(Espero que te agrade; mas, se não agradar, também tá valendo)
“Respeitem meus cabelos, brancos” (Chico César). Atenção pra essa vírgula.
O PT é de Peixes, como eu (e Flavinha).
Sonhadores. Utópicos, melhor dizendo.
Cabeça cada vez mais livre nas nuvens. E pés bem firmes (considerando as raízes) no chão.
O PT está de parabéns. Felicitemo-nos, a nós mesmas.
Eu tenho mais anos de vida vinculado a esse partido do que de anos vividos, na minha vida, sem ele, sem o PT.
Portanto, me reservo o direito de fazer a análise que eu e o PT bem merecemos.
Nossa relação, como as melhores amizades e amores, está baseada na confiança, no diálogo (sempre sincero e construtivo, claro) e no respeito (mútuo, por favor). Vamos lá.
- Li, recentemente, um livro chamado Geração Rolha (Generació Tap, em catalão). Trata-se de uma análise sociológica de como toda uma geração de pessoas totalmente bem intencionadas na política, sem querer (ou sem querer, querendo; lá no fundo) atrapalham, emperram, interrompem o surgimento natural de novas lideranças. Esse seria o meu primeiro presente de 45 anos pro PT. De já não tão jovem para já não tão jovem. Deixemos que a juventude faça o que tem de melhor: a capacidade de reconstruir revolucionariamente sobre bases sólidas. Quanto mais rebeldia melhor. O oposto a isso já será um pensamento conservador por natureza. Lamento informar.
- Eu daria a Lula a aposentadoria bem-de-vida que ele merece (sem ironia). Nós também merecemos. O bom jogador merece retirar-se sempre no melhor momento, antes que a bola comece a cair, naturalmente, pela lei da vida. Querer bem é não exigir mais do outro pensando mais em nós mesmos, de forma egoísta (ainda que disfarçada de altruísmo). E os melhores jogadores custam mais a admitir o próprio cansaço, já dizia Pelé. Pois querem seguir dando o melhor de si. O importante é que esse Melhor de si jamais signifique aquilo de manter milhões de pessoas pensando em deixar para aquele Melhor fazer o que Elas mesmo deveriam estar fazendo por si próprias. Dessa vez não é nada político e sim pessoal mesmo. Eu olho pro Lula, cada dia, faz muitos anos e, sendo consciente de como a política desgasta a vida pessoal das pessoas (pleonasmo proposital), é esse o meu desejo sincero. Sem NENHUM medinho de ser feliz.
- Dito isso, eu começaria a não ter medinho de começar a pensar no futuro do partido, Com, mas também Sem Lula. Se bem que quem conhece Lula sabe que ele jamais vai estar longe da gente. E isso não é nada mal pra ele, nem para nós. Se Lula é, sim, a cara do Brasil, essa outra cara pode ser ainda melhor (sim, pode). Tá na cara. Só você finge que não vê. Mas o seu espelho não tem culpa: a culpa é tua, e não dele, do espelho. Chama-se Hipocrisia, a pior mentira, o mentir pra si.
- Há uma publicação recente, genial, muito bem feita, na Internet (grátis, online), da Fundação Perseu Abramo. Depois de algumas falas institucionais (insossas, posso dizer), abrindo eternamente essa publicação, o melhor do livro está no final. Trata de uma análise jornalística de qualidade sobre o registro audiovisual de fundação do PT. Lá estão as principais chaves para entender o presente. Foi um presente magistral da jornalista Rita Camacho para todas nós. Meus presentes seguintes, meus nove pontos posteriores, consideram muito do que está escrito nesse texto excelente, da Rita.
- “Viva o Partido dos Trabalhadores! E das Trabalhadoras!”. Assim termina o mencionado texto. Se você acha que isso é pouco importante na história do partido (não creio que seja o que pensa a jornalista, que assim o fez, sem “deixar passar”), sugiro que a sua revisão deste ponto reoriente tudo aquilo que você deseja não somente para o partido e sim para todo o nosso país. Já leu o livro do Douglas Barros, O que é Identitarismo, publicado pela Boitempo? Leia. E depois venha dialogar mais, se quiser. Será um prazer pra mim. Que o recomendo muito.
- “Tinha gente muito conservadora” já na assembleia de fundação do PT, exatamente 45 anos atrás no Colegio Sion, diz o texto. Há um vídeo do companheiro, jornalista, Breno Altman, recente, afirmando que o Lula é Conservador (em certos ou diversos aspectos). Deu reboliço tanto quanto o anterior depoimento público de ninguém menos que Zé Dirceu, caracterizando o partido como “de Centro-Direita” (em certos ou diversos aspectos). Se você sentiu apenas raivinha com essas análises (mais raivoso ainda quando assistiu isso nas redes do Jones Manoel) e não as parou para analisar em profundidade (até para ter mais argumento para discordar, sempre respeitosamente), sugiro 7 dias de meditação silenciosa. Aqui em Barcelona, gratuitamente, tem. Ódio é coisa de fascista, jamais esqueça disso. Gado é do outro lado. Baba-Ovo aqui não, por favor. João Paulo foi prefeito petista do PT dedicando parte das suas preciosas manhãs à meditação. O slogan mais bonito da prefeitura Joãopaulista era esse. Sente só: A grande obra é cuidar das pessoas. Não é tudo de bom?
