Raça, classe e gênero: sobre a luta das mulheres negras por um feminismo socialista

É no feroz processo da acumulação primitiva de capital, marcada pela escravidão, o roubo e a pilhagem, que se insere o surgimento do racismo. Com isso, a relação entre gênero, raça e classe está marcada pelo surgimento da sociedade de classes e a análise e a superação da opressão racial e de gênero não pode prescindir dessa relação.

Foto: Johnny Silvercloud, imagem Victor Cubaiá

Somos milhares espalhadas pelo mundo. Africanas, latinas, americanas e imigrantes. Somos as meninas que têm vergonha dos seus cabelos e esfregam água sanitária no corpo para clarear a cor da pele. Somos as que são chamadas pejorativamente de “neguinha”, a mulata hiperssexualizada, as que são fortes porque não tiveram a escolha de não ser. Nosso corpo é sexualizado há alguns séculos e nossas capacidades são sempre questionadas. Estamos nos postos de trabalho invisíveis e dos menores salários. Somos Maria Eduarda, Ketellen e Ágatha e de nós roubaram a infância com tiros. Somos Marielle Franco, uma ferida aberta pelo golpe institucional.

Também somos Sojouner Truth, Aqualtune, Dandara, Luiza Mahin e as jovens que armam seus blacks assumindo sua identidade. Somos mulheres negras. As que reagem contra a opressão e que, mais do que isso, se dão a tarefa de ser todas essas e por elas enfrentar séculos de exploração e opressão a fim de derrotá-los. Precisamos, para isso, construir um movimento que tenha como prática política e programa o desafio de enfrentar a maligna relação entre raça, classe e gênero.

A relação entre raça, classe e gênero para o feminismo marxista

Essa relação não é a-histórica e “natural”, mas é determinada a partir das relações sociais construídas, reproduzidas e reinventadas pela sociedade de classes. Assim como afirma Engels, ainda que a opressão à mulher seja anterior ao surgimento do próprio capitalismo enquanto sistema econômico, sua origem está na divisão da sociedade em classes.

Já o racismo é um fenômeno datado da acumulação capitalista. O comércio de escravos, como um enorme empreendimento nas Américas, marca de vez as possibilidades da transição do feudalismo em capitalismo. Enquanto um negócio altamente lucrativo, ele é parte do violento processo da acumulação primitiva de capital, e para sustentar o horror que inaugura o capitalismo é criada uma justificativa ideológica da raça para escravizar os negros africanos, como explica Breitman (2015) em base a diversas leituras da antropologia dedicada a esse estudo.

É no feroz processo da acumulação primitiva de capital, marcada pela escravidão, o roubo e a pilhagem, que se insere o surgimento do racismo. Com isso, a relação entre gênero, raça e classe está marcada pelo surgimento da sociedade de classes e a análise e a superação da opressão racial e de gênero não pode prescindir dessa relação.

Em “Mulheres, Raça e Classe” (2018), Angela Davis nos mostra que o fato dos escravizados negros estarem submetidos à exploração dos senhores, fez com que se igualassem homens e mulheres negras no âmbito da exploração do trabalho, que não diferenciava as mulheres, com a opressão de gênero se explicitando na constante violência do estupro. Aqui é possível compreender os pontos de contato entre raça, classe e gênero na forma como, por um lado, a raça serviu para a apropriação do trabalho tanto de homens quanto de mulheres negras, ampliando os recursos de trabalho ao tratar a mulher negra como forte, em contraste com a suposta “fragilidade” da mulher branca, e por outro lado, como a opressão de gênero serviu para docilizar a mulher negra através da constante violência e abuso de seu corpo.

Assim, Davis também expressa como na sociedade capitalista as opressões são submetidas às relações entre as classes sociais e não a indivíduos. Por isso, se explica porque mulheres e homens negros foram “igualados”, não pela vontade de um senhor ou outro que não discriminava mulheres negras como “frágeis”, mas porque era igualar negras e negros que possibilitava ainda mais a exploração do trabalho e portanto a obtenção de mais lucros. Ou seja, a opressão racial e de gênero é uma ferramenta para a exploração do trabalho, e ainda que tenha suas manifestações na relação entre indivíduos, a vantagem de sua existência só se concretiza na relação entre as classes sociais.

Portanto, partimos da ideia de que o racismo é estrutural para o funcionamento e manutenção do capitalismo, o que leva a que apesar de se manifestar também do ponto de vista individual e institucional, é antes de tudo uma relação social que tem origem, se manifesta e tem sua engrenagem na sociedade do antagonismo de classes, onde o Estado é um mecanismo da dominação de uma classe sobre outra.

