Unila: uma universidade brasileira construindo a identidade e a integração cultural latino-americana

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Por Elissandro dos Santos Santana[1], Raphael Lobo Batista[2] e Jesús Ibáñez Ojeda[3], para Desacato.info.

A Unila desempenha papel importante para a construção e constituição de uma identidade cultural latino-americana a partir dos trânsitos culturais entre discentes e docentes de diversos países da América Latina na Fronteira Trinacional. A formação de tal identidade latino-americana é importante para a consciência da integração como chave para o desenvolvimento cultural, político, histórico, econômico e social das nações integradas, cabendo destacar que esse processo constitutivo identitário coletivo é condição para que povos e nações de um determinado bloco integrado economicamente comecem a se perceber como elementos verossímeis de vida, de interação e de troca, pois somente diante da noção de pertencimento serão possíveis integrações político-econômicas menos frágeis e, portanto, mais consolidadas.

A implantação da UNILA coincide com o contexto político de vitórias de governos progressistas na América Latina e uma universidade voltada para o ensino, pesquisa e extensão na área dos estudos latino-americanos, ainda que a burguesia brasileira de capitalismo dependente ignore, é estratégica para o Continente. Diante do fato de que grandes universidades europeias, estadunidenses e asiáticas, como China e Rússia, possuem institutos ou centros de pesquisas direcionados à realidade latino-americana, a Universidade Federal da Integração Latino-americana preenche essa lacuna no Brasil.

Os estudos latino-americanos são tão importantes em alguns dos maiores centros de pesquisa do Planeta que, na Rússia, foi criada a Revista Iberoamérica, instituída em 1998 pelo Instituto da América Latina pertencente à Academia de Ciências da Rússia (ILA ACR) com vistas à análise dos problemas econômicos, políticos, sociais e culturais da América Latina, do Caribe e de países ibéricos, com edições trimestrais que contêm artigos científicos de autores russos e estrangeiros, o que atesta que o Brasil sempre esteve na contramão de uma reflexão acerca do próprio continente no qual se insere [1].

No Brasil, há iniciativas de estudos latino-americanos como o IELA, que nasceu em 2006, fruto de um processo que começou em 2004 com um único projeto: o Observatório Latino-Americano (OLA). Naqueles dias o Brasil ainda estava de costas para a América Latina, mas a partir das transformações iniciadas na Venezuela, essa parte do continente começou a fazer parte do cotidiano das notícias, chegando também à Universidade. Assim, os estudos latino-americanos que eram um campo de reflexão consolidado nas universidades europeias, estadunidenses e asiáticas, passaram a se constituir também na UFSC como um esforço inédito na universidade brasileira, até então indiferente com relação a essas temáticas. A criação do Instituto veio assim superar uma debilidade institucional e intelectual que caracterizava a universidade brasileira. A partir da sua efetivação, a UFSC passou a ser um ponto de referência no debate da integração latino-americana, que avança em termos econômicos, culturais e institucionais [2]. Com a Unila, tendo em vista seus objetivos para os estudos da integração latino-americana, o país passou a ter não somente um Departamento ou Instituto para os estudos das questões do Continente, mas um centro acadêmico completo dedicado ao universo latino-americano e, com isso, o país começou a corrigir a distorção no que tange à ausência de estudos latino-americanos feitos no próprio Brasil.

Na conjuntura brasileira atual, em que forças reacionárias ganham corpo e se projetam ancoradas em axiomas neoconservadores, a UNILA sofre pressões externas e internas. No plano interno, parte do quadro docente, ingenuamente ou propositalmente, dialoga com vertentes discursivas obsoletas que concebem a universidade apenas como lócus para a formação de capital intelectual com o objetivo de atender às demandas do mercado de trabalho no país.

Para aprofundar ainda mais a discussão acerca do papel da Unila no contexto brasileiro e, portanto, latino-americano, é oportuno colocar que em meio aos saberes e práticas produzidos na Unila, no Sul-Mundo e para o Sul-Mundo, esta instituição contribui para que discentes e docentes brasileiros e de outros países da América Latina se percebam como povos de um só continente, com realidades e culturas que se entrelaçam em algum ponto no eixo histórico-político de construção do Continente.

Nesse bojo, é essencial saber que a universidade em questão desempenha a função de despertar novos olhares e perspectivas sobre a integração por meio de epistemologias e axiomas de pensar do Sul, no entanto, a Unila, sozinha, não possui o poder de interferir na criação e consolidação de integrações regionais, mas diante do fato de que a educação é elemento crucial para a liberdade e formação de posturas educacionais e políticas mais críticas, uma academia com uma práxis pedagógica voltada para a integração possibilita que os atores sociais de aprendizagem e ensino que por ela passam despontem como multiplicadores das práticas e saberes nos espaços de atuação e empiria dos quais fazem parte. Desta forma, pode-se pontuar que a universidade da integração possibilita, direta ou indiretamente, que outros espaços de discussão sobre a identidade cultural latino-americana e a integração sejam construídos pelo Continente com o egresso de seu público aprendiz. Nesse âmbito, torna-se oportuno recorrer à noção de que a diversidade de identidades que convivem na Unila ajuda a enfrentar os desafios de um continente que continua dominado por elites e é marcado pela desigualdade de oportunidades (étnicas, raciais, de gênero e de condição socioeconômica). Na Unila, a paridade gera pluralidade de vozes e de compromissos, fenômeno que afeta as agendas de ensino, de pesquisa e de extensão gerando um impulso ao Conocimiento desde abajo tão necessário ao continente marcado pela exclusão de maiorias, como, também, pelo colonialismo do saber, tradicionalmente eurocêntrico [3].

