Por Wedja Gouveia e Clóvis Campêlo.
SindPress – O senhor teve o seu nome cogitado para ser o vice de Lula. Como é que recebeu essa indicação?
Ariano – Olha, não houve realmente um movimento, porque inclusive eu discordei logo na hora. Houve uma tentativa de indicação do meu nome por parte do Partido Socialista Brasileiro mineiro. Logo na hora da renúncia de Bisol pensaram em uma pessoa de Minas, mas aí houveram algumas oposições e pensaram em Evandro Lins e Silva, aquele jurista. Mas ele foi vetado porque defendeu Doca Strett. Dizem que ele lançou mão do argumento da legítima defesa da honta e as feministas vetaram. Foi neste momento, então, que o PSB resolveu sondar-me no sentido de uma indicação, porque diziam que eu era ao mesmo tempo conhecido e não tinha nenhum veto. Então telefonaram ao Dr. Arraes que logo falou: “Pelo que conheço do Ariano, ele não aceita. Mas essa pergunta deve ser feita a ele e não a mim”. Pediram a Arraes para me consultar e respondi que não aceitava porque não tenho vocação política. Não saberia desempenhar bem o cargo, acho que a pessoa deve ter consciência das suas limitações. Preparei-me a vida toda para ser escritor e não para ser político.
SindPress – No governo Arraes o senhor poderia assumir algum cargo?
Ariano – Para mim pessoalmente já seria uma coisa para se discutir. Do meu ponto de vista é ruim porque aposentei-me da Universidade Federal de Pernambuco para escrever um romance e não estou conseguindo. Solicitam-me demais para tudo (entrevistas e outras coisas) e a gente termina se desconcentrando. Porém, não vou dizer que teria a mesma inabilidade para desempenhar um cargo no campo da cultura com um governo que conheço.
SindPress – Esse convite já foi feito?
Ariano – Não. Da outra vez, no Governo de Arraes, o que houve foi o seguinte: os jornais colocaram várias vezes que eu tinha sido convidado para ser o Secretário de Cultura. Eu estava sem condições de aceitar, mas não houve o convite. Foram os jornais que divulgaram isso e aí fiquei com medo que, diante dessa insistência, ele se julgasse na obrigação de me convidar. E como eu não tinha condições de aceitar, na época, não gostaria de dizer não. Então, pedi para o filho dele, que é médico e escritor também, que dissesse ao Dr. Arraes que eu não tinha nada a ver com toda aquela articulação dos jornais.
SindPress – Agora a coisa é diferente. O senhor aceitaria se fosse chamado para exercer algum cargo?
Ariano – Eu acho que não. Para mim é muito ruim. Estou precisando escrever o meu romance. Sou fundamentalmente escritor. Tem algumas coisas que me fascinam porque poderia, por exemplo, ajudar determinados artistas e escritores que acho muito bons, aqui em Pernambuco, e precisam de apoio. A minha desgraça é a seguinte: meu trabalho no campo da arte não precisa do poder público. Faço um trabalho muito independente. Para exercitar minha arte só preciso de um lápis e uma resma de papel. Não preciso de mais nada. Mas um ator, um músico, um dançarino é outra coisa. Eles precisam de uma ajuda num país como o Brasil, porque não têm apoio nenhum dos meios empresariais, dos meios de comunicação. Então para mim é o Estado que tem de amparar. Meu fascínio, nesse caso, seria como um interesse por estas artes, apesar de ser um escritor. Quando fui Secretário de Cultura do Recife, quando fui Diretor do Departamento de Extensão Cultural, deflagrei o Movimento Armorial graças ao apoio da Universidade Federal de Pernambuco e, depois, da Prefeitura do Recife. Com isto ajudei um bocado de músicos, dançarinos e formei dois grupos de balé, o Balé Armorial e o Balé Popular, em 1970.
SindPress – Na época o senhor foi muito criticado por ter assumido uma secretaria no auge da ditadura militar?
