7 lições não Lulistas, segundo o Lula atual. Por Flávio Carvalho.

Foto: Sérgio Figueiredo

Por Flávio Carvalho.

Estive pessoalmente com Luís Inácio em alguns importantes episódios das nossas vidas.

Da minha principalmente.

Em Garanhuns, no lançamento da Caravana da Cidadania.

Nós, representantes de sindicatos da CUT, tínhamos breves minutos para entrevistá-lo, em fita de vídeo VHS. Eu deveria perguntar se ele era a favor da reabertura das agências do banco estadual, BANDEPE, fechadas pela direita pernambucana, num processo de privatização de bancos públicos em Estados governados pela velha direita.

Seu assessor direto, de Lula (e de Arraes), naquele dia (Rochinha, do PSB), avisou que ele responderia todas as perguntas, menos sobre o BANDEPE, o banco estadual de Pernambuco, pois havia grande barulho na rua em frente: protesto de funcionários demitidos.

Ousei, assim mesmo, perguntar pelo BANDEPE e Lula (repetiu o mesmo gesto de Miguel Arraes, ex Governador de Pernambuco) passou 1 minuto contado de relógio olhando pra câmera, sem responder. Com cara de nada.

Falou sem falar.

Anotem aí, ao lembrar hoje, da Venezuela: Lula fala, mesmo calado. E, aliás, às vezes, principalmente quando cala. Há que saber escutar. O seu silêncio, inclusive.

Ainda sobre o BANDEPE. A imensa maioria daqueles sofridos e barulhentos funcionários demitidos votou em Lula (e em Arraes) por algo que ele nem havia dito, mas pela Esperança do que poderia acontecer (o contrário era impensável, embora não fosse impossível, como de fato Não Houve): nunca foram readmitidos e as agências ficaram fechadas para sempre. De fato, nem era competência de Lula, então “somentecandidato a Presidente da República.

Lembrei-me, anos depois, no dia que vi o filme Democracia em vertigem, quando perguntavam pra Dilma qual foi o exato momento em que Lula a chamou para ser sua substituta: “Ele nunca me falou”. E sorri Dilma, para a câmera de cinema, depois de pronunciar essa frase curta.

Primeira lição. Lula, quando calava, já falava.

Imaginem, atualmente, que Lula se transformou num dos mais importantes estadistas mundiais, perguntando todos os dias sobre Gaza, sobre Venezuela, sobre a Morte da Bezerra e sobre o uso de drogas na Cracolândia em São Paulo.

Segunda lição. No Palácio do Itamaraty, no Rio de Janeiro, recebi a medalha da Ordem do Rio Branco e fui empossado, por Lula, Conselheiro Representante dos Brasileiros na Europa.

Entreguei ao assessor especial de Lula para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, uma carta que era pro Presidente Lula (que ao receber, somente me disse: fale com o Marco Aurélio e entregue pra ele). Continha propostas e reivindicações sobre Emigração Brasileira, do Encontro de Bruxelas, da Rede de Brasileiros no Exterior. Entreguei a Carta e perguntei ao Marco Aurélio se Lula a leria, ao que me respondeu, secamente: Tenha Fé. “Não estou muito católico, ultimamente”, contra argumentei. “Nem eu”, rematou o assessor, complementando com o mais importante: “O Presidente, sim, é um homem de fé. Se ele lerá este documento eu não posso garantir. Mas sempre há que considerar aquilo que ele, sim, tem esperança ou não; afinal, isso é o que importa, e foge do nosso controle. Tenhamos fé, portanto. O importante é ele”.

Segundo resumo: você pode até nem ter fé no Lula. Não importa. O que importa é se ele tem ou não fé em algo. A partir daqui, você toma suas decisões em relação a ele. Não existe meio termo. Ou confias, ou não.

Terceiro encontro. No Palácio da Generalitat (sede do governo local, autonômico), em Barcelona, Lula recebeu o Prêmio Internacional Catalunha.