“Ao contrário do que apregoam as leituras liberais, racismo não é apenas um problema ético, uma categoria jurídica ou um dado psicológico. Racismo é uma relação social, que se estrutura política e economicamente. Por ser uma relação social – portanto, dotada de materialidade e historicidade -, o fenômeno do racismo não escapou das lentes da teoria marxista.” (ALMEIDA, p.23, 2017).

Ler dessa forma em nada significa ignorar que o racismo se manifesta no seio das relações individuais. Mas o que queremos aqui dizer, é que ainda que seja fundamental combater as manifestações do racismo individualmente, regular comportamentos não seria capaz de alterar a realidade profunda e estrutural que mantém a existência do racismo. Esse tipo de saída contribui apenas para reorganizar o próprio pensamento capitalista, na medida em que ao não atacar as bases do capitalismo e contrapor-se a seu Estado – um balcão de negócios da burguesia que negocia as vidas das mulheres negras como a carne mais barata – concentram-se apenas num combate às práticas e comportamento dos indivíduos, oferecendo como programa o poder ou a fala das mulheres negras dentro dos espaços já oferecidos pelo capitalismo. Assim, acaba por reforçar mecanismos individualizantes do próprio neoliberalismo.

Dentre os intelectuais que seguem uma perspectiva individualizante de análise do racismo, há uma que tem grande dimensão atual, a filósofa e acadêmica brasileira Djamila Ribeiro. Apesar de reivindicar um feminismo negro interseccional e de constar marginalmente nos seus escritos a ideia de racismo enquanto estrutural, todo o sentido que confere se liga a uma concepção individual do racismo, na qual a responsabilidade da sua existência é colocada aos brancos, bem como as possibilidades de alguma contraposição também é individualizada às mulheres negras. A autora retira da estrutura social a origem, manifestação e superação do racismo.

A chave da interpretação que faz Ribeiro está colocada sempre do ponto de vista discursivo. “Se [apenas] pessoas brancas continuarem falando sobre pessoas negras, não vamos mudar a estrutura de opressão que já confere esses privilégios aos brancos. Nós, negras e negros, seguiremos apartados dos espaços de poder” (2019).

Então a solução que dá é a que pessoas negras possam falar sobre elas mesmas, ocupando a partir desse lugar exclusivo de fala, lugares de poder social. Essa perspectiva que individualiza a opressão e a coloca como uma “disputa de narrativas” e por “espaços de poder acaba por cumprir um papel coligado ao da atomização e individuação neoliberal de que fala Dardot e Laval, assumindo assim uma saída política completamente impotente, ainda mais diante de governos de extrema direita como o de Bolsonaro, Witzel e tantos outros pelo mundo, que lidam com as mulheres negras não com disputas de narrativas apenas, mas com armas nas mãos, tendo elas sujas do sangue de Marielle.

Feminismo interseccional e a diferença fundamental entre opressão e exploração

O feminismo interseccional que Ribeiro reivindica nasceu em forte contraposição ao feminismo liberal nas últimas décadas do século XX, reivindicando que as mulheres negras, lésbicas, de países periféricos, têm realidades completamente diferentes do que supõe uma categoria universal de “mulher”, em discussão com uma ideia “essencial” do feminino. Foi a feminista negra norte-americana Kimberle Crenshaw quem usou o termo “interseccionalidade” pela primeira vez em 1989, expressando a ideia de que raça e gênero se relacionam como avenidas que se cruzam e produzem experiências que devem ser atribuídas a uma e outra.

Mais tarde, a essa perspectiva de interseccionar, foi adicionada a classe. Para as mulheres negras em busca de ferramentas que expliquem sua opressão e possibilidades de emancipação, a perspectiva interseccional pode aparecer como uma alternativa, justamente pelo fato de se contrapor a um feminismo liberal que pouco sabe da realidade da maioria das mulheres. A interseccionalidade aponta que a experiência de cada mulher negra trabalhadora é dada de forma multidimensional e que qualquer saída só pode se dar levando em conta essa multiplicidade de fatores que se encontram nas encruzilhadas das avenidas.

Mas queremos apontar aquilo que acreditamos que a perspectiva interseccional exclui ou marginaliza, tanto do ponto de vista analítico, quanto das vias de emancipação. Tanto em Crenshaw como autoras como Patrícia Hill Collins (de quem há muito o que se aprender e reivindicar) e também em Djamila Ribeiro, não há uma diferenciação clara entre as categorias de exploração e de opressão, portanto, também não se diferencia classe, raça e gênero.