Ariano – Fui, fui muito criticado. Fui para lá de olhos abertos sabendo que seria muito criticado. Mais não me incomodei porque não estava aceitando um cargo político. Era no campo da cultura e eu via que a cultura brasileira estava numa posição muito difícil, completamente desmantelada. A ditadura tinha fechado todos os movimentos que falavam em cultura brasileira ou popular. Fechara o Centro Popular de Cultura do Rio, no sul. Enfim, todo mundo que se interessava por cultura brasileira e popular estava marginalizado. O único movimento que aparecia naquele instante, numa linha diferente que podia ser entendida (no meu entendimento era um movimento equivocado) era o Tropicalismo que fazia o jogo dos piores inimigos do meu país, porque eles pegavam os meios de comunicação americanos e espalhavam pelo mundo uma imagem do homem latino-americano que era uma imagem caricatural. O homem latino-americano era um camarada de costeletas, de sapato com sola de borracha, dançando rumba debaixo de um cacho de bananeira e a mulher latino-americana era a brasileira, aquela coisa de Carmem Miranda. Então os tropicalistas empunharam estas duas imagens caricaturais do homem e da mulher latino-americanos e empunharam como bandeiras. Começaram a fazer música – inclusive rumba – para parecer com essa imagem e eu achava aquilo um equívoco. Foi por isso que fundei o Movimento Armorial. Agora, ao mesmo tempo, dentro do regime ditatorial – isso é uma coisa que eu vou dizer e sei que vou me submeter a alguns equívocos – eu não acho que estava tudo errado. E vou lhe dizer mais, se o regime militar não tivesse enveredado pelo entreguismo… Eu não pertenci á Revolução, eu estava tão por fora que só no dia seguinte é que soube. Não fui atingido por ela porque no primeiro governo Arraes era contra a nossa colaboração com os marxistas, motivo pelo qual não colaborei com este governo. Então, por isso, não fui perseguido e não sofri nada. Sofri indiretamente por que meus amigos foram presos e alguns torturados. Um amigo, que escondi aqui em casa, inclusive, foi morto. Ela era do Diretório Central do Partido Comunista e eu o escondi um bocado de tempo. Fui atingido dessa maneira. Nas Forças Armadas havia uma corrente nacionalista e outra entreguista. A corrente nacionalista era liderada pelo general Euller Bentes e o general Golbery era da corrente entreguista. Tinha essa disputa surda lá dentro. Eu nunca tomei parte na Revolução, mas depois rompi com ela quando ficou claro que a corrente entreguista tinha predominado. Isso me deixava apavorado.
SindPress – Se não fosse isso o senhor não teria rompido?
Ariano – Eu acho que não. Se o general Bentes tivesse predominado, acho que não teria rompido.
SindPress – O senhor afirma que não tenta colocar nas suas obras as questões políticas, suas ideologias. Os seus heróis populares sempre vencem o sistema não pelo confronto direto, mas sempre pelas esperteza. Como senhor vê essa questão?
Ariano – Bom, em primeiro lugar quero negar: eu nunca disse isso! O que acho é que não se pode colocar a arte a serviço da ideologia. Se você engaja demais a arte, vai terminar prestando um mau serviço à arte e à idéia que você vai defender. A primeira obrigação da obra de arte é ser bela. Se ela não for boa, não tem ideologia que salve. Pelo contrário. Eu não sei se isto acontece com vocês: quando leio um livro anticomunista, fico com vontade de entrar no Partido Comunista e quando leio um romance comunista, fico com vontade de entrar no Partido Nazista. Porque é ruim demais! Um dos motivos de não ter querido colaborar com os marxistas era o tal do realismo socialista. Vi numa revista chamada “Problemas”, publicada pelos comunistas, que numa reunião ocorrida na União Soviética, um comissário chamado Zdanov fez uma reunião com os maiores compositores, escritores e pintores soviéticos para dizer como é que cada um deles tinha de escrever, compor e pintar. Lembro-me que no campo da Música estavam presentes Tchaicowiscky, Procov e os maiores compositores da época, para um sargentão vir dizer como é que eles deveriam compor e proibir de fazer música dissonante, dizendo que a dissonância era a marca da decadência burguesa. Isso foi em 1947, 48, por aí. Essa gente eu não posso entender. Na minha peça de teatro quem manda sou eu. Com o Movimento de Cultura Popular, do qual fui um dos fundadores, rompi exatamente por isso, porque eles queriam que a gente fizesse peças colocadas a serviço do movimento político. Eu disse: é melhor fazer um comício! Rompi porque não admito o sujeiro colocar a obra de arte a serviço de qualquer idéia, seja religiosa, filosófica ou política. Para mim, prejudica a sua essência. Agora, eu não sou contra e acho até natural que as preocupações políticas, filosóficas e religiosas do autor saiam naturalmente. Transparecem mesmo que ele não queira. Mesmo que ele procure fazer uma obra de arte completamente desarraigada, não consegue. Um escritor famoso por isso era Oscar Wilde. Ele queria que a obra de arte fosse puramente estética, mas isso nem ele conseguiu. Quando vou fazer uma peça espero que ela fique o melhor possível como peça. Agora, sem querer, eu tinha estas preocupações mesmo. Então é por isso, como eu vivo sempre sonhando com a vitória do povo pobre, que, na minha peça, ele ganha. E ganha nessa lina que vocês chamaram a atenção. Eu sigo sempre um ditado popular do Nordeste que diz: “A astúcia é a coragem do pobre”. Tanto que um jornalista do Sul perguntou se o João Grilo seria um outro anti-herói como Macunaíma. Eu fiquei indignado por que começa logo daí. Fico com a maior raiva quando dizem que João Grilo, personahem da minha peça “O Auto da Compadecida”, é um herói sem caráter. Quem chamou seu herói de “sem caráter”, foi o Mário de Andrade. O meu tem caráter. E muito. Um camarada que vence o fazendeiro, vence o padeiro – que é o patrão dele -, vence a polícia, vence os cangaceiros – que é uma violência popular mal dirigida contra o próprio povo -, vence até o demônio. Se esse homem não tem caráter, então quem é que tem.
Entrevista publicada no Jornal SindPress nº 7, do Sindicato dos Previdenciários de Pernambuco, em dezembro de 1994.