Venezuela: A solidariedade contra a Covid-19 (e contra o capital)

Em lugares como Venezuela, Cuba e Vietnã, a vida humana importa mais que o lucro capitalista

Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino

São dias difíceis para pessoas de todo o mundo. A Covid-19 forçou bilhões de pessoas a ficarem em casa, deixando a economia global quase paralisada. No momento da redação deste artigo, quase 3 milhões de pessoas foram confirmadas como tendo Covid-19 em todo o mundo e mais de 200 mil pessoas morreram (atualmente são 16,5 milhões confirmados e 655 mil mortes).

É em uma crise como essa que a sociedade é testada, que a força da organização humana deve provar a si mesma. E se há uma coisa que todo norte-americano pode ver é que nossa sociedade falhou neste teste. “Excepcionalismo americano” significa que nossa economia e nosso modo de vida são superiores, que podem resistir a qualquer teste e superar qualquer obstáculo. Isso se reflete em nossos livros de história, na visão de mundo de nossos líderes políticos e na mentalidade de nossa classe dominante.

Você pode até vê-lo em nossa cultura – as únicas histórias “plausíveis” em que os filmes pós-apocalípticos parecem capazes de se apoiar são uma invasão alienígena, um holocausto nuclear ou um colapso ambiental completo. Nós somos poderosos – então apenas algo completamente além das capacidades humanas pode nos derrubar. De fato, tudo o que foi necessário para fazer os Estados Unidos desmoronarem foi uma nova cepa de um vírus comum.

Capital sem controle não constrói estabilidade, não constrói comunidade, não constrói sociedade. De fato, aonde quer que vá, destrói a comunidade. A solidariedade, a mais humana das ações, é incompatível com o capitalismo, e em um país como o nosso, onde o capital governa sem qualquer controle, os seres humanos ficam atomizados e indefesos. E, em uma sociedade onde o capital governa, a vida humana é tão dispensável quanto qualquer recurso natural.

Todas as pessoas neste país viram isso quando a crise começou. Enquanto as pessoas morriam em leitos hospitalares em todo o país, nosso governo eleito deu trilhões de dólares aos apostadores de Wall Street sem pestanejar, trilhões que poderiam ter construído hospitais e nos mantido vivos, mas que desapareceram para sempre em contas bancárias e apostas ruins.

Enquanto incontáveis milhões de trabalhadores perdiam seus empregos e pequenas empresas fechavam suas portas para sempre, democratas e republicanos debatiam se o cheque para garantir que as pessoas sobrevivessem deveria ser de U$$ 250 ou U$$ 1200, se deveria ser tributado ou não, se deveria ser exclusivo para aqueles que provassem não poder viver sem esse dinheiro ou não.

Ao fim, os seres humanos não merecem nada além de sobrevivência e é claro que isso deve vir com algum tipo de garantia e restrição. Não precisamos perguntar que restrições foram impostas aos trilhões de dólares dados a monopólios como a Boeing; não havia nenhum. O capital deve prosperar, enquanto os seres humanos, ao menos alguns, podem sobreviver. Isso é inaceitável.

A Venezuela

Os trabalhadores nunca foram capazes de confiar em outra coisa senão em sua própria organização, as formações e instituições que construímos através de nossa solidariedade e nosso desejo e direito de prosperar e viver uma vida digna. Sem organização, somos vítimas indefesas dos desejos antidemocráticos e anti-humanos do lucro capitalista. Com a organização, podemos transformar o mundo.

Na Venezuela, o capitalismo se vê frustrado e na defensiva. Nesta nação do Caribe, há um movimento de milhões de pessoas comuns, o movimento bolivariano, extraordinariamente bem organizado e bem armado, com o conhecimento de 20 anos de luta. A força de sua organização acabou com o analfabetismo, elevou os padrões de vida e criou outras formas de produção, como indústrias e comunidades dirigidas por trabalhadores. Também impediu golpes de Estado, frustrou atos de sabotagem e resistiu ao horrendo bloqueio do governo dos EUA, comandado pelo capital, para levar o povo venezuelano à submissão.

Agora, enfrentando uma pandemia global, outro ataque ao florescimento humano, o movimento bolivariano responde novamente com organização e determinação. Após a confirmação do primeiro caso de Covid-19 no país, o governo eleito de Nicolás Maduro, uma extensão do movimento popular, ordenou que todas as pessoas que não trabalhavam em um serviço essencial ficassem em casa. Não foi permitido que nenhuma empresa demitisse ninguém, e o governo garantiu os ganhos semanais de todos até que a crise acabasse.

Enquanto isso, organizações venezuelanas que já existiam entre o povo para atender às suas necessidades e travar sua guerra contra o capitalismo simplesmente estenderam seus esforços para responder a essa crise. Os comitês de base conhecidos como Clap entregam comida de graça às famílias carentes há anos; agora o trabalho deles é expandido para que mais pessoas fiquem em casa.

