Versos e Resistência: Como a resistência aparece nos espaços públicos no país e em Florianópolis.

Por Madu Silva e James Ratiere

Ao longo de todos os anos as pessoas sempre se expressaram de diferentes formas para lutar normalmente contra o governo. As maneiras de se expressar em algumas vezes acontece pela arte, ou seja, através de letra de músicas, teatro, cinema, intervenções na cidade e poemas, além de outras. Aqui no Brasil, a produção artística da época da ditadura no país ecoa e é referenciada até hoje. Caetano, Gil, Geraldo, Bethânia, Gal. Teatro de Arena, Teatro do Oprimido. São grandes exemplos.

Desde que a arte começou a ser usada como resistência, o preconceito esteve ali, e atualmente ainda é assim, é possível perceber quando a batalha das minas acontece pelo centro de Florianópolis.

Um beatbox começa e a apresentadora da noite grita “batalha das minas é a nossa essência, o que significa?” e as pessoas ao redor gritam de volta “RESISTÊNCIA”. E então a batalha vai começar.

A Batalha das Mina foi criada em janeiro de 2016 com a intenção de dar maior visibilidade na cultura de rua feminina, visando a união e a paz entre elas e as pessoas que queiram participar do rolê. As batalhas sempre são sobre conhecimento, ou seja, a ideia é que cada MC tente expor da melhor maneira sua opinião sobre um assunto sugerido pelo público. Os assuntos são variados: feminismo, aborto, união feminina, universidade pública, lesbofobia, feminicídio e vários outros temas que a platéia vai escolhendo.

Foto: James Ratiere

Uma lista é feita pela apresentadora da noite com as minas que querem batalhar, o número de mc’s – como são chamadas as minas que participam da batalha sempre vai depender do público presente, ou seja, pode haver apenas seis, como também pode ter oito mc’s. O importante que qualquer pessoa que tiver interesse pode participar, e deve ser um número.

Na noite de sábado (17), participaram da batalha, seis minas, a Clandestina, a Periférica, a Puta, a Berra, a Cyara e a Koi sa. Após a coleta dos nomes é feito um sorteio pela apresentadora, para então formar a batalha, com duas participantes ou seja “mano a mano”, e cada mc tem 30 segundos para fazer a rima, que é dividida em 3 rounds. Ou seja, quem vence duas está classificado para a próxima posição da chave, e é o público quem decide qual rima foi a melhor. Por exemplo, no sábado o primeiro confronto foi entre a Clandestina e a Periférica. No primeiro round deu Clandestina, no segundo Periférica e no terceiro, novamente a Periférica então, por dois rounds a última foi a vencedora e se classificou para a próxima rodada, e ganhou como prêmio um bloco de anotações personalizados e ingressos para um show que aconteceriam no dia 23 e também um curso de discotecagem com a Dj Brum.

Foto: Madu Silva

Tradicionalmente, após a vitória na batalha da noite, a MC leva para casa a chave de confrontos do evento (é produzida ao longo das batalhas e a arte é sempre diferente). Vale lembrar que em algumas batalhas, é possível que além da chave da noite, a vencedora leva algum prêmio que foi doado por alguém. No dia 17 quem ganhou a batalha foi a Periférica, que além da chave, levou ganhou um bloco de anotações personalizados e ingressos para um show que aconteceriam no dia 23 e também um curso de discotecagem com a Dj Brum.  Após anunciar a vitória, abre-se um espaço para poesia chamado “A rua declama” onde qualquer pessoa pode declamar um poema, escrito por si ou por outra pessoa.

Normalmente assim como a batalha, os poemas falam sobre resistência, em relação ao sistema capitalista, sobre o papel da mulher na sociedade, liberdade, sistema da universidade, entre outros. O curioso de sábado foi uma criança, com uns 11 anos, que declamou um poema sobre ditadura, racismo, antifascismo e ainda falou sobre o atual presidente Jair Bolsonaro.  Além do “A rua declama”, existe o freestyle, que são versos improvisados na hora que falam sobre a primeira coisa que vem a mente de quem entra na roda e topa participar, no freestyle não é necessária a inscrição prévia.

As minas que se encontram todo sábado independente do tempo, seja ele sol ou chuva, frio ou calor. Fazem parte das 13 Batalhas de RAP e 5 Slams de poesia que acontecem na região de Florianópolis, que buscam sempre aumentar e fortalecer a cultura de rua independente, encorajando e empoderando mulheres, cis e trans, e homens trans a se sentirem confortáveis em ocupar a rua com seus corpos, suas rimas, poesias, e arte.

