Os trabalhadores catarinenses, através de suas centrais, e com a coordenação política e técnica do DIEESE, iniciaram nesta semana mais uma campanha pela correção monetária dos pisos salariais catarinenses. A negociação dos pisos, pela abrangência e capilaridade que tem, acaba se tornando uma referência para as demais negociações no Estado. Quando os pisos foram implantados, em janeiro de 2010, ao longo daquele ano, a nossa estimativa foi a de que eles impactaram, direta ou indiretamente, a renda de 1 milhão de trabalhadores. Se hoje a população catarinense está em torno de 7,2 milhões, dá para imaginar o significado que teve o referido impacto há 11 anos atrás.
Existem pisos estaduais somente em cinco estados da federação (os 3 do Sul, RJ e SP). No entanto, possivelmente só em Santa Catarina há, todo ano, um sistemático processo de negociação, com várias rodadas, argumentos de ambos os lados, e um razoável envolvimento dos trabalhadores. Na saga para a implantação dos pisos (que já tem 14 anos, começou em 2006), os patrões se posicionaram completamente contra, fazendo de tudo para os trabalhadores não terem êxito. Em 2009, inclusive, a Confederação Nacional do Comércio entrou com uma ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade) na Justiça contra a lei que implantou os pisos. O Supremo Tribunal Federal, indeferiu o pedido do patronal e considerou constitucional a lei de Santa Catarina. Vale observar que o empresariado até hoje resiste contra o Salário Mínimo, que começou a ser pago em 1940. Por que não seria contra os pisos estaduais?
A luta dos pisos é muito mobilizadora porque atua no cerne do problema da distribuição da riqueza produzida. É muito mais fácil um conservador apoiar algo genérico como “liberdade” ou “democracia”, do que uma luta concreta para melhorar a renda e a vida da maioria da população. A implantação dos pisos, e sua atualização todo ano, disputa diretamente uma maior fatia do bolo de riqueza produzida, daí o esperneio do empresariado, até hoje.
Os empresários alegavam no início (fazem até hoje) que a lei dos pisos tem pouca importância, porque a maioria dos salários em Santa Catarina está “bem acima” dos pisos. Portanto, o reajuste nos pisos pouca influência teria sobre o conjunto da massa salarial em Santa Catarina. Esta hipótese desmascaramos na prática, com um argumento muito elementar: “já que os salários catarinenses estão “bem acima” do valor dos pisos, não há, então, problema em implantá-los, visto que não influenciarão a política salarial praticada nas empresas”.
Os dados práticos também desmontaram aquela hipótese empresarial. No ano em que os pisos foram implantados (2010) houve categorias que tiveram até 40% de aumento nos seus pisos. Sabemos que um aumento no piso desloca a escala salarial para cima porque o trabalhador, cuja remuneração está logo acima do piso, irá desejar aumentar o seu salário também. O mesmo fenômeno ocorre quando o salário mínimo tem aumentos reais.
A luta dos pisos também nos mostrou na prática, em batalhas muito concretas e diretas, a serviço de quem o Estado capitalista está. Por exemplo, o governo do Estado, a quem cabia a atribuição de encaminhar o projeto à Assembleia Legislativa, apenas enrolava os trabalhadores, adiando permanentemente o envio do projeto. Em função disso, em 2009 organizamos uma campanha de coleta de assinaturas em todo o estado, visando obter o 1% necessário a um Projeto de Emenda Popular. O movimento sindical foi extremamente exitoso na empreitada, obtendo mais do que as 50.000 assinaturas mínimas necessárias, o que viabilizava o projeto de Emenda Popular, via ALESC. Às vésperas de entregarmos oficialmente as cinquentas e tantas mil assinaturas coletadas, na Assembleia Legislativa, o governador, pressionado, encaminhou o projeto de lei.
Uma campanha salarial representativa é sempre um rico processo de aprendizado. Com a luta pela implantação dos pisos, aprendemos na prática o que já sabíamos em teoria: no Brasil, assim como em toda a América Latina, o povo é muito pobre. A chave principal da pobreza (e do seu enfrentamento) no Brasil está no mercado de trabalho: além da taxa dramática de desemprego e subemprego, os salários são muito baixos. Como o Brasil tem muita desigualdade regional, Santa Catarina tem uma situação melhor do que a média. É o estado, por exemplo, que tem a menor taxa de pobreza da federação. Mas os salários são tão baixos quantos os do restante do Brasil, com pequenas diferenças.
Se a negociação dos pisos foi importante há 10 anos, com o golpe de 2016, e a consequente destruição de direitos, hoje ela é ainda mais fundamental. Os pisos catarinenses, nos primeiros anos de existência, surfaram na política automática de reposição do salário mínimo. Como o salário mínimo aumentava conforme a variação do PIB (e a economia estava crescendo), e os pisos estaduais deveriam manter uma distância do salário mínimo (até para ter razão para existirem), os pisos catarinenses andavam no vácuo do salário mínimo e sempre tinham ganhos reais também. Mas isso acabou. Bolsonaro liquidou a política de reajuste automático do salário mínimo, obtida pelas centrais sindicais em negociação com o presidente Lula em 2006.
O que já perdemos de direitos neste período de vigência dos pisos, significa uma verdadeira tragédia. Não é figura de linguagem dizer que o golpe de 2016 veio para colocar os direitos sociais e sindicais no século 19. Não se trata de uma metáfora, eles estão liquidando os direitos, em escala industrial. Neste contexto, as dificuldades na campanha salarial dos pisos irão aumentar, o que exigirá inteligência estratégica e uma ação dos trabalhadores desenvolvida com força de vontade e “sangue nos olhos”.
José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.
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