Vamos juntos

Por Rita Coitinho, para Desacato.info. 

 “Não serei o poeta de um mundo caduco

Também não cantarei o mundo futuro

Estou preso à vida e olho meus companheiros

Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças

Entre eles, considero a enorme realidade

O presente é tão grande, não nos afastemos

Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas”

(Trecho de “Mãos dadas” de Carlos Drummond de Andrade)

Vivemos dias de imensa tristeza. A consternação e a revolta que tomam conta de todos nós que, de uma maneira ou de outra, somos capazes de enxergar o sentido dos acontecimentos dos últimos dois ou três anos. Não bastasse a flagrante injustiça, a desumanidade com que trata o judiciário brasileiro um dos melhores filhos de nossa pátria, tememos pelo futuro. O que desejam as forças que tomam de assalto o comando do Estado brasileiro?

Está claro que seu projeto não é de curto prazo. O golpe segue um roteiro: destruição da legislação trabalhista, ataque à educação pública, desmonte do sistema de saúde, destruição da previdência. O “programa” do golpe é o que foi derrotado em quatro eleições consecutivas: a restauração neoliberal, sem meio termo, sem composições, de modo que não reste pedra sobre pedra do pouco de “bem-estar social” (chega a ser meio ridículo chamar o pouco que temos de “bem-estar social” mas, para o neoliberalismo, temos benefícios demais). A agenda neoliberal teve alguns reveses diante da resistência popular, mas não foi, nem será, modificada. O lance mais recente, a prisão do presidente Lula, visa ao mesmo tempo oferecer às hordas raivosas que sustentaram o golpe nas ruas o troféu tão esperado e – principalmente – retirar do cenário eleitoral aquele que venceria as eleições em qualquer cenário. Havendo, é claro, eleições.

A manutenção do calendário eleitoral seria bem-vinda aos setores que comandam o golpe para manter as aparências de funcionalidade democrática. Porém, já sabem que não podem vencer. Não se Lula for candidato ou se puder fazer campanha. Os últimos desdobramentos mostram que, se for preciso, são capazes de partir para uma nova etapa, de fechamento do regime e repressão política. Por isso precisam de Lula preso. Se possível, incomunicável, pois em Lula reside a esperança da resistência.

Lula preso é, nesse momento, o maior golpe de força que as elites predadoras que conduzem o golpe poderiam dar. Mas é, também, sua maior fraqueza. Demonstram, quando partem para o tudo ou nada e mandam às favas as aparências da legalidade democrática, o seu desespero. Trata-se de um projeto em andamento, para o qual Lula é o grande e instransponível obstáculo. O apelo à vil manobra jurídica é a prova maior de que a força das ideias que se corporificam na figura de Lula é imbatível.

Diante da vitalidade dessas ideias, o neoliberalismo impõe-se pelos sucessivos golpes dentro do golpe. E não hesitará em impor-se por uma medida de força, pela violência, se for preciso. Por isso incensam candidatos de discurso violento. Alimentam o medo da violência urbana nas mídias. Apoiam soluções militaristas. Cultivam um público apavorado e pronto a aceitar e apoiar uma solução violenta. Os tempos que se anunciam não serão fáceis. É preciso, em momentos como esse, que cuidemos uns dos outros. Façamos as coisas juntos. Lancemos nossas plataformas políticas unidos. Abandonemos as vaidades pessoais. Vamos relembrar quem são nossos amigos e amigas, quem mora perto, com quem podemos contar. Vamos retomar as reuniões de velhos amigos,e companheiros. Discutir o momento, avaliar, organizar. Chamar mais um. Amanhã mais outro. Nossos movimentos e nossos partidos já souberam fazer isso um dia. Retomemos. Podemos vencer se soubermos manter acesa a chama da luta, dos sonhos que recém começávamos a alcançar. Eles são fortes, jogam sujo, mas nós somos milhões, com Lula no cárcere e fora dele. Vamos juntos, como nos versos de Drummond. Vamos juntos e de mãos dadas.

Imagem: Freepik.es

Rita CoitinhoRita Coitinho é socióloga, doutoranda em geografia e membro do Conselho Consultivo do Cebrapaz.

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