Por Flávio Carvalho, para Desacato.info.
“O homem coletivo sente a necessidade de lutar” (Chico Science).
“Cada vez que eu acene pra direita, estou pedindo pra vocês, à minha esquerda – como Casaldàliga – me puxar pra perto de vocês. Por isso eu necessito da crítica de uma pessoa como Pedro. Eu só não vou é sair pedindo que ele me critique por aí” (Lula, em Barcelona, no Hotel Majestic, com Felipe González, no dia da entrega do Prêmio Nacional Catalunha).
“Lula é neoliberal” (Pedro Casaldàliga, no jornal catalão Ara, no dia anterior ao Majestic).
Juan Arias é o mais importante cronista espanhol sobre a atualidade brasileira. Mora no Brasil e há anos escreve no El País, jornal que já foi um referente de esquerda (e faz tempo que deixou de ser). Diz-se Juan de uma visão privilegiada, por sentir-se ainda “de fora” e de um país, Espanha, que sempre paquerou sem nunca contrair matrimônio com o nosso Brasil. Arias escreveu recentemente sobre a necessidade de compreender a estratégia de Lula sobre não adotar gestos precipitados que entorpeçam o seu caminho de retorno à Presidência do Brasil, no próximo ano. Como, por enquanto, os ventos sopram a seu favor, e sendo o Brasil um país onde o inesperado espera a cada esquina, não é difícil imaginar uma estratégia PPP, Paciente Política Petista, de costura de uma frente ampla (ou amplíssima). Onde, logicamente, quem duvidaria da capacidade de Lula, de ser o único e mais indicado para exercer – como o fez em toda a sua vida – o papel de costureiro de antagonismos, dualidades e contradições (as três cabeças de uma mesma besta-fera). Ousar lutar, ousar vencer.
“Porque Lula prefere que Bolsonaro chegue politicamente vivo às eleições?” (Juan Arias, El País, maio de 2021).
Nesse sentido, bastaria navegar entre a matemática: estimativas de votos favoráveis, em dimensão inversamente proporcional às capacidades de rejeição de duas coisas que haveriam de distinguir-se, mesmo sabendo complementárias. O Lulismo e o Petismo.
Sempre me dediquei a olhar, historicamente, quem tem sido mais importante, Lula ou o PT. Um exercício quixotesco. O PT já foi maior que Lula, até que Lula tornou-se maior que o PT. Sabe o Barça sem Messi? Qualquer tentativa de imaginação fora disso, condenada ao surrealismo, ofusca e – paradoxalmente – acaba prejudicando o próprio time. Ou o partido.
Tudo na vida necessita de um sonho. Se o sonho já está entre a gente, quê? Como avançar?
Tudo ia aparentemente mal o suficiente, até que piorou, com a Sindemia do Covid-19 (Sindemia é a Pandemia politicamente desigual e injusta, entre negros e brancos; mais que entre ricos e pobres). Acabou-se a paciência. Assumiu-se o genocídio. Quem vacilava em falar de genocídio fascista, decidiu-se por assim denominar. O que falta pra Bolsonaro dizer-se fascista? Aparecer um belo dia vestido com a foto de Mussolini em uma camiseta?
Tornou-se suicídio político pedir paciência a um povo não somente saudoso, mas ansioso, com crise de abstinência de rua. E rodeado de mortes por todos os lados. Com aquele sentimento pior: as mortes poderiam ter sido evitadas. E o subconsciente sabendo quem assassinou.
Foi diante dessa realidade que o maior partido político da América Latina, o PT, reuniu-se no dia 9 de junho deste ano 2021 e adiou o evento do PT Solidário (diante da fome do povo brasileiro). Estava marcado exatamente para o dia 19 de Junho. Data definida pela atual maior coalizão política da esquerda brasileira para voltar às ruas. A mais ampla, até agora.
A ironia é que no começo tratava-se apenas de uma resposta ao fracasso de um bolsonarismo que nunca havia abandonado as ruas. Por negacionismo e por estratégia necrófila de contaminação de rebanho. E que havia demonstrado que, se a direita ocupa o que é nosso, com Irresponsabilidade, porque é que nós, com Responsabilidade maiúscula, não devemos saber ocupar “as ruas que sempre foram nossas”?
Porém, atenção. É claro que não há unanimidade. Complexidade virou moda.
Antes de começar essa análise, espero que já tenham percebido que o negacionismo “de esquerda” também existe. Não necessariamente terraplanista. Mas serei eu a única pessoa com ex-amigos que de tão alternativos, libertários, hippies (busco palavras, já veem…), me identificaram como certa forma de alienação ao oferecer meu braço à vacina? Quando tudo é tão complexo e subjetivamente não dito, não generalizar tornou-se ainda mais urgente.
