Vacina contra coronavírus nem existe, mas já tem adversários paranoicos

A Alemanha vive há semanas protestos contra as medidas restritivas de combate à epidemia; entre os manifestantes, está o movimento antivacinação, que já se antecipa a uma eventual campanha nacional de imunização.

Foto: picture-alliance/dpa/C. Schmidt

Por David Ehl.

“Conteúdo de vacinas” – é o que se pode ler, escrito com giz amarelo, na calçada às margens do Rio Reno na cidade alemã de Colônia. Alguns metros à frente, uma mulher, de aspecto discreto, risca as letras “GG”, sigla para “Grundgesetz” ou Lei Fundamental, a Constituição do país.

Ela ajuda a preparar um movimento de resistência civil que, alguns metros mais à frente, perto da famosa catedral, já está em andamento. É um protesto, autorizado e devidamente acompanhado pela polícia, com o lema: “Pelos nossos direitos básicos, contra as máscaras e vacinas obrigatórias, contra a encenação coronavírus e a Fundação Gates”.

Eram esperados 50 participantes, mas apenas um punhado apareceu, e a oradora, apesar do microfone, dificilmente consegue se fazer ouvir em meio aos gritos de “cala a boca” das dezenas de contramanifestantes.

A cena é quase cômica quando a oradora grita “Tenham vergonha”, e os contramanifestantes respondem também com um alto “Tenha vergonha” – o vai e vem continua por algum tempo.

Nas margens do Reno, nas marcações a giz, algumas dezenas de pessoas juntam-se mais tarde para se posicionarem à distância e formarem uma cadeia humana.

De noite, em comunicado, a polícia mencionou que os protestos ocorreram sem incidentes e que se respeitou a liberdade de expressão sem que fossem violadas as medidas de distanciamento social atualmente em vigor.

Nas últimas semanas, porém, houve vários ataques contra jornalistas em protestos do tipo na Alemanha, além do fato de a regra de distanciamento social ter sido ignorada ou de as manifestações terem acontecido sem aval das autoridades.

O número crescente de protestos contra as medidas de combate à epidemia nas cidades alemãs atrai – em parte sob o rótulo “Resistência 2020” – um público heterogêneo: membros do movimento extremista Reichsbürger (que rejeita a legitimidade da atual República), propagadores de teorias conspiratórias, novos direitistas, velhos liberais e, como acontece várias vezes, grupos antivacinação.

“Claro que a vacinação é a melhor forma de combater esta pandemia”, diz Jan Rathje, que dirige um projeto de pesquisa sobre antissemitismo e teorias da conspiração na Fundação Amadeu Antonio. “E a ideia de que no futuro haverá vacinas obrigatórias é bastante difundida nos meios da teoria da conspiração”.

Além disso, destaca Rathje, também participam desses protestos pessoas que acreditam que as vacinas acabam por não ter um efeito de cura numa sociedade, mas sim que são individualmente prejudiciais à saúde. Por isso, por exemplo, a escritura a giz na calçada de Colônia, ironizando um suposto conteúdo misterioso das vacinas.

Segundo uma pesquisa realizada por cientistas franceses junto a pais em cinco países europeus, a Alemanha tem uma proporção relativamente elevada de cidadãos que são contra a vacinação (quase 3%) de seus filhos.

De acordo com a agência para educação sanitária do governo alemão (BZgA), o número de céticos da vacinação chega a cerca de 20%. No entanto, as pesquisas bienais da BZgA mostram que as atitudes em relação às vacinas estão, em geral, ficando cada vez mais positivas.

Ao contrário do que acontece em alguns países da União Europeia, na Alemanha, foi sempre um assunto privado a decisão de se submeter ou não a uma vacinação recomendada pelas autoridades.

Há uma lei, no entanto, a de Proteção das Infecções, que estipula que o Ministério da Saúde pode exigir que as “parcelas ameaçadas da população” tomem injeções individuais se os estados federais concordarem.

Neste sentido, o atual ministro da Saúde, Jens Spahn, um correligionário da chanceler federal Angela Markel, aprovou a primeira lei que exige que as crianças em creches e escolas sejam totalmente vacinadas contra o sarampo. A norma está em vigor desde março deste ano.

Este precedente é agora também citado pelos opositores à vacinação quando se trata de uma vacina contra coronavírus, alvo de pesquisas aceleradas em todo o mundo.

“Quando a voluntariedade conduz ao objetivo, não há necessidade de uma obrigação legal”, comentou o ministro da Saúde.

Acredita-se que a grande maioria dos alemães aguarda ansiosamente por uma vacina – mesmo que isso possa demorar até 2021 ou mais. Mas como ainda não existe informação oficial sobre o grau de preparação para uma futura campanha de vacinação, o ex-apresentador de rádio Ken Jebsen, popular entre a extrema direita direita e teóricos da conspiração, já alerta contra uma obrigatoriedade velada de vacinação.

Argumentos assim parecem contribuir para sensibilizar o público de Jebsen para a questão da vacinação. Mas, explica Beate Küpper, psicóloga social da Universidade de Ciências Aplicadas do Baixo Reno (Niederrhein), o movimento antivacinação também ganha adeptos entre cidadãos receptivos a mensagens de homeopatia e antroposofia (“ciência espiritual”). “No início, eles não têm nada a ver com as teorias da conspiração, nem são de direita, mas depois encontram um caminho para estas plataformas”, diz a pesquisadora alemã.

Segundo Küpper, a combinação da necessidade de informação e sensação de insegurança, particularmente forte em tempos de pandemia, pode levar a que “muitas pessoas encontrem primeiro o seu caminho para essas plataformas por engano – e depois fiquem presas a elas”.

Assim, na Alemanha, a vacina contra o coronavírus ganha adversários, mesmo antes de existir.

Segundo o cientista político Jan Rathje, esta é definitivamente uma das mensagens centrais veiculadas pelos protestos contra as medidas de combate ao vírus nas últimas semanas. Os manifestantes, diz ele, têm medo de serem obrigados a ser vacinados. Contudo, continua o especialista, é difícil dizer qual a real proporção dos grupos que são de fato ativistas antivacinação.

Para as autoridades alemãs, a participação de extremistas de direita nos protestos pesa mais – uma vez que símbolos e slogans antissemitas e antidemocráticos aparecem cada vez mais nas manifestações.

“Viemos de um clima socialmente acalorado”, comenta Küpper, que não se surpreende com a dinâmica com que os protestos se desenrolam atualmente na Alemanha. Em fevereiro, lembra a psicóloga social, um homem, radicalizado pelo seu pensamento conspiratório, cometeu um ataque racista na cidade Hanau. E uma abordagem crítica acabou ficando de lado com a pandemia. “Agora, infelizmente, os mitos conspiratórios e o ódio continuam de onde paramos.”

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