- “É só olhar para a fisionomia das pessoas, era uma idade entre 30 e 40. Cinquenta anos, no máximo”; “é preciso olhar com lupa para ver onde estão as mulheres na cena”. São francas palavras de Olívio Dutra, fundador do PT, presentes no texto. O que mudou de lá pra cá. O que esperar? Volte algumas casinhas, releia e nem precisa me responder mais nada. Faça como João Paulo. E nem precisa deixar o PT e filiar-se ao PCdoB, como acabou fazendo, ele.
- “O PT manifesta sua solidariedade à luta de todas as massas oprimidas do mundo”. Tudo bem que Massas e Oprimidas são expressões bem de décadas passadas. Mas que fazem todo sentido ao construir-se um partido internacionalista que chegou a ser o maior da América Latina e um dos maiores do mundo. Agora que danado, alguém me explique o que faz o “problema da comunicação” substituir o antigo comunicador-mor do governo petista por um cuja primeira grande foto é botar um boné no presidente, arrepiando a pele de milhões de brasileiros no exterior que, como eu, defendemos exatamente o contrário: o transnacionalismo e a cidadania universal de qualquer pessoa, antixenofobia (trumpista ou qualquer outra). Olhar pra dentro e olhar pra fora: bora, PT.
- “Começou a tornar-se cada vez mais claro para os movimentos populares que as suas lutas imediatas e específicas não bastam para garantir a conquista dos direitos e dos interesses do povo trabalhador… Por isso, o PT nasce da decisão dos explorados de lutar contra um sistema econômico e político que não pode resolver os seus problemas, pois só existe para beneficiar uma minoria de privilegiados”. Privilégio?! Volte de novo duas ou três casinhas nesse meu textinho. Cai bem.
- “Quando a água bater na bunda ele, o trabalhador, virá”. Essa é a frase mais emblemática do texto, do nosso maior líder partidário, sobre a conjuntura que se arrasta, de 1980 para cá. Bunda de quem? A água não sobe igual para todo mundo. Esse deveria ser o grande aprendizado. Lá estava Paulo Freire, entre os primeiros a assinar a primeira ata do PT. Quem não aprendeu (ainda) com isso, está em tempo. Mas, corre que o ritmo não é o mesmo pra todo mundo, por favor.
- Todas podemos estar de acordo com o sentido da coisa. O Pra onde vai esse rio. A grande questão para uma maioria imensa de pessoas que cresceu e viveu com o PT dando vazão aos seus sentimentos é perguntarmo-nos o quanto também servimos (sim, isso é possível e compatível) para estabelecer mais represas invisíveis. Pois, dizia Brecht: Do rio que tudo arrasta se diz violento, mas ninguém diz violento as margens que o oprimem. “Soltemos” o rio e confiemos freireanamente nele.
- Você acha realmente que esse imenso partido deve “resumir-se” (fazer isso, sim, mas somente isso, não) a impedir a volta do bolsonazismo? Tanto que até adote alguma postura conservadora, com medo de que a verdadeira transformação radical que a maioria do nosso povo merece, esteja sossegadamente preservada debaixo dos nossos próprios privilégios barbudos?
- Se o Brasil precisa de psicanálise (eu acho que, sim, precisa), o PT precisa menos de sociólogos (como eu, desculpe) e mais de psicólogos. Mais olhar pra dentro e menos pra fora. Mais conhecer-se a si mesmo e menos lidar com o medo do diferente, “lá fora”. Contanto que o melhor psicólogo de você seja você mesmo. E que isso não signifique desprezar o acompanhamento psicológico (profissional) de quem faz anos que se dedica e estudou pra isso. Freud explica. Mas, nem tudo…
PS. Estive recentemente no nosso Pernambuco e conheci pessoalmente Jones Manoel. Escutá-lo, diariamente, fazendo as críticas mais contundentes (desafio a que me demonstrem qualquer desrespeito) ao PT faz-me pensar mais ainda no quanto é importante estar dentro desse partido pra fazer com que ele seja, volte a ser ou passe a ser exatamente aquilo que a Rita Camacho relatou.
Aquele abraço. E viva o PT.
@1flaviocarvalho, sociólogo e escritor. Barcelona, 10 de fevereiro de 2025.
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