5 lugares de memória da escravidão na África

Jacques Le Goff, no texto “Documento/Monumento”, lembra que a palavra latina monumentum remete à meminí (memória) emonere (fazer recordar). Assim, monumentum é um sinal do passado. É tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a recordação: uma obra comemorativa de arquitetura ou de escultura, um monumento funerário ou um documento escrito. Trata-se de um legado à memória coletiva que detêm o poder de perpetuar a recordação do passado.

Por Joelza, do Ensinar História 

Já a palavra latina documentum, derivada de docere (ensinar, daí o termo docente), evoluiu para o significado de “prova”. Mas ele está longe de ser imparcial, objetivo, inócuo. O documento resulta de uma produção/montagem, consciente ou inconsciente da história por uma determinada época e sociedade que o produziu; é um esforço das sociedades para impor, ao futuro, determinada imagem de si mesma. Documento é uma coisa que fica. É monumento.

Por outro lado, considerando o sentido lato desses termos, há diferenças significativas entre eles quanto a visibilidade e acessibilidade. Enquanto o documento está guardado nos arquivos e bibliotecas para uso (às vezes, exclusivo) dos especialistas, o monumento – entendido como construção – é visitado pela população, fotografado, tocado, reproduzido como souvenirs para turistas.

Enquanto construções, os monumentos são representações materiais que fortalecem uma determinada identidade social. Sendo, contudo, construções sociais, politicamente concebidos, os monumentos são portadores de ambiguidades: podem celebrar e glorificar o passado, ou contestar e denunciar esse mesmo passado.

À luz dessas reflexões, listamos abaixo 5 lugares de memória da escravidão que incluem monumentos erguidos, no presente, com essa finalidade e construções históricas que, no passado, serviram para comércio escravo destinado às colônias europeias. Localizados na África, esses lugares contam uma história trágica cujos desdobramentos ainda se fazem sentir.

 1. Benin: Forte de São João de Ajudá 

Conhecido como Costa dos Escravos, o litoral de Benin foi local de um ativo comércio escravo praticado pelos portugueses a partir de 1472. Ali eles construíram, por volta de 1580, a feitoria de Ajudá (Uidá ou Ouidah) que, em 1721, foi reconstruída e nomeada Forte de São João Batista de Ajudá.

Por essa época, o tráfico de escravos era controlado por Francisco Félix de Souza (1754-1849), mulato brasileiro, nascido na Bahia, cuja fortuna e fama se tornaram lendárias e ainda hoje são lembradas pelos descendentes espalhados por Benin, Togo e Gana.

A região, então chamada de Daomé, tornou-se colônia francesa em 1892 mas o forte continuou sob controle português. Independente em 1960, quando passou a se chamar República Popular do Benin, o novo governo ordenou a invasão de Ajudá e a expulsão dos portugueses. Em 1965, foi feito o encerramento simbólico do forte e, pouco depois, suas dependências passaram a sediar o Museu Histórico de Ajudá.

Em 1995, foi inaugurada pela Unesco, em Ajudá, um memorial em lembrança à deportação de milhões de cativos para as colônias em todo o Atlântico. Saindo do centro de Ajudá, a Rota do Escravo traça a jornada dos escravos até o porto onde foi erguido o Portal do Não-Retorno, local da última parada dos escravos, a última visão da África.

O portal, com cerca de 15 m de altura, tem, na parte superior do arco, figuras de homens nus, acorrentados, caminhando em direção ao mar. Ao lado do portal, esculturas em metal representam as famílias dos prisioneiros.

Compondo o memorial, uma escultura em madeira simboliza a célebre Árvore do Esquecimento, uma árvore considerada mágica em torno da qual os cativos eram obrigados a dar voltas (nove, os homens;  sete, as mulheres) para esquecer tudo – seus nomes, suas famílias e sua terra.

Forte de São João de Ajudá, atual Museu Histórico, Benin.

Portal do não-retorno, voltado para o oceano, a última parada dos escravos, Benin.

A Árvore do Esquecimento, Benin

2. Gana: Castelo de São Jorge da Mina (Elmina)

Construído pelos portugueses em 1482, no golfo da Guiné, o Castelo de São Jorge da Mina ou simplesmenteElmina serviu de entreposto de escravos que ali eram embarcados para a América. Em 1637, o castelo foi tomado pelos holandeses que continuaram usando-o com a mesma finalidade até 1814 quando aboliu o comércio de escravos.