Dezenas de milhares de médicos venezuelanos e cubanos servem o povo do país há anos em clínicas comunitárias gratuitas, formando laços de amizade e solidariedade com as pessoas, melhorando suas vidas e tratando suas doenças. Agora, esses médicos vão de porta em porta em suas comunidades, distribuindo máscaras faciais, educando as pessoas sobre o vírus e testando as pessoas quanto a sintomas.

Mesmo em meio a essa crise, o movimento bolivariano e seus níveis excepcionais de organização fazem frente ao capital, um inimigo com o qual estão em permanente luta há mais de 20 anos. Empresas privadas, como o megamonopólio Polar Foods, estão fazendo o que fazem há anos na Venezuela – engajando-se em especulação desenfreada de preços, tentando extrair algum lucro do desespero das pessoas. Qualquer um que tenha visto máscaras tipo N95 por preços absurdos em seu posto de gasolina local experimentou esse reflexo do capitalismo, um reflexo que ignora o sofrimento e a solidariedade e busca apenas acumular lucro.

Nos Estados Unidos, só podemos olhar; na Venezuela, os trabalhadores podem e estão reagindo.

Na Companhia Oleaginosa Portuguesa, uma grande empresa privada que produz óleos de cozinha, os trabalhadores – através de sua própria organização, o Conselho de Trabalhadores Produtivos (CPT) – ocuparam as instalações de produção em um esforço para impedir a especulação de preços da empresa. O governo Maduro interveio para apoiar os trabalhadores, e agora os trabalhadores e o governo estão dizendo que a ocupação continuará por pelo menos 180 dias para garantir que as necessidades das pessoas por óleo de cozinha fiquem no lugar do desejo de lucro do proprietário.

Ao mesmo tempo, Maduro anunciou que o controle de preços – uma vez relaxado como uma concessão ao capital durante a guerra econômica – retornará para 27 bens essenciais durante a crise. Para garantir que os controles de preços sejam obedecidos, Maduro pediu à classe trabalhadora – através de seus sindicatos, conselhos de trabalhadores e agências governamentais de apoio – que supervisionem as vendas e distribuições de mercadorias em três grandes produtores de alimentos, incluindo a Polar Foods.

Qualquer empresário pego envolvido em especulação de preços será punido na medida da lei. Lorenzo Mendoza, proprietário da Polar, queixou-se à imprensa de que “não há razão ou justificativa para essa medida arbitrária”. Diosdado Cabello, vice-presidente do Partido Socialista Unido, dizia a Mendoza e seus compatriotas de classe: “Não venham chorar em cima de nós. Eu aviso que esse povo sabe o que deve ser feito”.

Não temos que viver assim

Faz um mês e meio que a Venezuela, uma nação de 30 milhões de pessoas, teve seu primeiro caso confirmado de Covid-19. Até o momento, eles tiveram 325 casos confirmados e dez mortes (atualmente, 16 mil confirmados e 146 mortes). Os Estados Unidos, até o momento, têm mais de 987 mil casos e mais de 55 mil mortes (atualmente 4 milhões de casos e 151 mil mortes).

Na Venezuela, nenhum trabalhador perdeu o emprego. Nos Estados Unidos, mais de 26 milhões de trabalhadores entraram com o pedido de seguro-desemprego em cinco semanas – a taxa mais rápida da história (uma taxa que seria ainda mais rápida se milhões de pessoas que tentaram se candidatar realmente conseguissem).

Na Venezuela, os alimentos são fornecidos gratuitamente a quem precisar. Nos Estados Unidos, bilionários como Bezos estão obtendo lucros incalculáveis, forçando pessoas desesperadas a trabalhar em empregos de meio período e salário baixo, com proteção mínima para entregar mantimentos a qualquer um que possa pagar por isso.

Na Venezuela, as organizações populares – das clínicas a conselhos comunitários – mapearam suas comunidades inteiras. Eles sabem quem está doente, quem ainda precisa de máscaras, quem tem condições de saúde que os tornam mais vulneráveis ao vírus e quem ainda precisa ser contatado. Nos Estados Unidos, nem sabemos quantas pessoas estão doentes. Não houve uma única tentativa do nosso governo de rastrear a propagação do vírus, entrar em contato com pessoas porta a porta ou garantir que todos tenham máscaras faciais. Ficamos indefesos, sem leme e confusos.

Não precisamos sofrer assim. Não podemos continuar sofrendo assim. Por meio de nossa organização, de nossa solidariedade e de nosso amor à humanidade, não podemos apenas superar esse vírus – podemos mudar o mundo. Não é impossível, e não é algo que deve acontecer no futuro. Isso pode acontecer agora, porque está acontecendo agora, em lugares como Venezuela, Cuba e Vietnã, onde a vida humana importa mais que o lucro capitalista – e onde a organização do povo sempre derrota as manobras dos ricos.

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