São Paulo – “Semana que vem vai ser maior”, gritavam manifestantes ao final do segundo protesto pela libertação de quatro pessoas em situação de rua, realizado no início da noite da última sexta-feira (3), no centro de São Paulo. O auxiliar de limpeza Hudson Bernardo da Silva, de 23 anos; o entrevistador Enmanuel William de Oliveira, 25; o pedreiro Vantuir Guedes de Assis, 49; e o aposentado Alexandro Costa dos Santos, 53, foram presos pela PM no último dia 30, quando participavam de um ato pela melhoria nas condições do Centro de Acolhida Estação Vivência, no Canindé, região central da capital paulista. O novo protesto ainda não tem data para acontecer.
A frase parodiava um dos mais célebres brados dos manifestantes que saíram às ruas em junho do ano passado para pedir a redução da tarifa do transporte pública. Dessa vez, no entanto, não foi preciso centenas de milhares de pessoas para parar ruas da cidade e atrair a atenção de um grande contingente da polícia.
A manifestação, organizada pelo Coletivo Autônomo dos Trabalhadores Sociais e pelo Padre Julio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo da Rua, não reuniu mais de 50 pessoas. Durante cerca de três horas, o grupo percorreu ruas dos bairros da Armênia, Canindé e Luz tocando instrumentos de percussão e entoando palavras de ordem, como “o povo de rua é meu amigo, mexeu com eles, mexeu comigo”.
Depois de fechar um cruzamento da Avenida Cruzeiro do Sul por alguns minutos, o grupo foi alcançado por grupamentos de policiais militares em motos, carros e homens da força tática portando lançadores de bombas de gás. Incitados pela presença dos militares, alguns dos manifestantes assumiram a identidade black bloc, e passaram a vestir máscaras.
Apesar da tensão, não houve qualquer confronto. “A ideia é continuar nas ruas, parando a cidade. Não precisa de muita gente para fazer isso. Nossa luta não é institucional, é nas ruas”, afirmou um dos porta-vozes do Coletivo dos Trabalhadores Sociais Autônomos, Paulo Escobar. Do ponto de vista institucional, a defensoria aguarda o final do recesso do Judiciário, na próxima segunda-feira (6), para entrar com um pedido de liberação dos quatro homens.
Segundo o Padre Julio, os presos foram transferidos para o Centro de Detenção Provisória Belém 2. Há dois dias, um pedido de habeas corpus inpetrado pela Defensoria Pública foi negado, mesmo após a intervenção da pastoral, que garantiu um endereço de referência dos detidos. “Inicialmente disseram que eles todos tinham ficha criminal. Mas três deles não têm antecedentes”, defendeu.
Muitas pessoas em situação de rua acompanharam a manifestação, como Claudio Gonçalves, que aproveitava o percurso para catar latas de alumínio. “Eu nunca vi tanto policial na minha vida. Só quando estava preso”, ironizou.
Claudio repete uma reclamação recorrente entre os usuários dos serviços de assistência social oferecidos pela cidade. “Todos os albergues são ruins. As assistentes sociais tratam você que nem lixo. Por isso é melhor ficar na rua. Eu só vou lá tomar banho e pronto”, explica.
Mas os albergues ainda são um equipamento público importante e demandado por muitos. Mesmo depois de todos os problemas relatados no Estação Vivência, era possível ver dezenas de homens dentro das instalações e outros chegando para passar a noite. “Dentro você está seguro, não corre o risco de alguém te matar, pelo menos”, afirma Alex Sandro Lima, que vive e trabalha no complexo Prates, outro albergue municipal.
No Estação Vivência, onde ocorreram os protestos do dia 30, nenhum dos usuários abordados pela RBA (Rede Brasil Atual) durante o protesto de ontem quis comentar as condições das instalações. “Todo mundo aqui dentro tem o que falar, mas ‘não pode'”, disse um deles, através das grades que cercam o espaço. Procurada, a coordenação também não quis se pronunciar.
Os serviços prestados pelo centro são mantidos pela organização não-governamental Coordenação Regional das Obras de Promoção Humana em parceria com a prefeitura. Os usuários reclamam de falta de higiene, banheiros entupidos, falta de água e maus tratos, situação semelhante à das ruas. “E as pessoas vão para lá para serem acolhidas, para terem atendimento a essas carências”, explicou o padre Julio.
Segundo o vice-presidente do Conselho Municipal de Assistência Social, Fracis Larry Santana Lisboa, há pelo menos dois anos há denúncias sobre o atendimento prestado no Estação Vivência. “É um problema que vem de muito tempo e sobre o qual nós não vemos perspectiva de melhora”, afirmou.
Ele lembra que, se em gestões anteriores havia críticas pela não abertura de novas vagas para atender a população de rua em albergues, na administração de Fernando Haddad (PT), que entra em seu segundo ano, o problema é a abertura de centros de atendimento que fogem dos padrões. “A lei diz que tem de ter 50 pessoas (atendidas). Aqui em São Paulo temos albergues com mais de mil. Não tem como dar atendimento adequado assim”, exemplificou.
Foto: Reprodução/Coletivo Autônomo dos Trabalhadores Sociais
Fonte: Rede Brasil Atual