Mostrei a primeira página de um jornal catalão (a pedido seu, depois do comentário do Stuckert, fotógrafo oficial). Naquele jornal, chamado ARA, o bispo catalão Pedro Casaldáliga, fundador da CPT (Comissão Pastoral da Terra) e do CIMI (Conselho Indigenista Missionário), soltava a sua opinião, que virou manchete de capa: a política econômica de Lula é neoliberal.

O Cônsul-Geral do Brasil em Barcelona, ao meu lado, anunciou que eu ganharia uma bronca. Equivocou-se, o diplomata. Lula sorriu.

Disse-me Lula, no ato: “eu preciso de Pedro me empurrando, assim, pra esquerda. Você imagina quanta gente da direita eu tenho a meu lado, cada dia? Tem duas coisas que eu aguento cada dia: bajulador e gente de direita. As duas coisas juntas, me tiram do sério. Pedro Casaldáliga, não”. Eis minha terceira lição. Lula não precisa nem gosta (ou pelo menos é isso que ele afirma) de lulista babão (bajulador, puxa-saco).

Agora, a quarta lição. Naquele mesmo dia, momentos antes, no luxuoso Hotel Majestic, na avenida mais chique de Barcelona, Felipe González, ex-presidente da Espanha, ganhou de Lula um abraço forte e presenteou Lula com um livro que falava da sua biografia política, de González. Lula soltou pro Felipe essa frase, na presença de uma dezena de pessoas, incluindo a minha: “ou me dão tempo pra ler, como eu gostaria, ou me pedem pra resolver o mundo. Das duas coisas eu não dou conta. Vou cuidando da segunda. E ainda me cobram a primeira: que eu deveria me dedicar mais à leitura, como eu gostaria”.

Quando esteve preso pelo Lawfare fascista brasileiro, Lula dedicou-se a ler quase tudo que queria. Quarta lição: quanto mais tempo Lula tiver para ler, melhor para nós, pro país e pro mundo. É questão de priorizar isso. Ou não.

Quinta e última. Estávamos na casa do Presidente do PT em Olinda (o dentista Enildo), na Avenida Beira-Mar. Lula, sentado ao lado de Arraes e do escritor Ariano Suassuna, escutou de Ariano (que naquele dia, sorridente, voltaria a botar o dedo indicador na cara de Lula, pelo menos mais duas vezes, ambas fotografadas por mim) a palavra Coerência, imperativa: Ariano fazia questão de ressaltar e lembrar e cobrar. Ao que Lula respondeu, segundo ele, que quem conviveu com Frei Beto, Paulo Freire e Luiza Erundina (havia estado com esses três em São Paulo, no dia anterior), por tanto tempo, acaba não se esforçando, ele, Lula, pra adotar essa palavra. “Ela vem sozinha, ou não vem; não se força”. Ou seja: é difícil escapar dela, da danada da Coerência, embora as tentações da vida existam, sim.

Quinta lição. Coerência não se força. Ou se tem incorporada, na vida, ou nem serve.

O mais importante, pra sentenciar aquela história na Beira-Mar de Olinda, foi escutar Lula chamar Zé Dirceu e comentar, bem alto, pra todo mundo ouvir e ficar com a cuca ardendo: – Lembra aquilo de que falamos ontem de que nem sempre os fins justificam os meios? Como era mesmo o livro aquele? Maquiavel?

Sexta lição. Há perguntas que valem por mil respostas. Com Lula, isso se multiplica.

Este texto está dedicado ao biógrafo de Lula, Fernando Morais, que me entrevistou (em Barcelona, tentando não levarmos pôrrada da polícia espanhola no dia do Referendo da Independência da Catalunha) pro seu programa Nocaute e com quem conversei sobre estas lições “lulistas”.

Sétima e última. Marx dizia algo como sobre a importância de não ser marxista. Lula não nos impele a não ser Lulistas. Porém, sutilmente, a mim me ensina que é melhor o projeto de sociedade do “seu partido”, e o que isso (de positivo e negativo, como tudo na vida), realmente representa. Melhor isso do que o fanatismo, mito, gado, que combina mais com o outro lado. O fascista.

Aquele abraço.

@1flaviocarvalho, sociólogo e escritor. Barcelona, 4 de setembro de 2024.

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