Foto: James Ratiere

Silviane Lopes da Silva, ou como é conhecida nas batalhas “Puta”. Começo a frequentar as batalhas a mais ou menos um ano e meio, soube da existência pela filha que já conhecia desde o início. Batalhou pela primeira em maio de 2018 e atualmente, sempre está pelas batalhas quando pode. Possui 6 vitórias em sua trajetória, sendo que cinco foram na da Costeira e uma na batalha das Minas que ela considera de maior orgulho. Ela falou sobre a importância que a batalha tem para a cidade “que os jovens possam ter este espaço para trocar ideia” e para ela como participante “além de aprender muito com as minas, existe a troca de experiência”. Para ela

“Resistência é saber que mesmo julgadas, rechaçadas, excluídas do que a sociedade impõe como padrão, as pessoas sabem o valor que tem, e não vão aceitar imposições e limites, resistência é luta por liberdade”.

Além de ter visto a batalha pelo centro, você já deve ter trombado algum dia nas redes sociais com um vídeo de alguém declamando um poema, algo forte, algo que mexeu com você, e se tem alguns privilégios, deve ter engolido a seco sentindo aquelas palavras descerem pela garganta. Já ouviu falar de Mel Duarte, Luz Ribeiro, Roberta Estrela D’Alva, Naruna, Rafa Nunes e outros? Essas pessoas tiveram contato com Slam, mas o que significa e onde surgiu esse movimento?

O Slam surgiu nos anos 80 nos EUA, ao mesmo tempo que a cultura hip hop ia tomando forma, na cidade de Chicago reuniam-se um grupo de dez artistas num bar de Jazz, Poetry Slam, batida de poesia, nasceu desses encontros, a palavra slam é de origem inglesa é o sonoro de uma batida de janela ou porta, usada com o mesmo intuito de “pá” pra nós brasileiros.

Foto: Madu Silva

Aqui no Brasil o movimento surgiu nos anos 2000 trazido por Roberta Estrela D’Alva, uma das mais famosas slammers do país que hoje está a frente do programa Manos e Minas na TV Cultura. Hoje existem cerca de 80 grupos espalhados pelo país e em São Paulo se concentra a maior quantidade de Slams, como Zap! Slam das minas-SP e o Slam da Guilhermina. Em dezembro de 2017, o Sesc Pinheiros, na capital, recebeu a competição nacional Slam BR 2017.

A competição consiste em apresentações de até três minutos, diferente das batalhas os slammers não tem batida pra acompanhar seus versos autorais, que podem ser escritos previamente ou de improviso, não há regras sobre o formato da poesia. Os jurados dão notas de 0 a 10 até chegar ao vencedor da competição que passa para próxima etapa.

Slam das Minas -SP

Um dos movimentos de Slam mais conhecidos no estado de São Paulo é o Slam das Minas que nasceu em Março de 2016 no mês da Mulher, uma das fundadoras Carol Peixoto conta que foi logo após o contato com o Slam do Distrito Federal, que foi o primeiro no Brasil ocorrido em 2015, e o intuito de organizar essas batalhas foi a constatação que mulheres tinham pouco espaço e visibilidade no Slam BR, junto com Luz Ribeiro, Mel Duarte, Pam Araujo e mais alguns agitadores culturais Carol fundou em São Paulo o movimento que hoje tem 39 mil seguidores na página do Facebook.

Além do Slam das Minas Carol também é fundadora do Poetas Ambulantes, coletivo que leva poesia nos metrôs e ônibus da capital paulista. Filha de escritora e irmã de um poeta, Carol teve contato com a escrita desde nova, onde lia poemas de amor e tentava reescrever em cima dos versos os seus próprios. Conheceu o Sarau da Coperifa com o irmão e não deixou mais de participar, depois de algum tempo frequentando o Sarau, a pedagoga aposentada como ela mesma diz, começou a escrever seus próprios versos, que com o tempo amadureceram, e a partir de uma Virada Cultural onde viu a cracolândia, Carol ficou em choque com as realidades opostas em sua frente, pessoas felizes na virada, curtindo e na outra rua centenas de usuários naquela realidade. A partir daí esses versos tornaram-se mais políticos mostrando.

“A gente ouviu muita história, a gente fortaleceu várias manas que hoje vivem de poesia e começaram no Slam, eu acho que tem essa importância no fortalecimento das mulheres né”

Mulheres poetisas

Quando falamos sobre poesia, alguns nomes de poetas surgem quase que instantaneamente, resgatados por nossa memória. Encontramos em nossos arquivos nomes consagrados de nossa poesia, como Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Mario Quintana, Castro Alves, Augusto dos Anjos, entre tantos outros que nos ocorrem, não é verdade? Contudo, é curioso observar a predominância de nomes masculinos, como se fazer poemas fosse exclusividade dos homens.“quando eu estudava, raramente ouvia um poema de mulher” é o que diz a estudante e poetisa Bruna Barreto que faz poesia mesmo antes de saber o que era poesia.