“Eu sou contra Bolsonaro, mas apoio que ele não compre vacina”, disse-nos ontem, um que queria entrar na organização do Fora Bolsonaro em Barcelona. Já pensou? O que farias?
Agora, por outro lado, misture o fato de ter usado, em determinado momento da história política do Brasil, a expressão Necessidade Permanente de Autocrítica, ao tratar do partido que me filiei em 1991 (30 anos atrás, exatamente). Plenamente consciente de estar assim contribuindo, significativamente, ao crescimento da legenda partidária, num mar de antipetismo. Pois não foi somente uma vez que me senti ameaçado: como se o antipetista agora fosse eu. Por tabela, como se eu fosse um mero e ingênuo colaborador de golpista.
O mesmo discurso, com outras tintas, de que a culpa pela ascensão do fascismo é mais do PT do que próprio fascismo. Transformar o algoz em vítima. E vice-versa. Já pensou? Sentiu bem?
Existe a possibilidade de que um partido político de esquerda, em pleno século XXI, depois de mais de uma década no governo do quinto maior país do mundo, sentir-se ameaçado ou incomodado ao escutar a palavrinha conjunta Autocrítica – tão utilizada por Freire, Betto, Erundina, Chauí, e outras tantas pessoas que deram sangue, suor e lágrimas pelo PT?
E terceiro ponto, não menos fundamental.
Onde diabos enxergaram incompatibilidade entre a estratégia eleitoral de 2022 e exigir a imediata derrubada desse desgoverno? De um governo que não governa, que não foi eleito legitimamente (dentro de um sistema ilegítimo em si) e que ainda por cima corrompe, devasta, destrói, entrega e comete dois tipos de desgraça: as que sempre avisou que iria fazer; e as que jurou que não iria fazer e hoje faz. O taticismo há de superar a realidade?
Claro que “esses” se agarram, além dos anteriores elementos (que se misturam, uns sim, outros não) em uma novela chamada Não Vale a Pena Ver de Novo. Lembra a Campanha Fora Collor? Ela sim, querendo ser trazida de volta, guardadas as devidas proporções.
Mas se Collor cai, quem assume? E se os militares derem novo golpe? E a instabilidade econômica? Não vai ser muito desgaste para as nossas já tão desgastadas instituições? E se cria uma falsa sensação de que a mera derrubada de Collor passa aquela sensação que já está tudo resolvido. Como escrever numa só bandeira Fora Collor e Itamar e Eleições Gerais e…?!
Por sorte e poesia, posso acabar esse texto, com três frases somente.
Uma minha, de um poeminha que compus na Sindemia: O medo do amanhã não pode impedir nenhum sol de nascer de novo.
Outra, de Chico Sciene: O medo dá origem ao mal.
E a terceira do mais belo slogan já criado por um partido político: Sem medo de ser feliz.
Fora Genocida Urgente. 2022 já está sendo construído nas ruas, em 2021. Veremo-nos nelas, nas ruas do Mundo, em Junho, um sábado, dia 19. 2022 é agora.
“Falam tanto numa nova era; quase esquecem do eterno É.
Novo tempo sempre se inaugura, a cada instante que você viver.
O tempo que você perdeu, perdeu, não volta, embora olhar o mundo cause tanto medo.
A verdade sempre está na hora, embora você pense que não é.
Como seu cabelo cresce agora, sem que você possa perceber”.
(Era Nova. Gilberto Gil).
Flávio Cavalho. Barcelona, 16 de junho de 2021.
Lista de atos Fora Bolsonaro, no exterior, coletados pela Fibra – Frente Internacional.
7 nos Estados Unidos, país recordista em atos na América. 5 na Alemanha, país recordista em atos na Europa. 1 em cada cidade: Bruxelas, cidade sede da política europeia; em Paris, cidade que anteriormente reuniu mais gente, entre todas da Europa; na Grécia, em Atenas; e na Holanda, em Amsterdam; Na República Checa, em Praga; e na Dinamarca, em Aarhus.
4 em Portugal: em Lisboa, Coimbra e 2 atos no Porto. Nas 3 principais cidades do Canadá. Com Manifesto Unitário em Barcelona, Madri e Mallorca, na Espanha. Nas 3 principais cidades da Irlanda. 3 no Reino Unido: 2 atos em Londres e 1 em Oxford. 2 na Suíça, em Genebra e Zurique. 2 na Itália, em Roma e em Bolonha.
7 destes atos serão realizados diante das representações diplomáticas brasileiras. Os demais diante de pontos turísticos e emblemáticos (como a Porta de Brandenburgo), museus (Praga e Zurique), praias (na Flórida), praças (Lisboa, Roma, Palma, Toronto, Colônia, Munique), e diante de prefeituras, como a de Barcelona.
Um turbilhão de belas imagens do exterior ajudará a encher de esperanças o nosso Brasil.
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