“Nos levaram em caminhões. Entramos inocentes e contentes. Mas ouvíamos gritos e corri. As portas estavam fechadas com cadeado. Me levaram em uma maca, amarraram meus pés e me cortaram (…). Éramos cerca de 30 mulheres que fomos ao centro de saúde sob uma enganosa campanha para um exame geral”.
A história acima poderia facilmente figurar no enredo de um filme de terror, contudo, infelizmente, fez e talvez ainda faça parte da vida real de milhares de mulheres no Peru. Quem conta o caso é Micaela Flores Bañares, da província de Anta, na região de Cusco, uma das milhares vítimas dos casos de esterilização forçada durante o governo de Alberto Fujimori (1990-2000). Na época, Micaela tinha sete filhos.
Informe da Anistia Internacional denuncia que, depois de mais de 10 anos de espera, cerca de 2 mil mulheres camponesas e de origens indígenas, todas forçadas a fazerem a esterilização, se deparam agora com uma terrível realidade: seus direitos à justiça foram negados.
As esterilizações forçadas no Peru fizeram parte de uma política de controle de natalidade orientada aos setores mais pobres da população. Muitas mulheres foram ameaçadas com multas, prisão e com a retirada do apoio alimentar do Estado, caso não aderissem ao programa. Outras tantas, como Micaela, sequer sabiam o que estava acontecendo. Além disso, muitas não receberam o cuidado pós-operatório necessário e, em consequência, sofreram problemas de saúde e 18 delas perderam a vida.
Com essa decisão, a promotoria pretende processar apenas os médicos responsáveis pelo procedimento que culminou com a morte de María Mamérita Mestanza Chávez, em consequência de uma esterilização forçada em 1998.
De acordo com informações obtidas em documentos de órgãos governamentais que investigaram os casos, os médicos responsáveis pelos procedimentos tinham que cumprir metas e recebiam, além de incentivos para isso, ameaças de sanções caso não cumprissem as tais metas.
Segundo a Anistia, “é lamentável ver que depois de tão longa espera a promotoria tenha tomado a decisão de acusar, formalmente, o pessoal médico que havia estado implicado em apenas um dos casos, sem esclarecer todas as responsabilidades e em todos os níveis, não apenas neste, mas nos mais de 2 mil casos que estavam sendo investigados”.
O promotor responsável pelo caso, Marco Guzmán Baca, argumentou que a legislação peruana não tipifica como crime a esterilização forçada, por isso não representa um suporte legal. Portanto, segundo ele, os fatos denunciados não constituiriam crimes de lesa humanidade.
Contudo, a advogada das vítimas, Rossy Salazar, rebate a declaração de Guzmán afirmando que, desde o começo da década de 1990, a comunidade internacional já considerava a esterilização forçada como crime.
A Anistia, no mesmo informe, declara ser “urgente que as autoridades do Peru revisem essa decisão absurda e cumpram com suas obrigações internacionais em matéria de direitos sexuais e reprodutivos, bem como garantam o direito à verdade, à justiça e à reparação para todas essas mulheres e seus familiares”.
Foto: Reprodução/Adital
Fonte: Adital