Por Sofia Lorena.
Os resultados estavam anunciados para segunda-feira, mas às últimas horas de domingo o governo regional da Catalunha anunciou que dos 2,25 milhões de catalães que votaram no “processo de participação cidadã”, 80,72% respondem “sim” nas duas perguntas inscritas nos boletins de voto: “Quer que a Catalunha seja um Estado?” e, nesse caso, “Quer que a Catalunha seja um Estado independente?”.
Os partidos que se opuseram à consulta garantiam que ninguém que fosse contra a independência se daria ao trabalho de votar, mas houve 4,55% que o fizeram, enquanto 10,11% responderam “sim” à primeira pergunta e “não” à segunda. Foi o caso de Joan Herreras, líder do partido Iniciativa Catalunha Verdes, o único dos que apoiou a realização de um referendo a fazer campanha pelo “sim” à construção de um estado diferente mas dentro de Espanha.
Estes são dados ainda provisórios, com dois milhões de votos contados. E, como lembrou Artur Mas, presidente da generalitat, a consulta ainda não acabou. Há locais onde se poderá continuar a votar nos próximos dias, desde que se justifique por que não se votou a 9 de Novembro. “Resultados completamente finais só teremos daqui a umas duas semanas”, afirmou o líder da CiU (Convergência e União), quando agradeceu “ao exército de voluntários” que tornaram possível esta ida às urnas.
Sem um censo — os voluntários inscreviam as pessoas à medida que elas se apresentavam para votar — é difícil extrapolar percentagens da população ou comparar esta votação com anteriores. O governo da Catalunha fala em 5,4 milhões de eleitores espanhóis, que eram os que existiam nas últimas autonómicas, em 2012, mais uns 900 mil estrangeiros (mas não sabe quantos destes têm cartão de residência, sem o qual não poderiam votar). O jornal El País escreve que, de acordo com os últimos dados do INE espanhol, há mais de 6,2 milhões de eleitores com mais de 16 anos e direito a votar na Catalunha.
Quem quer que faça as contas é muita gente a ir às urnas. As previsões mais conservadoras dos apoiantes da consulta apontavam para 800 a 900 mil pessoas. Só os mais optimistas falavam em ter um milhão e meio ou dois milhões a participar num processo que a generalitat foi proibida de organizar pelo Tribunal Constitucional, que, respondendo a uma denúncia do Governo de Mariano Rajoy, suspendeu primeiro um referendo e depois uma consulta que não seria vinculativa.
Artur Mas nunca se desresponsabilizou do processo, mas coube a dois grupos de cidadãos, a Associação Nacional Catalã e a Omnium Cultural, angariar voluntários (mais de 40 mil), imprimir boletins, formar gente para estar nas mesas e garantir que os centros de voto abriam em toda a comunidade. “Sem estes catalães e estas catalãs, isto nunca teria sido possível”, disse o presidente da generalitat, antes de pedir ao primeiro-ministro, Mariano Rajoy, “vistas altas”.
Descrevendo as primeiras reacções de Madrid como “intolerantes” e “próprias de quem tem miopia política”, Artur Mas exigiu “respeito”. “Já somos adultos suficientemente adultos pata decidir, pedimos respeito, já o merecemos.”
Sem intimidações ou apelos ao voto
Depois de Artur Mas falar no centro aberto pela generalitat para seguir o processo na Feira de Barcelona, subiram ao palco os membros do Parlamento Europeu que aceitaram o convite para observar esta consulta. “Do nosso ponto de vista, este processo foi único. Tanto quanto pudemos observar, aconteceu de forma calma e aberta e ninguém foi coagido ou intimidado. Não testemunhámos nenhuma tentativa de convencer os cidadãos a participar ou a escolher um ou outro lado”, afirmou Ian Duncan, membro do Partido Conservador da Escócia e porta-voz dos observadores.
“Este processo de participação foi conduzido em circunstâncias desafiantes e acreditamos que foi conduzido com sucesso”, disse ainda Duncan. “Esperamos que no futuro os catalães possam participar num processo destes sem os desafios que hoje testemunhámos”, acrescentou. Para além da ausência de um recenseamento eleitoral, os observadores lamentaram a inexistência de uma comissão eleitoral e o facto de haver menos centros de voto do que seria necessário.
O Governo de Rajoy não tinha previsto nenhum comentário oficial e o próprio primeiro-ministro nem se deixou ver durante todo o dia, mas, para além das declarações que alguns dirigentes fizeram, o ministro da Justiça acabou por falar ao país numa declaração improvisada à qual só a TVE teve acesso. O executivo, afirmou Rafael Catalá, considera esta votação “um simulacro inútil e estéril” com o qual Artur Mas quis “ocultar o seu fracasso pessoal”, ao não ter podido convocar “uma consulta ilegal”.
Para o ministro, a votação só serviu para “aumentar a divisão entre os catalães e exacerbar as divisões políticas, dentro e fora da Catalunha”. A Procuradoria, explicou, continua a reunir dados para “avaliar” a existência de “responsabilidades penais” e exercer “nos próximos dias as acções legais que lhes correspondam”.
Os juízes de Barcelona receberam pelo menos 15 denúncias contra o 9-N, mas decidiram não mandar retirar urnas de nenhum centro de votação por considerarem “desproporcionadas” as medidas cautelares que os partidos políticos e os particulares pediam. Nalguns casos, pediram à polícia que identificasse os voluntários, noutros apenas que lhes enviassem a lista de escolas abertas para a consulta.
Um dia inesquecível, uma noite de festa
Quando o ministro da Justiça falava em Madrid, em Barcelona celebrava-se. No novo Centro Cultural do Born, no antigo mercado com o mesmo nome, centenas de pessoas esperaram por saber os números finais da participação enquanto ouviam bandas de música popular catalã ou o activista Titot, músico e político, cantar temas independentistas com a sua banda Brams.
No ecrã montado ao lado do palco, seguiam-se os noticiários e apupava-se quando surgiam membros dos Cidadãos, partido que se opôs à consulta, ou Alicia Sánchez Camacho, líder do Partido Popular Catalão, que num encontro partidário descreveu o 9-N como “uma farsa”. Às imagens de membros da Esquerda Republicana da Catalunha, da CiU ou de filas de eleitores seguiam-se gritos de “independência, já”.
Enric e Monse trouxeram o filho de 12 anos para acabarem “um dia muito emocionante” entre gente que votou e levou a sério esta consulta, como eles. “Foi um dia inesquecível”, diz Monse, administrativa de 46 anos. “Ver tanta gente mais velha a votar, pessoas que pensavam que nunca ia chegar um dia em que pudessem dizer ‘sim’ à independência. Esperamos que pelo menos com isto nos ouçam.”
O marido, bancário de 47 anos, não acredita que Madrid permita a independência nem sequer um referendo. “Vejo isso muito difícil, nunca nos deixarão votar num referendo. Preferem manter-se na nossa dependência”, diz, numa referência aos 16 mil milhões de euros de défice fiscal que ageneralitat diz perder todos os anos na relação com Madrid. Mais do que uma questão económica, Monse diz que este é um problema cultural e que “o independentismo só começou a crescer quando o Governo começou a atacar o catalão nas escolas”.
Os próximos dias dirão se Enric tem razão ou se há alguma possibilidade de negociar a realização de um referendo — um direito que Artur Mas diz que os catalães ganharam este domingo. Na terça-feira, adiantou o presidente dageneralitat, vai começar a definir-se o roteiro para o futuro, em conversas com os partidos que apoiaram a realização da consulta e com os grupos de cidadãos que a tornaram possível.