Por Clóvis Campêlo.
Descartes que me desculpe, mas o mundo é muito mais múltiplo e paralelo do que pregava a sua vã filosofia. E não adianta querer bancar o São Tomé, pois tudo que é sólido sempre se desmancha no ar. Entre as fantasias do real e as realidades do imaginário, portanto, vagamos nós, seres mutantes e modernos. Entre a finitude do momento e a eternidade do virtual, dividimo-nos de forma esquizóide. E não adianta mais chorar sobre o leite derramado, pois o processo talvez seja irreversível.
Como já dizia o guru, não existe segurança nenhuma em nada. Viver é uma extrema e ignorante ousadia, e nem mesmo temos controle algum sobre a chegada e a partida. Simplesmente vagamos. Perdemo-nos constantemente entre montanhas e vales, para nos reencontrarmos nas planícies e nos planaltos. Só sabemos que nada sabemos.
Compartimentar o tempo e mecanizar o pensamento e o raciocínio foram artifícios utilizados inultimente por nós em busca de um patamar mais seguro. Para todos, talvez fosse prudente observar o brilho diferenciado daquela estranha estrela, cuidando, porém, para não alimentarmos uma nova ilusão ou utopia. É muito pequena a distância entre a consciência e o delírio.
Mesmo pensando e pulsando, somos carne de terceira e nos iludimos constantemente com a perspectiva do divino. As nossas pretensões, porém, esbarram nas nossas próprias limitações: não vemos o que queremos, não alçamos vôos panorâmicos, arrastamo-nos pelo chão como vermes quaisquer. Somos seres decapitados e vemos a cada dia cabeça e corpo mais e mais se distanciarem.
Enquanto matéria orgânica, temos a carne como o cerne. É através dela que nos desencontramos com o mundo que imaginamos concreto. E quando esse mundo se desmaterializa, tornamo-nos tornados, energia pura descontrolada e bela, embora periculosa.
Mas, para que tanta verborragia se viver não exige tantas palavras? Se os procedimentos vitais se locupletam e se complementam de forma autônoma e independente? Se os fatos, por si sós, geram fetos de outros fatos? Se a vida é uma ida sem volta e sem escolta, solitária e desacompanhada?
Como diria o poeta em tempos idos, talvez só nos reste a opção de dançarmos um tango argentino!
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