Um sopro de Ramos Mejía!

Por Victor Caglioni.

Coloco-me a escrever sobre uma experiência de cidadania e exercício de democracia, impossível de não provocar um registro. Peço desculpas por fazê-lo em primeira pessoa, mas adianto que não se trata de auto-contemplação.

Tudo iniciou quando um amigo me convidou para ir à praça de sua cidade, juntar-se com um dos grupos que ele pertence iniciado pelo interesse em comum de todos seus membros, pelos temas em voga, do programa 678, da teve pública argentina. Todos estavam interligados entre si, através da página em Facebook, do devido programa, que por iniciativa de um dos membros iniciaram os encontros. Alguns deles já haviam conhecido, em outras brilhantes ocasiões.

Com essas informações disponíveis pensei comigo mesmo. Não posso perder essa oportunidade de viver e escutar a versão de gente que voluntariamente se mobiliza para defender suas idéias e suas causas políticas sociais.  Minha sempre reprimida “voluntad política” gritava dentro de mim, para que fizesse desse mais um momento de reconhecimento de indivíduo político e reforçar as idéias que tenho sobre muitos temas, e que às vezes em meio a determinadas circunstancias, somos obrigados a remediar as palavras. Então nada melhor que viver certas experiências para acentuar o senso de diplomacia sem perder a base que lhe sustenta.

Dia 18 de Junho, aniversário de uma das melhores pessoas que conheci em minha vida, era um dia frio, chuvoso e nada convidativo para sair de casa, na região de Buenos Aires. Mas segui até a estação Once, em direção a cidade de Ramos Mejía, pertencente a Grande Buenos Aires. Cidade que leva esse nome, em função de um comerciante bem sucedido da localidade, que entre outras coisas interessantes, fez parte da “primeira” controvérsia religiosa da Argentina, em que Mejía discordava publicamente das interpretações do pároco local.

No trem, lembrei de um conselho de um amigo brasileiro que estudou em La Plata, e que certa vez me disse, que quando fosse preciso pedir informações, prefira as mulheres, por que em geral elas não mentem, sobre isso! Assim o fiz, duas moças muito simpáticas estavam ao meu lado me ajudaram, a saber, qual era a estação correta para descer. Interessante que elas logo que perceberam que eu não era da capital e depois que tampouco era argentino, de forma não muito comum entre os portemos, iniciaram uma verdadeira conversa sobre o Brasil e por que estava ai etc… As coisas de sempre. Em geral provou que elas tem uma imagem muito positiva do nosso “grandão aqui do lado”. Risos.

Cheguei à praça e logo, encontrei meu amigo e algumas das pessoas que havia conhecido na Marcha pelo dia da Verdade e da Justiça.

Muito bem recebido, fiquei conversando com alguns deles, sobre política, mas não sobre partido essas coisas, e sim sobre visões de vida, de construção social, sobre impactos e políticas públicas, de direitos humanos, de desenvolvimento econômico etc… Enquanto isso alguns preparavam a estrutura de microfones, de som, as comidas e tudo mais. Entre essas pessoas havia uma jovem garota, muitíssimo simpática, que na mochila com o adesivo do AC/DC já me demostrava ser, super “buen onda”. O que com toda certeza se pode comprovar, algumas frases adiante.

Bom, iniciaram com o evento, chamando representantes de organizações com outros diversos propósitos etc… que fizeram falas sobre o que desenvolvem em cada espaço referente, abrindo espaço para quem estivesse na praça pensar sobre as transformações possíveis e que estão em marcha.

Pude perceber que ali, se encontravam pessoas de todos os tipos de “ideologias” algumas delas, sem “ideologias” nos conceitos que conhecemos, alguns eram socialistas, outros sindicalistas, outros apenas simpatizantes de uma corrente de pensamento social que está presente também no governo dos Kichner(s), outrso simpatizantes de simpatizantes, risos.

Entre lindas intervenções discursivas, artistas de vida, tocavam lindas canções, que foram desde nossa clássica “Garota de Ipanema” até as “cumbias” muito populares também entre os adolescentes daqui. Muito bom. Neste momento acreditem, eu sem o menor ritmo para essas coisas, dancei na praça cumbia, com essa garota a garota da Mochila do AC/DC, sim somos bem ecléticos. Depois me coloquei a pensar, que aconteceu, afinal não era muito comum para mim isso. Só me lembro de que pude fazê-lo por que ai em geral compartiam da idéia de que: “mira la escencia, no las aparencias”. Pude “curtir” o momento sem quaisquer “miradas”, comuns em nossas moralidades sulistas brasileiras.

