Venezuela de Maduro

Maduro na possePor Raquel Moysés*.

Com mais de 270 mil votos de diferença para o segundo colocado, Nicolás Maduro Moros, do Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV),  venceu as eleições de 14 de abril de 2013, tornando-se o primeiro presidente chavista da ‘República Bolivariana de Venezuela’.  De maquinista do metrô de Caracas a dirigente sindical dos metroviários, deputado, presidente do parlamento e ministro,  o novo presidente alcançou um resultado eleitoral não desprezível. Principalmente tendo em conta que, mesmo indicado pelo comandante bolivariano como seu herdeiro político, Maduro também competia com a própria figura mítica de Chávez, ainda mais forte com a transfiguração emocional  provocada pela morte.

O resultado das urnas revelou avanço da direita, que contou  provavelmente com  votos  de convertidos pouco confiáveis  e eleitores que  preferiam outro candidato em lugar de Maduro.  A margem da vitória do primeiro presidente chavista foi inferior aos resultados eleitorais de Chávez, mas nada irrisória, como alguns querem fazer crer. Quando a diferença entre candidatos é insignificante, em países como os Estados Unidos, por exemplo, as eleições são reconhecidas como legítimas e não se coloca sob suspeição o presidente eleito, como fez o candidato perdedor, Henrique Capriles Radonski, apoiado pelo governo estadunidense em sua exigência de recontagem dos votos.

Maduro ganhou as eleições com  uma margem de 50,66% do total de preferência dos eleitores  (7.505.338 votos) contra 49,07 (7.270.403) do candidato Henrique Capriles, da  Mesa de la Unidad Democrática (MUD).  Capriles  sofreu sua segunda derrota em seis meses, pois perdera para Chávez, reeleito em outubro de 2012  pela terceira vez,  com 54,42% dos votos contra 44,97% do opositor.

Depois de anunciado o resultado pelo  Consejo Nacional Electoral (CNE), Nicolás Maduro declarou, do Palacio Miraflores, que a resposta das urnas configurava um triunfo “legal, justo e constitucional”.   Capriles, no entanto, não reconheceu a vitória do oponente e atiçou confrontos violentos  nas ruas: oito  mortos,  mais de 60 feridos e cerca de 170 detidos pelos  distúrbios.

Segundo o governo venezuelano, entre os mortos e feridos a maioria era de militantes e apoiadores chavistas, que foram  atacados em sedes do PSUV,  em Centros de Diagnóstico Integral (centros de saúde) e em supermercados da rede estatal (Mercal),  criados durante o governo de Chávez.  Maduro responsabilizou Capriles pela violência desencadeada no país depois que  ele colocou  em dúvida o resultado eleitoral e pediu recontagem dos votos, partindo imediatamente para a confrontação nas ruas com manifestações e panelaços. Denunciou também a embaixada dos Estados Unidos de financiar grupos à frente das agressões.

Proclamada a vitória,  Maduro  já declarara   ter solicitado ao CNE a realização de uma auditoria, “para que não restasse qualquer dúvida quanto aos resultados eleitorais.”  Às vésperas de sua  posse,  o órgão eleitoral venezuelano anunciou que   irá  auditar   46% dos votos,  pois 54% da verificação já foi  realizada no dia das eleições,  como determina a lei eleitoral venezuelana. Tibisay Lucena, que preside o CNE, afirmou, em rede nacional de rádio e TV,  que  tal decisão é para “preservar um clima de harmonia entre os  venezuelanos  e  isolar setores violentos  que buscam lesionar a democracia.”

Ao contrário do que ocorre no sistema brasileiro de votação, a urna eletrônica na Venezuela emite um comprovante de voto, depositado em segurança depois de ser conferido pelo eleitor para verificar se o que está registrado corresponde à sua opção.   Após o  encerramento das eleições, 54% das caixas sigiladas são sorteadas e submetidas a uma  auditoria.

Para diversos analistas, a estratégia de Capriles estava evidente no dia das eleições, antes mesmo que fosse contabilizado o primeiro voto. No twitter, ele já denunciava que o candidato chavista iria “roubar” a eleição. Seu estratagema era de apresentar Maduro ao mundo como um presidente ilegítimo. Reação que em nada surpreende, como avalia o intelectual argentino Atílio Boron, em seu artigo ‘Maduro:una victoria necesaria’:  “Isto é o que recomenda para casos como este o manual de procedimentos da CIA e o Departamento de Estado (dos Estados Unidos) quando se trata de deslegitimar um processo eleitoral em um país cujo governo não se submete aos ditames do império.”

A atitude de Capriles é coerente com sua biografia.  O opositor de Maduro teria estado envolvido no golpe de Estado de abril de 2002, que tentou sem sucesso derrubar Chávez do poder. Ele é visto por boa parte da população como um milionário, distanciado do povo.  Militante juvenil do ramo venezuelano da organização católica Tradição, Família e Propriedade, há notícias de que também pertenceria à Opus Dei. Em 2009, já governador de Miranda, foi denunciado por membros do PSUV por suposta evasão de impostos e corrupção.