Vale destacar que a Poesia é o quinto gênero na preferência dos leitores, com 28%, inferior apenas à  leitura da Bíblia, dos Livros Didáticos, do Romance e da Literatura Infantil, embora tais interesses sejam também concomitantes. As mulheres lêem mais Poesia (32%) do que os homens (22%). Mas devemos atentar para o fato que a maior faixa de leitores se situa entre os estudantes de 5a. a 8a. séries (35%) enquanto que o nível mais baixo (21%) corresponde aos de nível superior, o que pode levar a crer que se deve às atividades literárias em sala de aula (dados obtidos pelo Google Analytics)

Bruna, 22 anos, mulher negra lésbica e pobre começou sua história nos poemas assim que aprendeu a escrever, aos sete anos de idade, na maioria das vezes declarando amor a mãe, nunca deixou de escrever, sempre, “eu escrevo poesia muito antes de saber o que era poesia”. Conta que quando nova escrevia para sua mãe, porém mais tarde escrevia para si mesmo e as guardava, até que um dia foi convidada a participar do Fazendo Gênero na UFSC e recitar um poema chamado Madalena que conta a história dessa mulher negra, vista pela sociedade como objeto sexual, com dificuldades como ter que trabalhar desde criança, conhecendo uma realidade muito dura, realidade que muitas pretas enfrentam ainda hoje. O poema, foi feito no mesmo dia da apresentação, e minutos antes de começar terminou. A partir daí, recebeu diversos convites para para participar em eventos da UFSC e fora dela, como semanas acadêmicas e inclusive participou de um CD recentemente.

A resistência que está presente em todos os seus poemas, inicialmente começou com o racismo, sobre a desigualdade entre outras coisa.Quando se assumiu lésbica, seus poemas eram sobre a sua vida de mulher, negra, pobre e lésbica. “tudo começou com o poema para mãe e hoje é sobre resistência”. Com a rotina da graduação que têm grade de horários com períodos integrais, perdeu um pouco a frequência de escrever diariamente, “eu escrevo mais quando me convidam e escrevo a poesia de acordo com o que vai ser abordado no evento”. Quando vai se apresentar em público ela busca em seus poemas, falar o que as pessoas não gostam de ouvir em relação aos preconceitos presentes na sociedade.

“Tudo o que eu quero dizer, eu tento falar através da poesia, e de uma forma simples que é pra todo mundo entender o que tá se passando”.

Na primeira vez em que declamou um poema em público, Bruna escreveu ele minutos antes de se apresentar. O texto se chama Madalena e é baseado no relato de uma mulher, chamada Diva. Ela teve uma educação em que ser preto era o mesmo que ser sujo e que precisa mergulhar em um lago para ficarem brancos, e ela quis mostrar isso para as pessoas. E mostrar esse poema é uma forma de resistência de uma mulher negra, lésbica e pobre de não esconder quem ela é e seguir firme e lutar contra a sociedade que é machista, racista, homofóbica.

A poetisa e atriz Morena  Lopes que encontrou a poesia muito cedo também, em sua família, sua tia é escritora, escreveu um livro chamado Mil linhas. Ela começou a escrever seguindo a exemplo de sua família, mas nem ela nem ninguém da família levou a escrita como profissão. A escrita está sempre com ela, porém existem fases, na atual ela é mãe de uma criança de três anos, o que bloqueia um pouco a escrita “eu me sinto um polvo, com vários braços fazendo muitas coisas ao mesmo tempo”.

Morena conta que “a poesia é um grito, é um uivo, é um pedido de socorro para nossa alma”. Quando tinha mais ou menos uns nove anos, seus pais se separam, e a mãe dela encontrou apoio em um “mundo mais místico” com búzios, cartas,  runas, baralho e como ela apoiava sua mãe, começou a fazer parte deste mundo

“eu me fascinei, adorava tirar cartas, tirava carta de bauzinho, e eu adora, esse mundo de lidar com o acaso de conversar com o grande mistério”.

Quando descobriu a poesia, tudo fez sentido, conta que a poesia propõe um diálogo com a alma e que a resistência se encontra com as palavras, que formam um grito.

O que é poesia para Clarice Sabino?

O que é poesia para Morena Lopes?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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