Em 1872, o forte passou para o controle britânico que o entregou ao governo de Gana na independência do país em 1957.

O Elmina foi declarado Patrimônio Mundial, pela Unesco, em 1979. Utilizado como prisão, foi Inteiramente restaurado pelo governo de Gana na década de 1990.

Castelo de São Jorge da Mina ou Elmina, Senegal.

3. Senegal: Casa dos Escravos

Construída por volta de 1776, na ilha de Gorée, a 3 km da costa da cidade de Dakar, foi residência de Anne Pépin (1747-1837), mestiça de francês com senegalês, mulher rica e influente.

A casa foi usada para o tráfico de escravos que, através da porta sem retorno, eram embarcados para a América. Declarada Patrimônio Mundial, pela Unesco, em 1978, a casa foi restaurada e transformada em um museu que tem recebido milhares de visitantes, inclusive de líderes mundiais, entre eles, Nelson Mandela (1998), o Papa João Paulo II (2007) e Barak Obama (2013).

Casa dos Escravos vendo-se ao fundo a “porta sem retorno”, Senegal.

4. Serra Leoa: Castelo da Ilha Bunce

Localizado em uma pequena ilha fluvial, o forte foi construído por ingleses por volta de 1670 para servir de entreposto de escravos que eram enviados para as colônias Carolina do Sul e Geórgia, no atual Estados Unidos.

O local foi alvo de muitos ataques de traficantes de diferentes origens: portugueses, afro-portugueses, holandeses e franceses. Os escravos de Serra Leoa eram valorizados por suas habilidades no cultivo de arroz, que era praticado na costa ocidental africana.

Em 1807, com a abolição do tráfico de escravos pelo Parlamento britânico, a Ilha Bunce foi utilizada para outros fins: cultivo de algodão, entreposto comercial e serraria. Em 1840, a ilha foi abandonada e o castelo entrou em deterioração. Atualmente, o governo de Serra Leoa e instituições norte-americanas têm feito esforços para preservar a ilha e as ruínas do castelo.

Ruínas do castelo da ilha Bunce, Serra Leoa.

5. Zanzibar (Tanzânia): Memorial da Escravidão

Zanzibar é uma paradisíaca ilha na costa da Tanzânia, na parte oriental da África, banhada pelo oceano Índico. Atualmente é rota do turismo de luxo dispondo de resorts magníficos em suas areias brancas e águas cristalinas. Mas por sete séculos, Zanzibar foi um importante entreposto de escravos controlado pelos muçulmanos que, desde o século XII, dominavam a ilha.

Os escravos eram capturados no interior do continente e, acorrentados, caminhavam mais de 1300 km atéCidade da Pedra, em Zanzibar. Eram vendidos principalmente para o Iêmen, Seychelles e Madagáscar. O comércio de escravos e marfim enriqueceu os comerciantes árabes do arquipélago.

Entre eles, destacou-se Hamed bin Mohammed bin Juma bin Rajab el Murjebi, mais conhecido como Tippu Tip(1837 – 1905) que chegou a ter mais de 10 mil escravos além de diversas plantações em Zanzibar. Sua casa foi um dos edifícios mais ricos da ilha; hoje, bastante danificada, está dividida em apartamentos onde moram muitas famílias.

Após o fim do comércio escravo, em 1873, no lugar do antigo mercado de escravos foi erguida a Catedral Anglicana. Em seu subsolo ainda estão as 15 celas onde ficavam amontoados 50 a 75 escravos aguardando o embarque. Duas delas são acessíveis aos turistas.

Em 1998, foi construído, do lado de fora da catedral, o Memorial da Escravidão. Trata-se de um fosso com cinco esculturas de escravos em seu interior. Eles estão acorrentados uns aos outros pelo pescoço. A corrente é original, usada no século XIX no comércio de escravos.

Em 2000, a Cidade de Pedra de Zanzibar foi declarada patrimônio mundial pela Unesco

Memorial da Escravidão, Cidade da Pedra, Zanzibar.

Cela onde ficavam os escravos, Cidade da Pedra, Zanzibar.

Tippu Tip, poderoso comerciante de escravos de Zanzibar, no séc. XIX.

Fachada da residência que pertenceu a Tippu Tip, em Zanzibar.

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