O movimento sindical catarinense está realizando, sob a coordenação das centrais e do DIEESE, a 12ª campanha salarial pela recomposição dos pisos estaduais. Abaixo, listo algumas razões que justificam a recomposição dos pisos e a obtenção de ganho real:
1. Os valores dos pisos são muito baixos. O piso inferior (R$ 1.281) está apenas 16% acima do salário mínimo. Se pegarmos o piso de valor mais alto (R$ 1.467,00), ele equivale a 24,58% do salário mínimo necessário do DIEESE (R$ 5.969,17). Além disso, os pisos foram corroídos por uma inflação elevada ao longo deste ano;
2. Ao mesmo tempo em que valorizamos a conquista dos pisos, sabemos que a mesma, no fundo, é uma negociação por Comida, os valores dos pisos que negociamos a cada ano são de sobrevivência. Na prática, na negociação se acertará o direito de uma parte dos trabalhadores, e suas famílias, poderem se alimentar em 2022. Se o trabalhador depender apenas do piso para viver, não consegue fazer mais nada do que comprar alimentos no mês;
3. Quem recebe piso ou o salário médio em Santa Catarina, em muitos meses tem que escolher qual conta deixará de pagar. É impossível pagar aluguel, remédios, comida, transporte, normalmente, recebendo apenas o piso. O trabalhador vive mesmo na margem da sobrevivência;
4. O país corre o sério risco de estagflação. Já está com juros altos, desemprego em massa, 20 milhões passando fome e mais de 100 milhões em situação de insegurança alimentar. Não há outra saída, a não ser ampliar o mercado interno;
5. Desde o golpe em 2016, os trabalhadores só perderam direitos e renda. Do golpe para cá foram mais de mil ações, todas contra os trabalhadores. Ações contra as empresas, somente para as pequenas (por exemplo, gasolina a R$ 7,00). O que o Brasil ganhou com isso? Nada. O Brasil só perdeu. O empresariado depende da capacidade de consumo da sociedade. Quem ganhou foram os 0,5% de super ricos (que, boa parte deles, nem vive no país);
6. Teremos, provavelmente, uma negociação com referência no INPC-IBGE, que chegará a 10% ou 11%. Só que os preços dos alimentos têm aumentado em ritmo bem superior à média inflacionária. Em Florianópolis uma cesta de alimentos está custando R$ 710,13, a mais cara do pais em novembro. Com base na cesta de Florianópolis, o DIEESE estima que o salário mínimo necessário deveria ser equivalente a R$ 5.969,17, o que corresponde a 5,42 vezes o piso nacional. Ou seja, a inflação do trabalhador, que é a da comida, está muito acima dos 10%. Nesse sentido o nosso pedido de reposição (INPC + 5%) é bastante modesto;
7. A negociação dos pisos é também fundamental porque a renda do trabalho é central na sociedade. A esmagadora maioria das pessoas depende do trabalho, direta ou indiretamente. Especialmente numa sociedade como a brasileira, onde a camada de direitos é fina, não é espessa. E que agora está sendo destruída pela extrema direita que está no poder. Da força de trabalho no Brasil, constituída por cerca de 100 milhões de pessoas, mais de 95% é formada de trabalhadores (assalariados, conta própria, etc.);
8. Um aumento de 15% ou 20% nos salários para comprar feijão, arroz, batata e leite, beneficia o empresariado de todos os ramos da economia. Segundo a Pesquisa Industrial Anual do IBGE, o peso dos gastos de pessoal no custo total industrial está em 9,4%, incluindo salários e encargos sociais. É o custo do trabalho. Os problemas da Indústria, assim como das empresas em geral, estão localizados nos demais custos, como matéria-prima, câmbio, taxa de juros, política industrial, fretes, etc.;
9. Toda a política antinacional e de entrega do patrimônio, desenvolvida por Bolsonaro, abertamente contra os interesses do Brasil, esta sim é prejudicial ao empresariado catarinense e brasileiro em geral. Por exemplo, um dos principais gatilhos do aumento dos preços dos alimentos, possivelmente o maior, é o aumento exagerado dos preços dos derivados de petróleo. Ou seja, a política de preços da Petrobrás, a PPI (Política de Preços de Paridade de Importação), que se baseia na dolarização e no atrelamento do preço dos combustíveis à variação internacional do preço do petróleo, é diretamente responsável pelo aumento dos preços dos alimentos e, portanto, pelo acelerado retorno da fome crônica no país. É uma política feita para encher os bolsos dos especuladores, às custas da nação;
10. Os 850 mil acionistas minoritários da Petrobrás levarão R$ 40,1 bilhões de bônus neste ano, maior valor já pago a acionistas pela empresa, incluindo cerca de 50 mil estrangeiros, principalmente grandes empresas (maioria bancos e outras empresas financeiras) e grandes especuladores do mercado financeiro;
11. A maioria do empresariado catarinense, se tivesse consciência de classe, aceitava imediatamente a reivindicação de 5% acima do INPC-IBGE e cerrava fileiras contra essa política criminosa de aumento dos preços de combustíveis;
12. A mesma política que proporciona lucros exorbitantes para os especuladores da Petrobrás, em boa parte, é a que fez o preço dos alimentos explodirem. A ponto de uma cesta básica para um adulto se alimentar ao longo do mês estará custando R$ 710,13, como em Florianópolis;
13. Com a reivindicação dos pisos, estamos falando em aumentar o custo da força de trabalho (no custo total industrial) em 1,41% (15% sobre 9,4%) exatamente na parte do custo empresarial que produz valor novo. Máquinas e equipamentos não produzem valor, apenas o transferem. As centrais querem proporcionar cerca de R$ 150 ou R$ 200,00 mensais, para quem produz toda a riqueza do estado, que é o trabalhador. Força de trabalho essa, que depois irá consumir a maioria dos bens produzidos;
14. Por que o País está há seis anos ou em recessão ou em estagnação econômica? Porque, dentre outras coisas, o mercado consumidor está sendo destruído pelo golpe de Estado de 2016. Destruição de direitos e de salários nunca levou a crescimento econômico em país nenhum. Pelo contrário. Se o mercado consumidor interno é destruído, aumenta a dependência do país de mercados externos, como está acontecendo concretamente;
15. A inflação de alimentos está em um patamar muito superior à média inflacionária. Inflação é um mecanismo adicional de exploração dos trabalhadores, que, em condições normais, mesmo que a inflação seja zero, já são explorados. Essa é uma razão a mais para reajustar os pisos salariais;
16.No Brasil é comum o empregado trabalhar muitas horas, num ritmo muito forte, e receber salários muito baixos (como os nossos pisos aqui mostram). A partir destas três formas principais de superexploração, as combinações são as mais variadas. Cada uma dessas formas gerais se concretiza em vários métodos específicos de extrair mais valor da força de trabalho;
17. Num cenário de desindustrialização e superexploração, e de busca do Estado mínimo almejado pelos neoliberais, a exploração do trabalhador aumentou muito. Surgiram várias formas de aumentar a exploração do trabalhador (terceirização, trabalho por aplicativos, etc.), que se somaram às formas mais tradicionais de superexploração exploração (trabalho sem registro, informal).
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José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.
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