Vale um tempo, no tempo do Vale

Por Victor Caglioni.

O mês de dezembro representa historicamente um período de avaliação do recorrido do ano, de comemorar as conquistas, de avaliar as coisas boas e ruins que vivemos, de estar entre queridos, de pensar sobre o significado de nossas vidas etc…

Por tanto é um período extremamente ligado à noção temporal que temos dos fatos e coisas. Devemos lembrar que a noção de tempo é uma criação humana que sofreu mudanças ao longo da história, quem tem curiosidade pode buscar saber como os egípcios, gregos e romanos inventaram parte dos meses e dias que temos, dos significados astrológicos, desenvolvidos posteriormente por tantos outros povos e ou diferenciados como os agora evidenciados Maias.

Esse raciocínio me faz lembrar de duas situações que vivi em Buenos Aires. Certa vez Josephine, uma francesa que trabalha com eventos culturais que conheci na universidade, havia programado comigo de ir visitar uma comunidade que se instalara em uma fábrica ocupada no bairro periférico de Barracas e que promovia demonstrações artísticas a comunidade, durante horas, sem programação específica.

Como costumeiramente, cheguei na hora programada por ela, o que causou estranheza, pois a mesma que recém despertara e se desculpando e sinalizou minha influencia cultural. Segundo ela, há uma “impressão” de que, por onde passam alemães ou povos de cultura centro européia, parece ser uma regra a influencia de certa fascinação com o tempo.

Naquele dia não me pareceu, nada de grandioso a observação dela, fazia então apenas dois meses, que vivia fora do Vale, justamente era uma centro européia que falava isso.

Tempos depois, quando ia ao trabalho de metro, em um dos comuns períodos de reivindicações, houve uma parada substancial dos trabalhadores, três estações antes de meu destino, como era uma situação sem aviso prévio as pessoas saíram da estação buscar ônibus ou alguma alternativa para chegarem a seu destino, o resultado foi que em poucos instantes os ônibus estavam lotados e não havia um só táxi disponível, então resolvi andar até o escritório, de qualquer forma chegaria depois do horário previsto. Ao chegar 15 minutos tarde, fui dar explicações ao meu chefe Tomáz, depois de me ouvir ele apenas riu e disse: “- Não há problema, aqui não nos preocupamos com o tempo,salvo reuniões com clientes, e sim com os objetivos que você deve ter por dia, se vem antes ou depois não há muita diferença se atingir os objetivos.”.

Estas palavras, hoje traduzidas, ficaram tempo “matutando” em minha cabeça, Até hoje as pessoas do Vale se assustam quando digo quantas horas trabalhava proporcional ao que fazíamos.

Tomáz, podia não saber, mas estava “quebrando” meu conceito de tempo, ao menos o pondo em “xeque”.

Há poucos dias de volta ao Vale, pude agora pensar nesse tema, fazendo o exercício de recordar e observar a relação coletiva das pessoas com o tempo, seja o tempo enquanto relógio seja em relação ao tempo enquanto memória histórica cultural, ou pelo tempo climático, existe um pulsar e pensar sobre o tempo que permeia as relações sociais, que se difere de outros lugares e culturas. Não que não exista fissuras temporais parecidas em outros lugares, seguramente existe, o que se faz evidente é forma distinta de colocarmos isso em evidencia, no cotidiano das pessoas. Existem teorias que evidenciam a relação com o tempo propondo que isso se deve a sociedade moderna como tal, a lógica de cidade industrial e recentemente a incerteza climática entre outros pensamentos.

Internamente talvez seja muito difícil reconhecermos essa característica, por estarmos tão habituados aos prazos de “ontem”, ao momento de hoje e o programar o futuro, isso representa alguns “benefícios” é verdade, como tudo sempre há dois lados, sempre existe um pró e um contra. O que parece interessante é que quanto mais “desenvolvida” a noção de tempo, de controle, nos sentimos supostamente mais seguros, tentamos sentir menos a incerteza que se faz presente todo o tempo em nossas vidas, à possibilidade de prever, de especificar temporalmente um futuro e um passado da qual podemos recordar, momentos de sentimentos felizes e tristes especificados, parece torna-se uma necessidade inconsciente e cultural cada dia maior, para conseguimos dar continuidade aos nossos sentimentos e nossas relações sociais. Costumeiramente iniciamos nossas conversas falando sobre o tempo.

Lembro que dois dos escritores mais evidenciados do vale Urda Alice Klueger e Lindoff Bell, por exemplo, tem em suas obras influencias claras em relação ao tema, a primeira em dois de seus importantes títulos, evidencia a relações com o tempo, seja “No tempo das Tangerinas”, ou “No tempo da Bolacha Maria”. Um dos poemas mais conhecidos do poeta Lindoff, justamente se intitula “Do tempo”, e existem várias outras menções ao longo de sua obra.

Não moradores do vale, mas influenciados pelo que identificou Josephine como característica cultural, Oscar Niemeyer, recentemente falecido, disse certa vez que “ a vida é um sopro”, provavelmente inspirado em sua amiga Clarice Lispector, que tem livro com titulo parecido “Um sopro de vida”, e que tenha dito em “A maçã no escuro” que : “…se em um instante se nasce, e se morre em um instante, um instante é bastante para a vida inteira.”

Estes últimos ambos nascidos e falecidos em dezembro, em suas eternidades artísticas, parecem provar que este é o tempo de pensarmos no que fazemos, no que queremos, em nossos tempos. Da mesma forma nossos artistas, representantes regionais, parecem que já nos deram razões para pensar nossas percepções de tempo. Se vamos destinar um tempo ao nosso tempo, só tempo dirá…

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