Por Patrícia Benvenutti.
As expectativas de novas relações entre Estados Unidos e América Latina continuam cada vez mais distantes. Movimentações recentes, com vistas à instalação de novas bases militares, revelam a tentativa estadunidense de aumentar sua influencia na região.
Em 5 de abril, foram concluídas no Chile as obras do Centro de Treinamento de Pessoal para Operações de Paz em Zonas Urbanas. Localizada em Forte Aguayo, em Concón, na região de Valparaíso, a base foi construída em 60 dias, tempo considerado recorde para um projeto do tipo.
A estrutura é composta por oito edifícios, que simulam uma pequena cidade. O custo da base, financiado pelo Comando Sul das Forças Armadas dos Estados Unidos, foi de quase 500 mil dólares. O centro será destinado ao treinamento das chamadas Forças de Paz das nações latino- americanas que integram missões das Nações Unidas.
Já no Peru, o Governo Regional do departamento de Piura (norte do país) entregou a representantes do Comando Sul dos Estados Unidos um terreno de dois hectares para que seja construído o novo Centro de Operações de Emergência (Coer) para Piura, capital do departamento.
Segundo informações da imprensa local, representantes do Comando Sul já realizam estudos e estimam que, até julho, o projeto para o centro estará pronto. A obra deverá ter um custo de 500 mil dólares.
Com as duas novas unidades, chega-se à marca de 49 bases militares estrangeiras na América Latina, segundo levantamento do Centro de Estudos e Documentação sobre Militarização.
Outra base estadunidense estava prevista para a Argentina, mas o plano não foi em frente. O objetivo dos Estados Unidos era instalar um “centro de emergência” em um edifício no perímetro do aeroporto da cidade de Resistencia, capital da província de Chaco, no nordeste do país.
A permissão para a instalação do centro já havia sido outorgada pelas autoridades locais da província do Chaco. Entretanto, o plano foi rechaçado pelo governo nacional, que, depois de vários protestos de organizações sociais, mandou suspender as negociações.
Política continuada
A instalação das novas bases é vista com preocupação pelo professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFSC e membro do Instituto de Estudos Latino Americanos (Iela), Nildo Ouriques. Para ele, o fato mostra que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, mantém uma política “imperialista” para a região.
“Ninguém amplia bases militares para fortalecer relações de solidariedade e amizade”, alerta.
A opinião é compartilhada por Pablo Ruiz, que integra, no Chile, a Equipe Latinoamericana do Observatório da Escola das Américas (Soaw).
“No começo tivemos esperança em Obama, quando disse, especialmente, que queria ter uma relação de respeito com nosso continente. Mas as esperanças terminaram faz muito tempo“, diz.
Militarização
A construção de bases militares estadunidenses na América Latina não é um fenômeno novo, como lembra o professor de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero Igor Fuser. Durante as décadas de 1970 e 1980, porém, não havia necessidade de uma presença militar mais efetiva, pois os próprios governos nacionais, alçados ao poder por meio de golpes de Estado, levavam adiante os interesses dos Estados Unidos na região. Sua força continuou nos anos 1990, com a eleição de governos neoliberais simpáticos ao país.
A comodidade estadunidense começou a ruir com a ascensão de governos progressistas como o de Hugo Chávez, em 1998, fenômeno que se estendeu a outros países a partir da década de 2000. Junto veio o fracasso do projeto da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Nesse momento, segundo o professor da Cásper Líbero, as bases apresentaram-se como solução.
“Os Estados Unidos perceberam a falta de um instrumento mais eficaz para garantir seus interesses políticos e econômicos na região. A saída que eles encontram foi intensificar a presença militar direta na América Latina”, afirma Fuser.
Fato emblemático do aumento da militarização, para ele, foi a reativação da Quarta Frota da marinha estadunidense, em 2008. Criada em 1943, durante a II Guerra Mundial, para conter os avanços nazistas, a unidade havia sido desativada em 1950.
O Brasil e seus recursos
Dentre os vários interesses estadunidenses na região, o controle dos recursos naturais aparece como um dos mais importantes. Nesse sentido, para o jornalista uruguaio Raúl Zibechi, o Brasil torna-se um grande alvo dessa nova ofensiva.
Detentor das riquezas da Amazônia, o Brasil tornou-se um país ainda mais atrativo devido à descoberta da camada pré-sal. Com isso, segundo ele, a tendência é de que o “traçado” das bases, daqui para frente, vise a “cercar” o Brasil.
“Com o pré-sal as coisas se complicam, e a Marinha começa a ter um papel mais importante do que antes”, diz.
Nesse sentido, aponta Fuser, o Brasil deve adotar uma posição firme de repúdio às bases, não só para proteger seus recursos naturais, mas também de solidariedade em relação a seus vizinhos.
“A perspectiva de uma América do Sul integrada, como o Brasil defende, inclui como ponto essencial a afirmação plena da soberania. Um país não pode ser plenamente soberano se ele tem uma base militar estrangeira instalada no seu território”, diz.
Consequências
Os países para onde estão previstas as novas bases já temem as consequências da militarização. No Chile, a instalação da base tem gerado protestos de diversas organizações. Em carta dirigida ao ministro de Defesa, Andrés Allamand, comissões de direitos humanos, grupos de familiares de executados políticos, intelectuais e movimentos sociais afirmam que os Estados Unidos não têm “qualidade moral para ensinar operações de paz”.
O principal receio é de que a base sirva para conter manifestações sociais que vêm acontecendo nos últimos anos em território chileno, organizadas por estudantes e defensores de direitos humanos.
Já no Peru o principal desdobramento da instalação da nova unidade militar deverá ser a intensificação da chamada “guerra às drogas”. A base de Piura, segundo o analista político peruano Guillermo Burneo, terá objetivo semelhante à base área de Manta, no Equador. Desativada em 2008 por determinação do presidente Rafael Correa, a estrutura tinha por objetivo oficial combater o narcotráfico na região.
Com o aumento da repressão ao narcotráfico, argumenta Burneo, os Estados Unidos podem impulsionar seu mercado de equipamentos bélicos – algo que se torna especialmente importante agora, diante da crise econômica pela qual passam os estadunidenses.
“Dar treinamento a nossos exércitos é uma maneira de nos submeter à sua logística e o que isso implica, que é a compra de armamentos”, afirma Burneo.