Ramon Rafaello.
Na Aldeia Pé do Monte, território Pataxó de Barra Velha (município de Porto Seguro-BA), aconteceu entre os dias 18 e 19 de agosto a 8º edição do Kadawê Nuhatê Pataxó, uma Assembleia de Caciques, jovens e Lideranças Pataxó, que contou com a presença de representantes de diferentes comunidades da etnia, do Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba), além de apoiadores a exemplo dos pesquisadores da UFSB, UNEB, UFBA, e representantes do Instituto Mãe Terra, FUNAI, CIMI, ICMBio e outras instituições. O evento celebra o aniversário de fundação da Aldeia Pé do Monte, que aconteceu através de uma retomada territorial empreendida pelos Pataxó em 1999, além disso, a Assembleia foi um momento em que as comunidades e suas lideranças fortalecem seus vínculos de territorialidade e ancestralidade, em um processo de formação e organização política fundamentando na luta pela reconquista do território Pataxó do Monte Pascoal, que se encontra demarcado em 8.627 hectares como Terra Indígena, enquanto a maior parte da área estimada em 44.121 hectares, se encontra ocupada por Parques Ambientais e fazendas da região.
Não há impedimentos jurídicos, hoje, para que não seja reconhecido o território tradicional Pataxó, em consonância com os estudos e identificação e delimitação realizados na área e com os direitos constitucionais. No dia 05 de junho de 2020, o poder judiciário se manifestou de modo favorável a ampliação territorial. O MPF, através do Sub Procurador Geral da República, Antonio Carlos Alpino Bigonha, encaminhou um ofício ao ministro da Justiça e Segurança Pública, André Luiz de Almeida Mendonça, afirmando que o processo administrativo da demarcação cumpriu todos os requisitos legais, e conforme estabelecido no Decreto 1.775/96, após cumpridos todos os trâmites e estudos necessários, o ministro da Justiça em exercício tem o prazo de 30 dias para emitir a portaria declaratória demarcando a área. O ofício do MPF, também destaca a nulidade das ações jurídicas relacionadas ao marco temporal, que “já vem sendo impugnadas e rejeitadas” em âmbito nacional, e neste sentido, cobra “a imediata adoção das medidas administrativa necessárias ao fiel cumprimento desse mister constitucional, com a imediata expedição da portaria declaratória da Terra Indígena Barra Velha” (MPF, 2020).
Portanto, sob pleno conhecimento dos direitos étnico territoriais assegurados pelo artigo 231 da constituição de 1988, durante a Assembleia de Caciques e Lideranças, os Pataxó se manifestaram de modo contrário ao Projeto de Lei (PL) 490, que está em pauta do Supremo Tribunal Federal (STF), para ser julgado na quarta-feira (dia 25 de agosto). Se aprovado o Projeto de Lei, os processos demarcatórios das Terras Indígenas no Brasil estarão sob responsabilidade do poder legislativo em detrimento ao executivo, portanto, sob o julgo dos parlamentares ligados ao agronegócio, que compõem a maioria no congresso e se opõem frontalmente à demarcação, além disso, o PL viola os direitos constitucionais indígenas, a exemplo do usufruto exclusivo das terras demarcadas, e neste contexto, propõe a criação de um marco temporal com o objetivo de restringir o direito territorial indígena, considerando que somente aqueles povos e comunidades que estavam antes de 1988, em disputa física e (ou) jurídica pela terra, terão acesso à demarcação das área reivindicadas, entretanto o PL desconsidera ser infundamentado o argumento da permanência contínua de uma população em determinado local, para caracteriza-lo como área tradicionalmente habitada. Isto significa ignorar os processos históricos que levaram diversas etnias, a serem “rechaçadas e refugiadas em regiões que não correspondem à sua localização tradicional, nem à extensão territorial ocupada antes da dizimação gerada pelo encontro com as frentes da colonização” (Gallois, 2004, p. 41).
Cabe ainda destacar, que além mobilizar o povo Pataxó e apoiadores em defesa dos direitos étnico territoriais indígenas que se encontram ameaçados, a luta pela preservação do meio ambiente esteve fortemente presente ao longo do evento, que foi realizado em um dos últimos e mais importantes redutos de Mata Atlântica do mundo, que vem sendo preservado ao longo dos séculos pelo povo Pataxó, que atualmente, conta com o apoio do ICMbio no âmbito do Parque Nacional e Histórico do Monte Pascoal, Unidade de Conservação da Natureza, que se encontra em situação de sobreposição com a Terra Indígena de Barra Velha. Desse modo, a Aldeia Pé do Monte vem realizando na área, atividades de turismo etnológico e ambiental de base comunitária, o que vem contribuindo parar gerar uma renda sustentável na comunidade, valorizando e preservando a floresta.
Em um entrevista realizada com o Cacique Guaru Pataxó, ao ser questionado sobre a importância do turismo e da presença indígena, para a preservação ambiental, ele afirma:
O turismo aqui no Parque Nacional do Monte Pascoal ele é bom, e eu vejo como uma fonte de renda não só pra nós aqui do Monte, mas também pra nossos irmão Pataxó que trabalha com turismo lá em Caraíva, levando de Caraíva à Bugigão, é uma fonte de renda. Além disso a gente vive aqui não só pelo turismo, mas também do artesanato de semente, que agrega valor e não degrada a mãe natureza, trabalhamos com agrofloresta plantando cacau, pimenta do reino, cupuaçu, açaí. Nós temos aqui jaqueira, manga, e outras frutas também, então são trabalhos que a gente tá fazendo de auto sustentabilidade pra gente sobreviver.
Segundo Tohô Pataxó, que é um dos organizadores do evento e liderança da Aldeia Pé do Monte:
Ser índio Pataxó pra min é ser filho da natureza e respeitar a mãe natureza, não adianta chamar ela de mãe e não respeitar ela. Antigamente nosso povo vivia da caça, da pesca, tinha mais mata, mais rio, então vivia em total harmonia com sua mãe natureza, sobrevivendo dela e sabendo viver. Hoje por conta dos grandes latifundiários, madeireiros e caçadores que foram invadindo nossas terras, ficou complicado, até mesmo, porque hoje nós vivemos aldeados, e antes não era assim, nosso povo vivia no nosso território que era muito grande, era extenso, e tinha como sobreviver, e hoje não é como antes.
Portanto, observa-se na entrevista realizada em 2018 com Tohô, que o processo de desterritorialização gerado pelo contato com as frentes de colonização, vem causando impactos socioambientais entre a população Pataxó, e desse modo, o depoimento revela o anseio permanente da população indígena, de que o governo brasileiro possa assegurar a preservação ambiental e cultural, demarcando o território indígena e protegendo a Mata Atlântica, que além de ser um reduto ancestral de habitação Pataxó, é considerada por pesquisadores e organizações ambientalistas de todo o mundo, como área de importância prioritária para conservação, classificada como hotspot, ou seja, um dos biomas mais ricos em biodiversidade, e ao mesmo tempo, mais ameaçados do planeta. Além disso, a Mata Atlântica é reconhecida como Patrimônio Nacional na constituição de 1988, e reconhecida como Reserva Mundial da Biosfera, pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO).
BIBLIOGRAFIA
GALLOIS, Dominique Tilkin. Terras ocupadas? Territórios? Territorialidades? In; Terras Indígenas & Unidades de Conservação da natureza: o desafio das sobreposições. Org; RICARDO, Fany Pantaleoni. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2004.
OFÍCIO MPF n° 705/2020/6ªCCR/MPF. Endereço virtual (acessado no dia 15/02/2021): http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/document5.pdf