Por Breno Costa.
O congelamento do orçamento do governo federal por um período de duas décadas, proposto na PEC 241, é algo sem precedentes em ajustes de contas públicas experimentados ao redor do mundo. Essa é a avaliação dos especialistas em orçamento público Evert Lindquist, da University of Victoria, e Allan Maslove, da Universidade Carleton, no Canadá.
Ambos são defensores de uma visão pragmática do Estado na economia e defendem ajustes nas contas públicas em momentos de crise, como o vivenciado pelo Brasil. Eles foram apresentados pelo The Intercept Brasil ao conteúdo resumido da PEC 241, já aprovada em primeira votação na Câmara, e chamaram a atenção para as particularidades do caso brasileiro, em contraste com experiências verificadas em outros países.
“Eu não tenho conhecimento de nenhum outro país que tenha instituído congelamentos por um horizonte tão amplo”, afirma Lindquist, que dirigiu a School of Public Administration até 2015 e é especialista em processo orçamentário e reformas no setor público. “Claramente, o que o governo do Brasil está fazendo é enviar um forte sinal para os cidadãos e para o mercado, mas é difícil para qualquer governo planejar nem que sejam cinco anos para a frente.”
Lindquist menciona o caso do Canadá, que adotou, em meados dos anos 90, reforma parecida com a que o Brasil tenta agora fazer, mas com diferenças fundamentais. A primeira delas é que, lá, o ajuste foi programado para um período de três anos. Na Holanda, caso mais recente e usado como exemplo pelos parlamentares governistas, o controle de gastos ocorre de quatro em quatro anos.
Uma outra diferença bastante importante foi a discussão que antecedeu a reforma e o método utilizado para analisar os programas de governo que poderiam ser objetos de corte financeiro ou até mesmo eliminados. O governo canadense, na época, criou uma sequência de seis perguntas-teste. Caso o programa de governo não passasse em todos esses critérios, ele era eliminado. A primeira pergunta era: “Esse programa ou atividade continua a servir ao interesse público?”. A segunda: “Há uma legítima e necessária participação do governo nesse programa ou atividade?”. E por aí vai. No Brasil, não existe nada parecido com isso.
“Desconheço qualquer país que tenha tentado fazer algo assim. Eu acho que, de maneira geral, não há nada que recomende algo assim, porque deixa futuros governos de mãos atadas para os desafios e necessidades que poderão surgir daqui a alguns anos”, diz outro especialista na área orçamentária, Maslove, também do Canadá.
No caso brasileiro, daqui a dez anos – também um período excessivamente longo, na visão dos especialistas – será possível alterar a forma pela qual se dará a atualização do teto ano a ano. Mas o congelamento permanece por 20 anos, a não ser que um novo governo consiga ter apoio político suficiente para enviar uma nova proposta de emenda constitucional ao Congresso – além da chancela do empresariado e investidores que agora comemoram a PEC 241. Embora não seja impossível, não seria nada trivial conseguir mudar o rumo das coisas no futuro.
“A ‘dor’ deveria ser distribuída de maneira justa”
Uma outra diferença em relação ao caso canadense foi a adoção de fatores de “prudência”, de forma a proteger a economia em caso de situações inesperadas. Entre elas, foram adotadas previsões fiscais abaixo da média apresentada pelo mercado e a criação de uma reserva de contingência, entre outras. No caso brasileiro, não existe qualquer ação protetiva, seja em caso de desastre, seja em caso de boom de crescimento que permita uma garantia maior aos programas de governo.
Para Lindquist, o correto seria o governo fazer um planejamento de médio prazo, que considerasse como gatilhos para futuras mudanças o desenvolvimento da economia doméstica e internacional, assim como o preço de itens como a energia e outros recursos naturais.
No campo da saúde e da educação, que, no Brasil, é o que está gerando mais polêmica, a contenção de despesas é vista pelos pesquisadores como algo natural: num cenário de aperto fiscal, todas as áreas acabam sofrendo as consequências. No entanto, ambos concordam que saúde e educação podem ser encarados como “investimentos de longo prazo”.
“Eu acredito que investimento em capital humano (educação) provavelmente tem uma das mais altas taxas de retorno sobre investimento, mas outros investimentos são também importantes e não podem ser negligenciados”, afirma Maslove, citando infraestrutura física, como transporte, mobilidade urbana e comunicações.
O silêncio em relação a uma reforma tributária no Brasil, que ao menos corresse em paralelo ao congelamento dos gastos públicos, também é notado pelos especialistas. “O que aconteceu no Canadá foi que líderes do governo central e das províncias reconheceram que, para viabilizar apoio público para as iniciativas de redução de despesas, a ‘dor’ deveria ser distribuída de maneira justa”, diz Lindquist. Para ele, um caminho seria forçar de maneira mais firme que devedores paguem os impostos devidos ou sonegados, além de o governo usar sua base capaz de alterar a Constituição para também reformar o sistema tributário, de forma que “todos paguem uma parcela justa”.
As punições previstas na PEC 241 também chamam a atenção dos acadêmicos consultados pelo The Intercept Brasil. Lindquist alerta para os custos que poderão surgir como consequência de ações restritivas mais imediatas, como a proibição da realização de novos concursos públicos em caso de descumprimento do teto de gastos.
“Redução de mão-de-obra no setor público, interrupção de contratações e congelamento de salários não são algo incomum em estratégias de governo”, diz o especialista. “Os governos têm de considerar quando eles irão precisar recrutar novos talentos para o setor público, particularmente em áreas de expertise mais específica, como tecnologia da informação, análise de políticas públicas e outras. O governo vai estar sob pressão para entregar certas ações e metas, e se uma mão-de-obra de um setor público dizimado não consegue cumprir esses planejamentos, então eles vão recorrer à contratação de consultores, o que tem um custo maior no curto prazo”.
Para Lindquist, os cortes que o governo quer promover “podem pavimentar o terreno para a renovação das instituições do serviço público, mas apenas se isso for feito de forma inteligente” e se, em paralelo, o governo tiver planos que valorizem o mérito e a competência para a modernização do setor público.
A PEC 241 não faz qualquer referência a isso.
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Fonte: The Intercept.