Na sua empreitada classificada como “golpista”, Capriles  foi ficando aos poucos isolado,  pois, com exceção dos Estados Unidos,  o novo presidente venezuelano  recebeu imediato respaldo internacional. Apenas o governo estadunidense declarou, através do secretário de estado John Kerry,   que ainda não decidira  reconhecer Maduro como presidente,  pois aguardava esclarecimentos sobre a recontagem de votos.

Posição no mínimo suspeita para quem não faz o próprio dever em casa. Atilio Boron, no citado artigo, além de dar exemplos de vitórias apertadas na própria Venezuela, que nunca foram contestadas, relembra o  ‘imbloglio’ das eleições do ano  2000 nos Estados Unidos, em que o candidato democrata Al Gore ganhou por 48,4 dos votos contra 47,9% de George Bush. No entanto, por conta de uma fraudulenta manobra no colégio eleitoral da Flórida (em que era governador o irmão de Bush) operou-se o milagre de ‘corrigir os erros’ e, ao final, quem perdeu ganhou a Casa Branca. Boron recorda que,  anos antes, 1960, John Kennedy alcançou 49,7% dos votos, derrotando  Richard Nixon,  que obteve  49.6%. “Uma diferença de apenas 0,1%, pouco mais de 100 mil votos sobre um total de 69 milhões, e o resultado foi aceito sem que ninguém desse um pio.”  

Nos anos de vigência da revolução democrática bolivariana, inaugurada em 1998, o povo venezuelano  votou 18 vezes, e  os  chavistas,  acusados de ditadores pela direita e pela mídia,  sempre passaram pela chancela das urnas. Só perderam eleições duas vezes: no referendum para reformar a Constituição, em 2007 (e por menos de 0,1%),  e nas eleições legislativas de 2010. Sempre acataram os resultados. Inclusive o candidato chavista, que perdeu para  Capriles,  reconheceu a derrota   quando ele se elegeu  governador de Miranda,  por uma diferença de 40 mil votos.

Além disso, as eleições na Venezuela bolivariana sempre  tiveram a presença de observadores internacionais. Entre eles, Jimmy Carter, ex-presidente estadunidense, que referendou a lisura e a qualidade do sistema eleitoral venezuelano.

 

“Revolução dentro da revolução”

 

Ao ser empossado, dia 19 de abril, Nicolás Maduro afirmou sua disposição por mudanças. Anunciou que vai fazer “uma revolução dentro da revolução”, buscando  uma paz estável, com igualdade. Entre suas prioridades, vai estar a luta sem trégua à corrupção,   através de micro-missões, um corpo oficial de investigação anticorrupção.  Para entender quais são as demandas principais do povo, ele adiantou que vai atuar com um Governo de Rua. Quanto a um dos principais problemas já apontados pelos venezuelanos, a insegurança, Maduro garante que vai enfrentá-lo com maior presença da justiça, da polícia e com o desarmamento da sociedade.

Para atuar transformações, vai precisar contar com o apoio da maioria do povo, que teve 14 anos para amadurecer algumas certezas. Para o jornalista Mauro Santayana, “o mais importante legado de Chávez não está em sua política distributiva, mas, sim, no que ela representou na alma do povo venezuelano.”  A imensa maioria do povo, que é  pobre, assumiu a consciência da dignidade como um bem coletivo, e não parece e disposta a renunciar a isso,  analisa o jornalista brasileiro. “Chávez, sendo mestiço, soube falar com a emoção ameríndia. Ele disse aos indígenas, e aos mestiços como ele, que a Venezuela é um bem comum de seu povo, e não colônia estrangeira.”

Agora, Maduro  tem à sua frente seis anos para revitalizar e dar sua direção para a revolução democrática bolivariana.  O herdeiro político de Chávez já anunciara, antes da posse, que sairia em caravana pela Venezuela, na busca de saídas imediatas para os problemas de sua gente. São muitos desafios, como combater o aumento de preços, a escassez de produtos, o aumento da delinquência, problema grave apontado por mais de 80% da população.

O novo presidente garante que vai aprofundar o socialismo do século XXI e  colocar em prática o “Plan de la Patria”, outro  legado de Chávez  para a Venezuela. A responsabilidade é imensa, e Maduro  vai ter que mostrar sua própria face diante do governo.  No período pós-eleições, ele sabe que não lhe bastará ser o primeiro herdeiro político do homem que, inspirado em Simón Bolívar,  sonhou com a libertação de seu povo e com  a definitiva independência de Nuestra América. Agora é a vez de Maduro. 

Foto: Prensa Miraflores

*Raquel Moysés é jornalista.

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