Por Michel Croz.
Não vou escrever sobre Maradona. Vão dizer muitas palavras (e alguns silêncios) para homenageá-lo. Não o chorei nem vou chorar. Também não me alegro com a sua morte. Era humano, demasiado humano. Vou falar de mortes que não se celebram, mas movem a base das nossas sociedades racistas e patriarcais.
Um homem negro foi vilmente golpeado e morto por dois homens brancos num supermercado da rede francesa Carrefour, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. O espancamento a João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, foi filmado por testemunhas, na véspera ao “Dia da Consciência Negra”, data de rememoração e luta. Paradoxo cruel.
“Homem negro morto no Carrefour”, foi a manchete de alguns meios de imprensa, ainda que o vice presidente general Mourão afirme que “não há racismo”, “querem importar pra cá”. O mais adequado seria “Homem morto no Carrefour”, seria o mais justo. Mas estes não são tempos de justiça. Os governantes brasileiros são seres medíocres e repugnantes que tem demonstrado não apreciar a seus negros, mestiços, povos originários, imigrantes.
A João Beto lhe deram socos logo lhe fizeram uma chave de garganta, o que o levou ao óbito por estrangulamento.
Durante 5 minutos e 30 segundos. Quanto dura a transição entre a vida e a morte: Quando a agonia? Quanto de breve ou infinito, o horror, a injustiça? Dois homens brancos a um homem negro. Sob o olhar complacente e com palavras de ânimo da (também branca) supervisora.
Carrefour nasceu na França em 1960, tem um faturamento anual de 100 bilhões de euros na sua extensa rede mundial de supermercados e 30 bilhões de reais só no Brasil.
Na intenção de administrar a “crise”, o Carrefour anunciou a criação de um fundo de R$ 25 milhões para combater o racismo no país. Isso não foi impedimento para que as ações na bolsa caíssem 5,35% no dia seguinte ao acontecimento (Folha de São Paulo).
Seu currículum empresarial não é invejável. Há um tempo atrás, em Recife, um homem morreu e esconderam seu cadáver atrás de guarda-sóis para continuar abertos. Um cachorro foi morto por um funcionário da rede.
Os dois suspeitos tiveram decretada sua prisão preventiva. O PM Giovani Gaspar da Silva, de 24 anos, foi conduzido a um presídio militar. Magno Braz Borges, de 30 anos, se encontra preso num prédio da Polícia Civil. A investigação trata de um crime de homicídio qualificado.
Giovani não possuía registro nacional para atuar como guarda de segurança. O segundo homem sim, estava registrado.
Ambos são funcionários de uma empresa terceirizada, “Vector Segurança”. Em nota, a empresa disse que “se sensibiliza com os familiares da vítima e não tolera nenhum tipo de violência” e “iniciou os procedimentos para apuração interna”.
Em declaração, um ex supervisor que trabalhava na unidade do Carrefour onde João Alberto foi morto, disse que a gerência autorizava o uso de violência contra clientes que “estivessem causando problemas”. Isso contradiz a versão da empresa, que ainda pedindo desculpas publicamente, responsabilizou aos funcionários pelo crime.
Assim como nos Estados Unidos e em muitos lugares do planeta, em Porto Alegre houveram manifestações, pedindo justiça, organizações de luta contra o racismo estrutural e organizações da sociedade cvil, para evitar que a morte de João Alberto não tenha o mesmo destino de outros casos semelhantes. Como reconhece o próprio editorial do jornal de São Paulo “Estadao”: “mortes de negros em supermercados tendem a ficar impunes ou ter punições brandas”.
João Beto gritava à sua esposa (a quem um guarda impediu de ajudá-lo): “Não consigo respirar”. O mesmo disse George Floyd, quando era “imobilizado” pela polícia de Minneapolis, Estados Unidos. Não consigo respirar.
Até que não puderam dizer mais nada.
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