Desde uma perspectiva marxista é possível dizer que a exploração alude à relação fundamentalmente econômica do antagonismo irreconciliável de classe entre a burguesia e os trabalhadores, é o que faz com que uma classe venda sua força de trabalho e outra detenha os meios de produção. Já a opressão é uma categoria social, define que existe uma relação de subordinação entre grupos sociais distintos e que por diferentes processos históricos têm desvantagens atribuídas.

Essa separação entre opressão e exploração não é uma hierarquização das categorias, é a realidade material da sociedade capitalista que separa fundamentalmente a sociedade em classes, de maneira tal que a exploração da classe trabalhadora só pode ter fim com a eliminação da burguesia (diferente da relação entre homens e mulheres e entre negros e brancos). Isso não quer dizer que se escolhe a classe em detrimento do gênero e da raça. É justamente para potencializar a exploração de uma classe sobre a outra que a opressão racial e de gênero são aliadas indispensáveis do capitalismo.

A interseccionalidade ao igualar essas categoriais perde principalmente suas vias de emancipação e não compreende que é sob uma sociedade fundada na exploração de uma classe sobre a outra que as opressões se submetem, e que é apenas o fim dessa exploração a única que pode dar bases materiais à que também se possa emancipar as mulheres e negros do jugo do racismo e do patriarcado.

Essa não diferenciação é sintoma do contexto social de que a interseccionalidade é fruto. Época que chamamos de “restauração burguesa” e inaugurou uma grande ofensiva neoliberal atacando a ideia da classe operária enquanto sujeito. Daí surge a ideia de “novos movimentos”, alternativos à ideia de “partido”, onde há a negação da estratégia dos enfrentamentos decisivos em nome das resistências parciais. O “fim do trabalho” e “fim da história”, a perspectiva individual, uma exaltação do particular contra o universal, da experiência e também do consumo, marcaram a ideologia predominante da época e assim contribuíram para que a classe fosse encarada apenas como mais uma experiência opressiva individual.

O “lugar de fala” – Basta apenas falar por nós?

Djamila Ribeiro faz uma crítica à esquerda – sem citar de quem exatamente está falando – de que a grande dificuldade de parte da esquerda é querer eleger classe como o mais importante, sem entender raça e gênero. Mas longe dessa visão estanque das identidades, é preciso compreender que num país em que quase metade da classe trabalhadora é mulher e dessas, 20 milhões são negras, em que 75% dos mais pobres são negros, sendo também os mais desempregados, em que 48,3% dos negros sofrem com a informalidade e que as taxas de homicídio de mulheres negras são 71% maiores que as de mulheres brancas, a relação entre classe, raça e gênero é indissociável. Portanto se falar de classe é falar de racismo e machismo, falar de mulheres negras também é falar de classe, questão que se encontra bastante marginalizada nos livros de Ribeiro.

Diferenciar opressão e exploração é fundamental para compreender que não há emancipação das mulheres negras por fora da luta de classes. Mesmo a identidade não é linear, ou fruto de um empoderamento individual, ela pulsa a medida dos acontecimentos da luta de classes, avançando ou retrocedendo conforme a luta entre capital e trabalho se desenvolve.

Essa relação indissociável entre raça, classe e gênero não é compartilhada pela perspectiva que defende Djamila Ribeiro. Em “O que é lugar de fala?” defende que todos possam falar a partir da sua localização social e assim é possível que grupos subalternizados, como são as mulheres negras, possam ao falar sobre si “refutar a historiografia tradicional e a hierarquização de saberes consequente da hierarquia social”. Para se defender das críticas de que a ideia de “lugar de fala” seria individualizada, Ribeiro se utiliza da teoria do ponto feminista de Patricia Hill Collins, para dizer que o lugar de fala não se trata sobre os indivíduos, mas sobre grupos sociais e as condições a que são submetidos.

[..] a teoria do ponto de vista feminista enfatiza menos as experiências individuais dentro de grupos socialmente construídos do que as condições sociais que constituem esse grupos (COLLINS, 1997).

A questão é que Ribeiro vê a sociedade dividida entre “discursos”, “lugares de fala”, grupos com experiências distintas, em que uns podem falar e produzem um discurso hegemônico e outros não podem falar por si. Segundo ela, trazer à tona essas experiências é o que permitiria “romper com o silêncio instituído para quem foi subalternizado”, e pode “romper com a hierarquia”. Aqui é onde se expressa como sua concepção do que é o racismo passa longe de uma perspectiva estrutural e é completamente inofensivo para combater a realidade que cala, humilha, e mata mulheres negras.

