UnB se mobiliza contra corte orçamentário do governo

Sociedade civil e parlamentares também atuam no caso, com articulação política e ações judiciais.

Foto: Alexandre A. Bastos

Por Cristiane Sampaio.

Estudantes, professores e servidores da Universidade de Brasília (UnB), em parceria com outros atores sociais, promoveram, nesta quinta-feira (2), um ato público para demarcar oposição ao corte orçamentário de 30% anunciado pelo governo federal para a instituição.

A supressão da verba foi divulgada na última terça (30) pelo ministro da Educação, Abraham Weintrau, que anunciou o mesmo percentual de corte também para a Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em Minas Gerais.

O ministro alegou falta de desempenho acadêmico e disse que as instituições promovem o que ele chamou de “balbúrdia”, em referência a uma suposta ligação dessas universidades com atividades políticas.

Na quarta-feira (1), o Ministério da Educação (MEC) anunciou que os cortes se estenderão para todas as 60 universidades e 40 institutos federais em todo o Brasil.

A notícia do contingenciamento e a declaração de Weintrau convulsionaram o ambiente acadêmico, provocando reações de diferentes lados. O estudante Victor Bernardes, do curso de Educação Física, classifica a medida como uma “tragédia”. Ele considera que a decisão do ministro se insere num contexto de “perseguição ao meio acadêmico”.

“É simplesmente uma expressão da ignorância, de uma pessoa que tem desprezo pela universidade e não conhece a realidade. Não dá pra dizer que estou surpreso, mas, ao mesmo tempo, é totalmente lamentável”, critica, ressaltando ainda a importância do protesto popular contra a medida.

O presidente da Associação dos Docentes da UnB (ADUnB), Luís Antonio Pasquetti, destaca a preocupação com as consequências que a asfixia orçamentária pode trazer para a universidade. Ele sublinha que o corte tende a sufocar diferentes ações no âmbito institucional, alcançando também setores que estão além dos muros acadêmicos.

“Laboratórios vão ficar sem material, pesquisas podem ser paralisadas. E a UnB tem um hospital veterinário, tem o HUB [Hospital Universitário de Brasília], tem uma série de serviços pra sociedade. Quando há uma redução de recursos, você vai reduzir projetos, vai prejudicar a saída de campo dos alunos [também], então afeta”, exemplifica Pasquetti, acrescentando que a UnB é considera a 8ª melhor universidade do país.

A classificação é da entidade britânica Times Higher Education (THE), que monitora o desempenho de instituições de ensino superior em diferentes partes do globo. Nos dois últimos anos, a universidade saltou da 11ª para a 8ª colocação.

Cerceamento

Em visita à UnB nesta quinta (2) para se somar ao protesto, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB do Distrito Federal (OAB-DF), Giovani Zamprogno Gozzi, disse que a supressão de verbas teria caráter ilegal e que a entidade vem se organizando tanto no DF quanto no âmbito nacional para tomar providências diante da medida.

“Isso é uma forma de censura, de cerceamento da liberdade de cátedra, da liberdade de expressão. Cortando verbas, você desestimula a cultura, o conhecimento, a educação, e isso é absolutamente inconstitucional”, critica.

Gozzi também classifica a iniciativa do governo como uma “arbitrariedade” e diz que ela afeta garantias legais das pessoas cuja atividade será afetada pelo corte.

“Quando as universidades públicas são afetadas por uma forma de censura dissimulada através de um corte orçamentário, os direitos humanos dos cidadãos estão sendo atingidos”, explica o advogado.

Judicialização

Segundo o presidente da ADUnB, a entidade avalia atualmente as possíveis medidas judiciais a serem tomadas diante da decisão do governo. O caso, no entanto, já chegou ao Poder Judiciário. Na terça-feira (30), o Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UnB ingressou com uma ação civil pública no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) para reverter o corte.

