Por Francieli Borges, de Porto Alegre, para Desacato.info.
Alguém já havia comentado que o pior crime de quem é de esquerda é ser literal. Verdadeira infração, porque obriga os indivíduos a serem fiéis à própria retórica, o que no país é caso de cadeia.
Para além do discurso conservador de inúmeros brasileiros, há aqueles que acreditam verdadeiramente que a moradia é um direito fundamental garantido na Constituição, caso da Ocupação Lanceiros Negros, em Porto Alegre/RS. O nome Lanceiros Negros faz menção aos ex-escravizados, lutadores ao lado da República Rio Grandense contra o Império brasileiro, no século dezenove, durante a Revolução Farroupilha.
No centro da cidade há um enorme prédio, abandonado pelo Estado há mais de dez anos, que se tornou recentemente a moradia de 75 famílias, além de ser o espaço que compartilha vivências de resistência e cooperativismo para toda a cidade e arredores através de diversos eventos culturais.
Nesse tempo de ocupação houve apoio, mas também ataques. O Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), através da Frente Povo sem Medo, relatou a afronta realizada por um pequeno grupo de fascistas, através de uma pixação a favor de Jair Bolsonaro. Essas pessoas, representantes da direita mais reacionária, mostram o ódio ao povo pobre. Ora, atacar famílias Sem-Teto é nada menos que defender a periferização, o racismo, a violação dos Direitos Humanos.
Às 6h de 24 de maio de 2016, alguns dias depois do aniversário de seis meses da Ocupação, são o horário e data marcados para a reintegração de posse. Já na meia-noite do mesmo dia estava previsto o fechamento das ruas do entorno, mas há relatos de apoiadoras e apoiadores que não conseguiram acessar o local desde às 22h do dia anterior. Essa decisão arbitrária acontece justamente no período do ano de concentração de frio e chuvas, em que as pessoas que residem em áreas de risco, em sublocações, ficam à mercê de todo tipo de intempéries. Direito à moradia é caso de brigada militar no Rio Grande do Sul, e os poderes parecem pouco preocupados com as mulheres, homens, gestantes, crianças, idosas e idosos abrigados na Ocupação – além disso, conforme foi denunciado nos últimos protestos contra o governo golpista do presidente interino Michel Temer, amplamente reprimidos na capital gaúcha, os direitos são tratados por aqui não com políticas públicas, mas com cassetetes e bombas de gás lacrimogênio. Tudo isso, porém, há de não ser o suficiente para afugentar os que insistem em batalhar por habitação e dignidade. Resista, Lanceiros, pelo poder popular!
Foto: Ocupação Lanceiros Negros – MLB – RS