Reconhecer que as mulheres negras têm experiências em comum e enquanto grupo social e que essas experiências têm relevância na luta pela sua emancipação é fundamental. Também compartilhamos da ideia de que as mulheres negras podem falar por si e serem sujeitas de sua própria história. Usamos a ideia de Leon Trótski de que é preciso “olhar a vida com os olhos das mulheres”, e num país como o Brasil dizemos que é preciso que seja a partir dos olhos das mulheres negras.

Mas isso não quer dizer que somente trazer à tona a localização do saber e da experiência de algumas mulheres negras pode levar à enfrentar a estrutura social, ou mesmo “causar fissuras” e “desestabilizar a norma hegemônica”, como diz Ribeiro. O que anos de restauração burguesa mostraram é que o capitalismo é capaz inclusive de colocar sob seu guarda-chuva vozes dissonantes para retirar qualquer potencial contestatório que pudessem ter. Basta ver a própria autora desfilando com uma das grifes mais caras do mundo e se orgulhando de vestir Prada ou se reunindo e tirando foto com Macron em meio ao processo de luta dos coletes amarelos na França e quando havia acabado de ocorrer protestos na Argélia.¹

Mesmo a ideia de “lugar de fala” é possível ver por essa chave. Jota Moçamba (2017) diz que “o conceito de lugar de fala se converte numa ferramenta de interrupção de vozes hegemônicas”, e assim “operado em favor da possibilidade de emergências de vozes historicamente interrompidas”. Mas quem são essas mulheres que vão expressar suas “vozes dissonantes”? Onde vão se expressar? E de quem são interrompidas as vozes hegemônicas?

Djamila Ribeiro está falando das milhares de mulheres negras pelo mundo, das empregadas domésticas, das meninas que tem sua infância roubada no Rio de Janeiro, das mulheres que morrem abortando, das terceirizadas que são demitidas a todo tempo, ou de algumas poucas mulheres negras que podem ir à TV, escrever um livro ou uma coluna no jornal?

Que essas poucas queiram usar seu lugar para denunciar o racismo é fundamental, mas que isso por si é capaz de “desestabilizar a hegemonia” e abrir qualquer perspectiva emancipatória é de um reducionismo sem tamanho. Nossa fala nunca será garantida para todas as mulheres negras sem se apoiar na força das massas de trabalhadores – negros e brancos. Não seremos mais fortes, inclusive para sermos ouvidas, se estivermos pautadas na batalha comum de toda uma classe que assume nossas bandeiras de mulheres negras? Cada mulher branca que se convence de nossas batalhas e está do nosso lado da trincheira não é uma fortaleza para sermos ouvidas e para a luta contra o racismo?

Qual a perspectiva que Djamila Ribeiro defende para as outras tantas milhares de mulheres negras? Defendemos que nós mulheres negras devemos construir junto às mulheres brancas um feminismo socialista e revolucionário, que para além de causar fissuras, queira nos colocar numa perspectiva emancipatória. Que possa de fato causar medo nos patrões, em Bolsonaro, e no sistema capitalista.

Os desafios das mulheres negras e a luta por um feminismo socialista

Mais do que falar, um feminismo que entende a relação entre raça, classe e gênero na vida real de uma batalhão de mulheres negras trabalhadoras, deve levantar um programa sério que possa enfrentar a realidade da opressão e exploração e lutar pela construção de uma força política que leve à frente esse programa. Para isso, é preciso batalhar contra o machismo e o racismo dentro da própria classe operária, defendendo que os sindicatos rompam a separação entre o sindical e o político e tomem para si as demandas das mulheres negras, colocando-as como as primeiras demandas da classe trabalhadora brasileira.

Nossa perspectiva é de que a enorme força que as mulheres negras sempre demonstraram durante a história da luta de classes, seja na revolução haitiana, na luta contra a escravidão no Brasil, nos EUA, no enfrentamento ao saque Imperialista nos países africanos, na luta contra o apartheid na África do Sul, e hoje como parte do fenômeno internacional de mulheres, é uma potência que pode a partir de cada local de trabalho, revolucionar os sindicatos que estão nas mãos das burocracias. Essas que historicamente atuaram para impedir que nossas pautas fizessem parte do cotidiano das batalhas da nossa classe e que no Brasil, atuaram com um silêncio ensurdecedor diante da aprovação da reforma da previdência, e com suas direções, como é a CUT e CTB, dirigidas por PT e PCdoB, diretamente negociando ataques e entregando nosso futuro.

Batalhar para que as agonias e dramas das mulheres negras sejam pauta de todo o movimento operário, estudantil e de direitos humanos significa fazer da fala das mulheres negras parte do sentido de existência da luta revolucionária de nossos tempos. Significa reconhecer não apenas que essa dor existe, mas também que somos parte dessa classe internacional, e que nosso desespero por uma nova vida pode ser capaz de reenergizar e dar mais um sentido para o combate da nossa classe contra o capitalismo, a exploração e a opressão, essa última um combustível presente como nunca nas fileiras da classe trabalhadora, de forma que a história nunca viu.

