Lideranças Kaingang expõem a situação de seu povo no Rio Grande do Sul

Por Ramiro Furquim/Sul21

Lideranças do povo Kaingang no Rio Grande do Sul expuseram a situação de suas comunidades em um seminário na tarde da última quinta-feira (21) no plenarinho da Assembleia Legislativa. Organizado pelo Laboratório de Arqueologia e Etnologia da UFRGS, o evento “Múltiplas Vozes” reuniu militantes de coletivos indígenas e quilombolas do estado para articular ações e debater a conjuntura em que se encontram essas populações.

Um dos depoimentos mais emocionados foi o de Iracema Nascimento, liderança Kaingang do território da Borboleta, situado entre os municípios de Salto do Jacuí, Jaucizinho e Espumoso. Ao lado do seu companheiro, o cacique João Carlos Padilha, ela relatou a história de uma tribo que, desde os anos 1960, ao ser expulsa de suas terras, percorre o Rio Grande do Sul em busca de abrigo – muitas vezes tendo que sobreviver durante anos em acampamentos improvisados na beira das estradas.

“Nasci em Nonoai. Eu já nasci lutando. Meu pai e meu vô foram lutadores”, iniciou. Iracema lamentou a falta de comprometimento do governo federal com a demarcação dos territórios dos povos originários. “Uma vez meu pai trouxe um caderno. Disseram que era só a gente levar um papel e o governo assinava, que tudo seria resolvido. Nós, indígenas, quando falamos algo aos nossos filhos, a gente cumpre. Não é só papel, tem que ter caráter”, exaltou.

Para a líder Kaingang, os indígenas já estão perdendo a confiança nas palavras e nos documentos emitidos pelos governos. “Eu não tenho estudo, não cheguei nem à segunda série. Tenho um monte desses papéis lá em casa. O que vou fazer? Antigamente, nos matavam a tiro. Hoje nos matam com um canetaço. Assinam e estamos mortos”, desabafou.

O cacique João Carlos Padilha conclamou os movimentos que lutam pela terra no país a se unirem. “Precisamos unir forças porque estamos lutando com um gigante. Milito há mais de 50 anos no movimento indígena. Passei na pele a expulsão do nosso povo e vivi mais de 20 anos no ‘corredor’, sem nenhum apoio de nenhum governo”, relatou.

Jaime Alves, liderança Kaingang de uma aldeia na Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre, lamentou que o encontro de articulação só estava sendo realizado neste momento. “Foi muito tarde, para nós, ter essa conversa somente agora. Era para ter começado no início do ano”, pontuou.

Ele comentou sobre a situação na região de Passo Velho da Forquilha, onde os indígenas realizaram uma “demarcação de terras na marra”, diante da demora do governo federal e das ameaças sofridas por agricultores da região. “Já houve muita morte. Os governos esperam até o último momento. Quando morre um índio, eles vêm”, resumiu.

Jaime Alves também relatou a situação dos Kaingang em Gramado, onde, segundo informa, lhes foi retirado o direito de vender artesanato na rua durante o Natal Luz – um dos maiores eventos turísticos da cidade. Ele encerrou seu discurso com críticas à Funai. “A Funai diz que representa os índios, mas não conta o que acontece com a gente. O melhor é que nós falemos por nos mesmos. Será que vamos sofrer por mais 500 anos?”, questionou.

O ato ainda contou com a presença de lideranças do movimento negro e quilombola, como o advogado Onir de Araújo — que informou que, dos 178 territórios quilombolas do Rio Grande do Sul, somente três se encontram oficialmente titulados — ; e de acadêmicos, como doutor em Antropologia e professor da UFRGS, José Otávio Catafesto de Souza.

Foto: Ramiro Furquim/Sul 21

Fonte: SUL 21

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