“Wakanda é na Europa” : Daniela Mercury mostra que homenageia, mas não escuta os negros

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Nobre vagabundo é uma das músicas que mais gosto de cantar no Karaokê. “Respirar o amor, aspirando liberdade.”  Daniela Mercury canta muito e dança impecavelmente. Também tenho acompanhado com muito entusiamo seus posicionamentos políticos, defendendo sem medo seus ideais como representante da comunidade LGBTQ+. No entanto, quando eu ouço as canções em homenagem à minha etnia, aí, eu já não gosto muito.

Eu já tinha uma certa antipatia com a música o Canto da Cidade por motivos óbvios, mas depois do blackface em homenagem a Elza Soares, aí virou ranço mesmo (com a arte, não com a pessoa, visto que não a conheço).

Foto: Reprodução – Correio Nagô

É preciso entender o impacto das músicas populares na perpetuação do racismo estrutural ( O seu cabelo não nega, mulata) , da apropriação cultural (NegaLora da Cláudia Leitte) e no caso da Mercury, de colocar em suas letras absurdos como em sua última canção Pantera Negra Deusa, em homenagem à Wakanda (minha nossa senhora do Vibranium!) e ao Ilê Ayê.

Em uma leitura semiótica rápida, dá a entender que a deusa de Wakanda…. é ela mesma. 

Veja alguns trechos que mostram pelo teor das letras, uma gritante ignorância sobre comunidade negra, do ponto de vista político e social. 

E o Brasil nasceu da África,
Tua mama

Não nasceu. E os indígenas que estavam aqui?  Valorizar uma cultura invisibilizando a outra?

E o Brasil é preto
E o branco é preto
É negão!

Branco é preto? Really? Vocês sabem o quão perigoso é para crianças negras sairem cantarolando essa poesia da democracia racial poética da Daniela Mercury? Branco é branco e preto é preto. O que é feio é o racismo.  As diferenças, a diversidade, a pluralidade são riquezas da humanidade.

E vamos para parte que faria T’chala sair de Wakanda  e ir a Salvador para perguntar “qual é?” para “Rainha do Axé”.

Diga diga diga onde é wakanda

(…) 

Wakanda é Bahia
Portugal sul e norte
Da América

Wakanda é na Europa, na Ásia
Na índia, na Portela

Cara gente branca, bem intencionada e de bom coração, não fale sobre Wakanda em sua arte. Wakanda foi feito dos pretos para os pretos. Eu fiquei ofendida com essa ideia de Wakanda é na Europa. (mesmo que ela esteja falando da diáspora, ainda assim é ruim)  Ou a Daniela não viu o filme, ou não entendeu. Se ama tanto a cultura negra, deveria ter estudado o projeto do filme que foi mais que uma obra do cinema, foi um movimento cultural negro e revolucionário com intensa valorização da África e da negritude.  E não sou eu quem estou dizendo, é o próprio diretor Ryan Kyle Coogler, em entrevista à IndieWire:

“Porque, na minha cabeça, passei a maior parte da minha vida me perguntando sobre minha ascendência e de onde eu venho, de onde tudo isso vem. Não há registros. Eu não posso simplesmente pular em algo e ir todo o caminho de volta e descobrir minha ascendência, então é muito importante para mim que Wakanda sempre tenha esses registros. Não há um africano em Wakanda que não possa descobrir quem eles eram, de onde eles vieram, por milhares de anos. E eu dei a eles a única coisa que nunca tive”. Wakanda é sobre onde viemos, não sobre onde fomos  parar de forma involuntária e violenta.

A “Rainha do Axé” não leu sobre ou apenas não se importou com o processo de criação do filme Pantera Negra. A culpa é daqueles que validam a voz de uma mulher branca descendentes de italianos, como a voz da negra cidade de Salvador. Ela pode ajudar a dar visibilidade, mas não pode sair cantando e dançando como se fosse preta. Ela não é.

Sou paulista, não posso falar sobre os negros baianos. Há amigos no clipe da música e não tenho nada contra os negros que participam do processo ( e eles estão lindos), mas Daniela Mercury é a rainha do clipe sobre Wakanda. Daniela dança de dreasds, roupas afro, entra da água, sai da água como se fosse Iemanjá, reverencia os fundadores do Ilê, mas ela é o centro das atenções.

Ainda sobre as letras, ela ainda fez uma versão da música Pantera Negra, com a dupla italiana I Koko, que fez um versão da canção Swing da Cor para novela…..Segundo Sol (da Bahia branca que revoltou a comunidade negra).

Quer homenagear Wakanda?  Entenda o porquê do filme, sua concepção a simbologia do filme para os negros e negras do planeta.  Mostre como  protagonistas dos seus trabalhos audiovisuais pessoas negras. Reveja a posição de ser a branca de dreads na imensidão dos “negros maravilhosos”. Quer valorizar a negritude do povo baiano, que tal mostrá-los sem ter você aparece dançando com roupa africana entre eles?

Estudar sobre a nossa beleza e não sobre as nossas dores, mostra que você convive com negros, mas não ouve o que eles dizem. Mulheres negras escrevem críticas, mas o importante é beleza negra, certo?

Wakanda também é Bahia, é o Ile Ayê ( que inclusive significa Mundo Negro em iorubá). Essa é única mensagem da música que faz sentido para mim.

1 COMENTÁRIO

  1. Meu caro movimento negro, vamos parar de aplaudir a indústria cinematográfica branca? Critica Daniela Mercury mas paga pau para uma indústria em que praticamente só tem branco no alto escalão? Wakanda é representatividade? Um reino que só se importa com seu vibranium e caga para as mazelas que o povo negro sofre no resto do mundo? Onde estava Pantera Negra quando o nazismo dizimou negros? Onde estava o Pantera Negra quando colonizadores tomaram os negros como escravos? Onde estava o Pantera Negra no Apartheid? Onde estava o Pantera Negra na segregação racial nos EUA? Wakanda é uma mini representação branca de como um país africano deve se comportar: abrir suas portas para a economia internacional e sentar na mesa dos brancos para negociar. Negros não são revolucionários, são diplomatas como nós brancos, e o que nós brancos fizemos a vocês no passado está no passado, vamos esquecer.
    Indico a leitura desse texto: https://medium.com/@thecinebuzzstop/uma-pantera-negra-de-colarinho-branco-efb2551bfbd5

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