Para responder à realidade das mulheres negras é preciso um programa que defenda: a igualdade salarial entre negros e brancos, homens e mulheres, ainda mais num país em que uma mulher negra chega a ganhar até 60% a menos que um homem branco. Levantar a necessidade da efetivação dos terceirizados sem concurso público, para que possam ter os mesmos direitos. Plano de moradias, o fim das polícias que assassinam nosso povo, o fim da perseguição às religiões e as culturas africanas.

Em nome de cada um de nossos filhos, irmãos e de nossas vidas perdidas nos mares do desespero de guerras que os capitalistas nos envolveram: defender a livre circulação de fronteiras para todos os refugiados do mundo. A legalização do aborto, que mata em grande maioria mulheres negras e pobres. O julgamento de todas os nossos presos por júris populares e a liberdade imediata a todas as nossas presas e presos sem julgamento, que são quase 45% de toda a população carcerária.

Um feminismo que possa lutar pelo fim do vestibular, a estatização de todas as universidades privadas, para que a juventude negra tenha direito à educação. Pela demarcação das terras quilombolas e dos povos originários conforme suas reivindicações. E o não pagamento da dívida pública, uma dívida ilegal que submete os recursos nacionais aos interesses imperialistas.

Reivindicamos para levar à frente esse programa e para enfrentar decisivamente os séculos de exploração e opressão a necessidade de erguer um partido revolucionário, enraizado nas batalhas da classe trabalhadora, levando à frente uma perspectiva antiracista, anticapitalista e antiimperialista. Diante de 11 anos de crise capitalista, olhar a vida com os olhos das mulheres negras é o que torna possível enxergar o mais cruel e degradado da sociedade capitalista, aquilo que nos violenta, nos injustiça e nos mata. Mas também é enxergar as potencialidades e a energia que existe em cada mulher negra da superação desse sistema miserável.

Assim, nesse novembro negro de 2019, fazemos esse chamado apaixonante: para que nossas energias não sejam desperdiçadas conformemos um feminismo socialista, que se contraponha a Bolsonaro, aos golpistas, ao judiciário racista e que se dedique à responder a realidade de milhões de mulheres negras pelo mundo, para que não paguemos o preço dessa crise que os capitalistas criaram.

*escrito por Flávia Telles, estudante da Unicamp, Letícia Parks, mestranda na UNB e com colaboração de Diana Assunção, historiadora e fundadora do grupo de mulheres Pão e Rosas Brasil.

Notas

1. No encontro com Macron, Djamila Ribeiro não proferiu uma palavra de apoio ao recente e enorme protesto na Argélia contra o seu presidente, ex-colônia francesa do Norte da África dilacerada pela opressão e exploração imperialista. Naquela conjuntura o presidente francês e altos membros do seu governo não disfarçavam seus temores de ver a França tomada por uma nova onda de imigração argelina. A França ainda mantém com a Argélia diversos laços de exploração e opressão. Tanto é assim, que a tentativa demagógica de Macron de se postular como um apoiador das manifestações foi amplamente rechaçada, com argelinos levando cartazes com os dizeres “Macron você é muito pequeno para a Argélia de hoje” ou “Estamos em 2019, não em 1830”. Assim seria de se esperar gestos de solidariedade aos povos oprimidos em luta do mundo por parte dos intelectuais que buscam falar em seus nomes, não que brindem com seus opressores.

Referências Bibliográficas

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ALMEIDA, Silvio. Racismo estrutural. Pólen Produção Editorial LTDA, 2019.

ASSUNÇÃO, Diana. Feminismo e Marxismo. In: ASSUNÇÃO, D. D’atri, A (org). Feminismo e Marxismo. São Paulo: Edições Iskra, 2017. p.11-30.

CRENSHAW, Kimberle. Documentos para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, ano 10, 2002.

D’ATRI, Andrea. Pão e rosas: identidade de gênero e antagonismo de classe no capitalismo. São Paulo: Iskra, 2008.

DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo Editorial, 2016.

Dossiê: Marxismo e questão Racial. Margem Esquerda. São Paulo: Boitempo, n. 27, 2016.

ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984.

LAVAL, Christian; DARDOT, Pierre. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.

RIBEIRO, Djamila. Lugar de fala. Pólen Produção Editorial LTDA, 2019.

Quem tem medo do feminismo negro?. Editora Companhia das Letras, 2018.

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