Na Unila, os intelectuais que discutem a América Latina em disciplinas como Fundamentos da América Latina, componente obrigatório em todos os cursos de graduação desempenham um papel imprescindível para que surjam novas arquiteturas mentais sociais de pensar a América Latina por meio de perspectivas de independência. Essas discussões se tornam ainda mais profundas e problematizadas em programas de pós-graduação como o ICAL (Integração Contemporânea da América Latina) e o IELA (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Latino-americanos), em especial, no primeiro, tendo em vista que os objetivos do referido programa é o estudo da Integração Contemporânea da América Latina. No caso do ICAL, os discentes, atores centrais no processo de aprendizagem, a partir de um corpo docente com formação multirreferencial, conseguem fazer pontes críticas com discussões teóricas acerca da integração em campos mais amplos como, por exemplo, com uma formação que possibilite a compreensão de que quanto maior a inserção subordinada da América Latina no contexto da economia mundial, menores suas possibilidades de integração ou, dito de outro modo, maior a desintegração da região. Que no caso da América Latina, ao se dar no contexto de nações dependentes e subdesenvolvidas, os processos de integração, de forma mais ou menos conscientes, procuram contribuir para aumentar o grau de autonomia e ampliar as condições para o desenvolvimento dos países da região [4]. Enfim, no ICAL, os discentes e docentes conseguem pensar a América Latina em perspectivas abrangentes de análise.

 Dando continuidade à discussão, é importante reiterar e observar que a função social do saber em operação nas fronteiras nos diálogos entre povos latino-americanos na universidade da integração é a de contribuir para a construção de uma identidade cultural por meio de epistemologias próprias do Sul para a descolonização do design mental latino-americano-brasileiro e de outros povos em relação à dependência que sempre esteve presente nas matrizes sócio-histórico-econômico-políticas de concepção e produção de geração de riquezas e de relações internacionais. Ademais, pela forma como se construiu e pela localização político-pedagógica na qual se instalou, a Unila se configura como lócus profícuo para a intelecção dos trânsitos culturais que ocorrem no entre mesclar pedagógico crítico de atores sociais de aprendizagens plurais e na pós-modernidade, pois processos como os descritos acima propiciam a consciência da interculturalidade, da convivência democrática entre culturas múltiplas, mas que, mesmo diferentes, buscam a integração sem a anulação da diversidade cultural que cada povo em interação comporta.

Ainda é relevante colocar que na Fronteira Trinacional as tensões nos contatos entre povos com culturas que se encontram, mas que, ao mesmo, tempo, se diferem através da língua, na forma de conceber e enxergar o mundo geram o acontecimento discursivo e, consequentemente, a troca, a partilha e a construção de novas sensações e percepções sócio-político-econômico-culturais significantes, significativas e significadoras em coletividade [5].

À guisa de considerações finais, pode-se dizer que diante dos elementos da identidade e da cultura, é possível compreender o poder do reconhecimento da identidade coletiva para integração e como tal fator opera a mudança na cultura local pela própria linguagem dos sujeitos em ação e atuação em espaços de vivência e de mudança do ser local para a consciência do homem pertencente a um Continente. Enfim, em uma instituição universitária em via de consolidação na Fronteira Trinacional, a construção da integração pode ocorrer para além da noção de Estado, ou seja, por meio da própria sociedade, a partir da construção da identidade cultural latino-americana nas práticas e saberes na universidade. A Unila, pela localização geopolítica de aprendizagem, cruza saberes do continente na confluência de povos e possibilita a construção e constituição de novas identidades, dentre elas, a de ser latino-americano e esse é um dos caminhos para a integração.

Referências

  1. Disponível em http://iberoamericajournal.ru/es. Acesso em 05/04/2017.
  2. Disponível em http://www.iela.ufsc.br/instituto. Acesso em 06/04/2017.
  3. BORGES, Fábio; DARLING, Victoria. A Universidade Federal da Integração Latino-americana [Unila]: desafios epistemológicos em tempos de turbulência política. Revista Latinoamérica, Ano I, edição especial, novembro de 2016.
  4. SOUZA, Nilson Araújo de. América Latina: inserção internacional, integração e desenvolvimento. In SOUZA, Nilson Araújo de; CRUZ, Clara Agustina Suárez; CORAZZA, Gentil (orgs). América Latina, olhares e perspectivas. Florianópolis: Insular, 2015.
  5. SANTANA, Elissandro dos Santos. A construção da identidade latino-americana brasileira a partir das práticas e saberes na Unila. Revista Peabiru, edição 19, novembro de 2016.

[1] Professor da disciplina de Metodologia da pesquisa em educação da especialização em Gestão educacional da Faculdade Nossa Senhora de Lourdes, membro do Grupo de Estudos da Teoria da Dependência – GETD, coordenado pela Professora Doutora Luisa Maria Nunes de Moura e Silva, colunista da área socioambiental, latino-americanicista e tradutor do Portal Desacato, revisor da Revista Latinoamérica e membro do Conselho Editorial da Revista Letrando.

[2] Mestrando em Integração Contemporânea da América latina, pela Universidade Federal da Integração Latino-americana e membro do Grupo de Pesquisa América Latina: Integração e Desenvolvimento – GPAID.

[3] Mestrando em Integração Contemporânea da América latina, pela Universidade Federal da Integração Latino-americana.

Foto: Revista Peabiru.

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