Uma ilha 100% energia renovável

Por José Eustáquio Diniz Alves.

O mundo precisa superar a era dos combustíveis fósseis e avançar na revolução da energia renovável. O Acordo de Paris, aprovado na COP-21, fala da descarbonização da economia e no avanço das energias renováveis. Livros, como o de Lester Brown e colegas “The Great Transition Shifting from Fossil Fuels to Solar and Wind Energy” encaram com otimismo da transição da energia fóssil e nuclear para as “energias limpas”, a partir do fortalecimento da produção de energia solar, eólica e outras fontes renováveis.

Sem dúvida houve ganhos tecnológicos recentes e fundamentais, pois o preço dos painéis solares fotovoltaicos (PV) declinaram 99% nos últimos quatro décadas, a partir de 74 dólares por watt em 1972 para menos de 70 centavos de dólar por watt em 2014. Entre 2009 e 2014, os preços de painéis solares caíram por três quartos, ajudando as instalações globais de PV crescerem 50% ao ano. Ao longo da última década, a capacidade mundial de energia eólica cresceu mais de 20% ao ano, devido ao aumento impulsionado por características atraentes, pelas políticas públicas de apoio à sua expansão e por custos decrescentes. Na China, a produção de eletricidade a partir de centrais eólicas já ultrapassa aquelas a partir de usinas nucleares, enquanto o uso de carvão chegou ao pico (Brown, 2015).

Mas há uma ilha em que as energias renováveis se tornam hegemônicas. A ilha de El Hierro, que fica no arquipélago das Canárias, pertencente à Espanha, pretende abastecer com energia elétrica proveniente de fontes totalmente renováveis todas as suas necessidades. No centro do projeto, está a construção de uma central hidrelétrica.

Reportagem de Karina Ninni e Afra Balazina (2011) mostra que a central inclui um parque eólico, depósitos superior e inferior para água, tubulações e duas estações, uma de bombeamento e outra hidrelétrica. Quando o vento for suficiente, a central produzirá eletricidade com base no parque eólico. Se não houver vento, a energia virá da água. O parque terá uma potência de 11,5 MW, enquanto a demanda dos 10,7 mil habitantes da ilha é de cerca de 7 MW.

Segundo a empresa Gorona del Viento El Hierro: “O excedente de energia eólica será usado para bombear água entre o tanque inferior e o superior. Em tempos de escassez de vento, a água acumulada a 700 metros de altura descerá pelas tubulações até o reservatório inferior, e a eletricidade será produzida com energia da água”.

Assim, a central hidroeólica visa eliminar a dependência exclusiva das fontes intermitentes, como a eólica e a solar. A hidrelétrica acoplada ao sistema eólico e solar funciona como forma de armazenamento de energia potencial. Em caso de emergência, El Hierro poderá utilizar motores a diesel para garantir a energia necessária. O próximo passo é garantir que toda a frota de carros use exclusivamente energia elétrica e renovável até 2020.

Não resta dúvidas que o projeto de El Hierro é uma fonte inspiradora para a economia internacional e a mudança da matriz energética. Mas seria ilusão fazer apologia da tecnologia e apostar todas as fichas de que o desenvolvimento sustentável seria o caminho inevitável para conciliar os avanços materiais e o meio ambiente. Como alertou Ted Trainer, no livro, “Renewable Energy Cannot Sustain a Consumer Society”, a sociedade atual, assentada no triângulo indústria-riqueza-consumismo, é insustentável e injusta, envolvendo taxas de utilização de recursos per capita que são impossíveis de atingir e universalizar para toda a população, ainda que utilizando energia renovável.

Portanto, os investimentos em energia eólica, solar, hidroeólica e hidrosolar devem vir acompanhados de uma mudança no modelo de produção e consumo que degrada a natureza e aumenta a pegada ecológica. O mundo precisa se livrar dos combustíveis fósseis, mas também precisa caminhar rumo ao decrescimento das atividades antrópicas, renovando o estilo de desenvolvimento consumista que tem colocado tantas pressões sobre o meio ambiente e a biodiversidade. A mudança da matriz energética é um primeiro passo. Mas a construção de uma civilização ecológica e ecocêntrica é um sonho ainda muito distante e que vai requerer muitos esforços.

Referências:

ALVES, JED. A revolução da energia renovável e suas limitações. Ecodebate, RJ, 03/07/2015

ALVES , J. E. D. 100% energia renovável, Rio de Janeiro, Cidadania & Meio Ambiente, n. 54, v. X, p. 6-10, 2015. (2177-630X) http://pdf.ecodebate.com.br/rcman54.pdf

ALVES, JED. Energia renovável com baixa emissão de carbono, RJ, Cadernos Adenauer 3, 2014
http://www.kas.de/wf/doc/15610-1442-5-30.pdf

Cadernos Adenauer 3/2014: Eficiência Energética, RJ, 2014, ISBN 978-85-7504-190-1

Karina Ninni e Afra Balazina. A primeira ilha autossuficiente, Estadão, SP, 28/09/2011

Lester Brown et al. The Great Transition Shifting from Fossil Fuels to Solar and Wind Energy, Earth Policy Institute, 2015

Lauren Frayer. Tiny Spanish Island Nears Its Goal: 100 Percent Renewable Energy, September 28, 2014

TRAINER, Ted. Renewable Energy Cannot Sustain a Consumer Society, Springer 2007

*José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: [email protected]

Fonte: EcoDebate

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