Um senhor muito parecido com meu nono (avó), que depois soube ser pai de um dos músicos, foi cantar de forma muito jovial, o que me fez lembrar das posições semi anárquicas presente nas relações sociais de parte dessa nova sociedade que surge na Argentina: com base em alguma medida parecida com “Se nenhum mal causar, faça o que desejar”. Essa tal frase foi dita pelo meu pai, antes de eu voltar á Argentina em Março passado. E acredito que na historia da humanidade ela já tenha sido pronunciada. Definindo bem os limites de uma liberdade emancipatória, humana!

Achei aquilo o máximo por que meu nono sempre diz: “deixa ir, aproveitar a vida”. Pude perceber o quanto tudo aquilo estava diretamente ligado com a história de minha vida, como se fosse um ciclo que me leva a um rumo, ainda desconhecido verdade. Mas que de formas comuns vai revelando redes de consciência coletiva, que embora não oficialmente ligadas entre si, bebem da mesma ideologia de liberdade. Seriam essas posições, resultado de um sopro ideológico de uma Itália, de séculos passados. Tenho certas suspeitas. A verificar quem sabe, um bom historiador possa me ajudar.

Havia muita comida, disponível a todos que se acercavam, entre elas uma “cuca de banana” nossa representante brasileira, levada por mim, claro. As maravilhosas empanadas, os churros e alfajores, tortas enfim, todas muito ricas, acompanhadas de café, refrigerantes e claro a sempre presente e impecável erva – chimarrão. Passamos muito bem.

Terminado o lindo evento na praça, que foi um sucesso em meu parecer, pois clima não era nada propício, mas mesmo assim muitas pessoas se acercaram. Seguimos, convidados à casa de uma das “militantes” da Praça Ramos Mejía. Onde seguimos comendo muito, até pizza (delícia) bebemos um pouco de vinho (ah! Argentina como me alegra seus maravilhosos vinhos) e cerveja. Ao mesmo tempo em que conversávamos sobre muitos temas, todos tinham vez e voz para falar, vinte e poucas pessoas compartilhavam de uma grande conversa, e boa conversa, aliás. Eram posições distintas, todas respeitadas, às vezes reformuladas, reinterpretadas, sobre um passado, sobre um presente, sobre o futuro. Sobre as eleições, sobre a juventude, sobre militância, sobre seu próprio movimento, sobre trazer mais pessoas para falar sobre determinados temas, sobre outras instituições populares, sobre softwares livres (lindo saber que havia alguém presente que compartilhava comigo a importância desse movimento internacional) e muitas outras coisas, inclusive algumas piadas, como só o humor argentino pode proporcionar.

Enfim o que mais quero destacar, que foi o que lhes disse antes de voltar a capital, era que ali, presenciei uma experiência verdadeira daquilo que um dia o filósofo Sócrates (e Platão de certa forma) tentava pensar ser Democracia, e lembrava dos textos que li de cientistas políticos, do meu professor José Nun, que estudou e ensinou em duas das maiores universidades do mundo, que trabalha tanto essa temática, e pensava, bom nenhum deles conseguiu de forma acadêmica alcançar palavras para descrever experiências como aquela que estava vivendo ai, naquele espaço. Talvez algo novo que surge, ou algo reinventado. Gente que mal se conhecia e de certa forma, ainda não se conhecem, enquanto historia de vida de cada um etc… mas que puderam manter uma conexão entre si, invejável (para bom), que devem enaltecerem, por que acreditem, não havia ai uma hierarquia, como muito bem expressou um dos companheiros. Era como um espaço horizontal. Que mesmo entre a diversidade era possível traçar rumos de uma conversa sobre qualquer coisa.

Voltei para casa e entre o trem e o metro, pensava de forma intensa, até chegar em casa para me arrumar para sair e aproveitar a noite porteña, não pude me desligar de tudo isso que havia vivido e pensava: Que sorte que tenho de ter optado em vir para esse país, e poder entre muitas coisas, viver essa experiência política. E conclui, mesmo que eu sempre me tenha contido politicamente falando, corre em minhas veias, o espírito da política, muito parecido com essa proposta da Praça de Ramos Mejía. Como um sopro que embora seja breve, sempre é intenso e movimenta. E sabem, toda vez que assoprávamos, assobiamos e fazemos do ar, do nosso corpo, música, arte! Assim me senti. Um artista político. Pelo visto, formamos uma banda.

 

 

1 COMENTÁRIO

  1. Parabéns pela contribuição Víctor! é muito bom ver os jovens refeltindo sobre a verdadeira política!
    Lendo seu relato fiquei pensando na capacidade de mobilização social a partir das redes e como a educação e a sociedade precisa disso! Se você tiver oportunidade, leia a matéria do Santa desse fim de semana, chama, o Outro Lado.
    Abraços e beba um Malbec por mim!

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