Por Julinho Bittencourt.
Os mais jovens talvez não tenham noção do que foi aquele 8 de dezembro de 1980. A notícia correu o planeta pela madrugada. Um maníaco chamado Mark Chapman, após passar dias ao lado de outros fãs rondando a porta do edifício Dakota, em Nova Iorque, havia disparado cinco tiros contra seu suposto ídolo. O ex-Beatle John Lennon estava morto.
Muito mais do que o fim de um sonho, a completa gratuidade do ato deixava a todos, público, artistas, fãs e pessoas em geral, perplexos. Não havia nenhum motivo para aquilo, nada que justificasse. E logo Lennon, o único remanescente do famoso quarteto que se engajara em causas humanitárias e na luta pela paz no planeta.
A partir daquele dia, a canção “Imagine”, até então um modesto sucesso entre os tantos estrondosos da carreira do ídolo, virava um hino mundial que, cantado pelos incautos, pedia o fim da propriedade e das fronteiras. Um apelo que hoje, 40 anos depois, está mais atual do que nunca.
Lennon havia acabado de retomar sua carreira e lançava o lindo álbum “Double Fantasy”, em parceria com a esposa, a controversa artista de vanguarda japonesa Yoko Ono. No álbum, o casal contava e cantava de maneira serena uma vida simples e doméstica de casal, com suas brigas e reencontros. Ao contrário de outros discos de Lennon, este também trazia um instrumental mais domesticado por excelentes músicos de estúdio.
Após cinco anos fora do jogo, Lennon ameaçava voltar às paradas de sucesso com a canção ironicamente chamada “(Just Like) Starting Over”, algo como “Apenas um recomeço”.
Os noticiários, telejornais, jornais, rádios e todas as mídias disponíveis não falavam em outro assunto. O jornal esportivo da TV Globo anunciava que o time de Lennon era o Liverpool, enquanto mostrava jogadas do clube acompanhadas da canção “Strawberry Fields Forever”. Um Caetano veloso desolado falava sobre a linguagem direta de Lennon. Elis Regina, que viria a morrer dois anos depois, chorava.
Alguns dias após a morte do compositor, a viúva pediu ao mundo uma vigília onde todos, religiosos ou não, parassem por um momento no mesmo horário, colocassem para tocar a canção “Imagine” e pensassem em Lennon. Lembro que na minha rua, no bairro classe média do Boqueirão, em Santos, vários moradores obedeceram ao chamado, colocaram a canção em coro reproduzida pelas rádios e foram á porta de suas casas.
Nunca esqueci aquele momento.
A morte de Lennon foi a primeira grande perda para muitos de nós. Com ele ia embora um outro tempo, do sonho, da ingenuidade, da esperança.
Hoje, vendo o tempo ao avesso, talvez já não atribua mais tanta importância sócio-política ao músico. Sua morte se deu em um momento de passagem, um marco onde, por mera coincidência, as coisas passariam a ser, desde então, muito mais duras.
Lennon foi só mais uma vírgula na história. Mas, ter sonhado nas suas canções com outro tempo foi, sem sombra de dúvidas, o melhor da vida.
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