Volver a Mercedes Sosa

mercedes (2)Por Gabriela Antunes.

“Tantas vezes me mataram, tantas vezes eu morri, no entanto eu estou aqui, ressuscitando”, diz a letra da música “Como a cigarra”. Cara de índia e voz de continente oprimido. Abandono, desterro, solidão, pobreza, repressão, exílio e, por fim, esperança. Mercedes Sosa chora suas próprias penas, aflições que coincidem com as de sua gente.

Nascida na empobrecida província de Tucumán, norte da Argentina, filha de um boia fria e uma lavadeira, Haydee Mercedes Sosa tinha pânico de se apresentar ao vivo e confessou em certa ocasião que jamais havia imaginado ganhar a vida cantando. No entanto, tornou-se uma das vozes mais reconhecidas da América do Sul.

Abandonada pelo primeiro marido, perseguida pela ditadura militar, proibida de cantar em seu país e exilada, “La Negra”, como era chamada, jamais abandonou a militância política. Comunista, passou boa parte de sua vida brigada com a religião, mas perto das causas políticas e dos “povos originários”, os indígenas de que a Argentina, muitas vezes, parece negar a existência.

“Eu sei o que acontece comigo. Minha voz é um consolo para muita gente. Eu me dou conta disso, mas não foi assim para mim”, conta a cantora no documentário “Mercedes Sosa, La Voz de Latino América”, idealizado por seu filho Fabián Matus e dirigido por Rodrigo Vila, que estreou nesta quinta-feira na Argentina.

Foi “La Negra” que levantou a bandeira do folclore latino, com raízes na região argentina de Mendoza, um dos três lugares onde se espalharam suas cinzas depois de sua morte.

Parte fundamental do movimento Nuevo Cancionero, Mercedes renova o cenário musical argentino em um ritmo nascido no bojo do povo que padece de fome e esquecimento. Com forte relação com os movimentos musicais brasileiros, se une a Chico Buarque, Caetano Veloso e Milton Nascimento interpretando canções que fizeram história na década de 80. E, é também nesta época que Mercedes se transforma num símbolo da luta pela liberdade. Não é a toa que a volta da “Negra” à Argentina em 1982 é considerada o prenúncio da democracia.

Mercedes Sosa, revisitada no documentário de Vila, é um reencontro com “La negra” vista de perto por familiares, amigos como Chico Buarque, David Byrne, Charly García, Pablo Milanés, Milton Nascimento, Fito Páez, Isabel Parra e principalmente por si mesma.

Quando Mercedes se foi deste mundo, deixou centenas de hinos para os exilados e malogrados não só de seu país, mas também para a massa renegada de todo o continente. “Mãe, a liberdade sempre a levará dentro do coração, não pode ser corrompida, não pode ser esquecida, ela sempre estará”, cantava La Negra.

Gabriela Antunes é jornalista e nômade. Cresceu no Brasil, mas morou nos Estados Unidos e Espanha antes de se apaixonar por Buenos Aires. Na cidade, trabalhou no jornal Buenos Aires Herald e mantém o blog Conexão Buenos Aires.

Fonte: Blog do Noblat

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