A entidade argumenta que o ministro precisa seguir a disposição prevista na Lei Orçamentária Anual (LOA) para a instituição. “O único critério para corte de recursos é se não houver receita. O ato de bloquear recursos, sem motivar o ato ou com finalidade diversa do interesse público (visão moral do ministro) é invalida juridicamente”, diz o texto da ação.

Parlamentares também se mobilizam para pedir judicialmente a suspensão da medida. É o caso do deputado federal Jorge Solla (PT-BA), que ajuizou uma ação na Justiça federal ainda na terça (30). O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e o líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), também preparam ações relacionadas ao caso.

Após a divulgação do corte pelo ministro, diferentes parlamentares do Distrito Federal e outros estados divulgaram uma carta pública repudiando a medida.

No texto, eles sustentam que “é indevido utilizar a gestão do orçamento para constranger atividades intelectuais e formativas de qualquer espectro ideológico, que são essenciais para a construção do ambiente plural e diverso de que necessitam os ambientes acadêmicos”.

O documento é assinado por deputados distritais, federais e senadores, aglutinando membros das siglas PT, Psol, PDT, PSB, Rede, MDB, PSDB, PTC, PSC, PTB, Podemos, Avante, PP, Pros, PR, PRB, PV e PP e Cidadania.

O deputado distrital Fábio Félix (Psol), que coordenou a produção da carta e esteve no ato na UnB nesta quinta (2), disse à reportagem que o objetivo, a partir de agora, é ampliar o movimento em defesa da verba da universidade.

“Defender o orçamento da UnB é defender a educação e o ensino superior no país, então, queremos fazer uma articulação com todos os parlamentares do Distrito Federal, da Câmara Legislativa do DF (CLDF) e da Câmara Federal, unificar esses parlamentares em torno dessa agenda política. Nossa intenção é fazer uma grande articulação política”, antecipa.

Numa reflexão crítica sobre a iniciativa do governo, o parlamentar criticou a classificação do ministro de que as universidades promoveriam “balbúrdias” e traçou um paralelo com as medidas conservadoras defendidas pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL).

“Aquelas universidades que, no entender dele, abrem espaço pra liberdade, pra autonomia, pra construção do conhecimento diverso são universidades que fazem balbúrdia. Isso piora ainda mais a decisão do ministro quando o governo se utiliza da sua reflexão ideológica pra impor isso às universidades brasileiras e à educação. Fica muito evidente a defesa que o governo faz. Ele falava em ‘escola sem partido’ e agora demonstra que é a escola do partido, mas só do partido deles”, critica Félix.

A notícia do corte provocou ainda reações isoladas, como é o caso de uma ação popular protocolada pelo advogado Jean Raphael Gomes Silva na Justiça federal do DF na quarta (1º). No documento, o advogado afirma que a medida “trata de bloqueio de valores para punir universidades federais que historicamente desenvolvem grande protagonismo político”.

Ministério  

O Ministério da Educação não se pronunciou a respeito das ações judiciais e, após a reação social diante do anúncio dos cortes, o ministro Abraham Weintrau informou que a supressão orçamentária de 30% será aplicada em todas as universidades federais.

UnB

O Brasil de Fato procurou ouvir a Universidade de Brasília (UnB) a respeito do contingenciamento promovido pelo governo. Em nota enviada à redação, a instituição informou que não foi comunicada oficialmente sobre cortes no orçamento, mas que a área técnica verificou um bloqueio orçamentário da ordem de 30% no sistema.

“A instituição está, neste momento, avaliando a situação e tem a expectativa de que o bloqueio possa ser revertido”, diz o texto.

A universidade também afirma que “a administração superior da UnB não promove eventos de cunho político-partidário em seus espaços. Como toda universidade, é palco para o debate livre, crítico, organizado por sua comunidade, com tolerância e respeito à diversidade e à pluralidade”.

Por fim, a instituição sublinha que tem “reconhecida excelência acadêmica no país, atestada em rankings nacionais e internacionais”. “Temos nota 5, a máxima, no Índice Geral de Cursos (IGC) do MEC, a avaliação oficial da pasta para os cursos de graduação”, complementa.

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