12 de outubro – celebrar a luta dos povos

Por Elaine Tavares.

Ali estavam os arawaks, com suas vidas abyayálicas, cuidando de recolher frutas ou pescar. Viviam tranqüilos nas ilhas hoje chamadas de Caribe. Naquele 12 de outubro de 1492 viram assomar no horizonte os navios, e esperaram na praia. Contam os próprios cronistas de Colombo que eram gente dócil e gentil. Receberam os estranhos com curiosidade, embora sem medo. Mas, o brilho do ouro em alguns adornos selou seu destino. Era o metal precioso que os viajantes vinham buscar. É o que comprova a carta enviada por Colombo ao rei de Espanha: “E eu estava atento, me esforçando para saber se havia ouro, e vi que alguns traziam um pedacinho pendurado num furo que têm no nariz e, por sinais, consegui entender que indo para o sul ou contornando a ilha naquela direção, encontraria um rei que tinha grandes peças disso e em vasta quantidade”. Colombo acreditava ter chegado às Índias e as novas viagens foram de exploração do interior, sempre na caça do ouro. Desde aí, a história da chegada dos europeus ao nosso continente formam páginas e páginas de destruição, saque e morte.

Tanto na região do Caribe, que logo nos primeiros anos viu desaparecer grande parte dos povos originários, quanto no México, depois América Central e do Sul, a invasão só teve um propósito: a rapinagem das riquezas. Civilizações foram destruídas, culturas apagadas. A religião católica foi imposta, as pessoas eram consideradas criaturas sem alma e a escravidão passou a ser naturalizada. Se os “índios” não eram gente, logo, não havia problemas com fazê-los instrumento de trabalho. E assim foi. Deles assim relatou Colombo: “serão bons vassalos, já que os índios não são gente capaz de fazer alguma coisa, mesmo premeditada”.

Colombo estava errado, houve reação, mas só quando era tarde demais. Os primeiros porque eram dóceis e hospitaleiros, outros porque esperavam deuses e outros porque pensavam ser possível a convivência pacífica com outros, diferentes. O resultado foi todo um modo de vida destruído, quando não povos inteiros eliminados da face da terra.

Hoje, passados mais de 500 anos desse triste dia, os povos autóctones que sobreviveram ao massacre procuram lembrar a resistência que seus antepassados ofereceram, as lutas por libertação, a manutenção de suas crenças e modos de vida, ainda que solapados pelos invasores. Era coisa tão forte que ficou ali, latente, sempre assomando vez em quando. No início deste milênio, as lutas indígenas começaram a aparecer com muita força e unificadas. Foi-se formando um movimento de retomada das línguas, da religiosidade, da maneira de organizar a vida. Algumas comunidades lograram mudar até a Constituição de países sempre dominados pelo mundo branco. Foi o caso da Bolívia e do Equador. Apareceu o Estado Plurinacional, a revolução cidadã, a revolução cultural, reforçou-se a idéia do sumak kausay, o bem viver. Mesmo na região dos Estados Unidos, onde as comunidades autóctones sofreram os maiores baques nos séculos 18 e 19, o movimento indígena cresceu e fez-ouvir.

Por isso que agora no 12 de outubro, os povos fazem jornadas mundiais  de luta, até porque, grande parte desses movimentos que envolvem os indígenas está visceralmente ligada à idéia de harmonia com a natureza, de proteção do ambiente, em defesa da água e dos recursos naturais. Ou seja, as demandas indígenas podem ser também as demandas de toda a gente.

Então, por todos os cantos da América Latina as pessoas saem às ruas para protestar. E não é um protesto ritual, folclórico. Mas uma ação massiva e determinada (ou premeditada, para desespero de Colombo) contra o sistema capitalista de produção,  que tem na sua natureza a marca da destruição e da opressão. O 12 de outubro é um momento político único em Abya Yala (as três Américas), de rebelião e de esperança. Cada país centraliza o movimento na sua pauta conjuntural, mas por todo o continente se espraiam as lutas, as marchas, os gritos.

No Brasil, as lutas relacionadas ao 12 de outubro acontecem no 7 de setembro (Grito dos Excluídos), já que esta é também uma data muito significativa para o país (a independência de Portugal). E, ao contrário dos demais países da América Latina que, nesse dia afirmam sua condição autóctone, soberana e original, o Brasil reverencia a padroeira Nossa Senhora Aparecida, sendo, inclusive, feriado nacional.

De qualquer forma, pelos caminhos da América (Abya Yala) andam as gentes a sussurrar segredos, histórias antigas de tempos remotos quando eram livres. E, como dizem os astecas, as palavras criam pernas e começam a andar. É por isso, talvez, que desde que esses movimentos começaram, lá na década de 90 do século passado, tantas conquistas vieram.

Nesse 12 de outubro convido a todos para essa reflexão. Que se rendam glórias à santa negra do Brasil, memória sincretizada da religiosidade do povo que veio escravo da África, que se brinque e pule feito criança, mas, que também se encontre um tempo para irmanar com a luta dos demais povos que lutam nesse espaço de terra que é de todos nós.

 

Viva o dia de luta dos povos de Abya Yala!

 

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