Um semestre de Dória: “canastrão, mimado e senhorzinho de Casa Grande”

Por Gabriel Brito.

Já são sete meses trans­cor­ridos das novas pre­fei­turas e câ­maras mu­ni­ci­pais, em meio a uma tur­bu­lência po­lí­tica his­tó­rica. Na maior ci­dade do país, João Dória Jr., um dos nomes mais co­men­tados na­ci­o­nal­mente, é cada dia mais ques­ti­o­nado em seu ter­reno. Para co­mentar o início de sua gestão, pa­lavra da moda, en­tre­vis­tamos o ve­re­ador To­ninho Vés­poli (PSOL), que foi im­pla­cável na crí­tica.

“Ele está desde o início de seu man­dato su­ca­te­ando todos os ser­viços da ci­dade. São Paulo está aban­do­nada. Par­ques, praças, ruas e ave­nidas estão sem ze­la­doria, sem o menor cui­dado. A venda dos equi­pa­mentos lis­tados (no plano de pri­va­ti­zação recém-apro­vado) por ele é muito mais para atender a uma agenda ne­o­li­beral in­ter­na­ci­onal e se cre­den­ciar pe­rante esse mer­cado como can­di­dato deles em 2018”, atacou.

Um dos raros eleitos sem a força do ca­pital pri­vado e dos car­teis que há dé­cadas fa­tiam todos os seg­mentos econô­micos e pro­du­tivos das ci­dades, Vés­poli também cri­tica o pre­feito por sua be­li­ge­rância contra todos aqueles que le­vantam crí­ticas ou in­da­ga­ções a suas ini­ci­a­tivas, a exemplo do mal­fa­dado “toque de des­pertar” contra mo­ra­dores de rua, no dia mais frio do ano, o que causou enorme re­volta entre os sem tetos e aqueles que os acom­pa­nham.

“(É hora de) parar com o mar­ke­ting, se con­cen­trar em ser pre­feito e go­vernar para todos, com es­pe­cial atenção aos se­tores mais vul­ne­rá­veis da so­ci­e­dade. Ouvir a po­pu­lação de fato. Ouvir os con­se­lhos na ci­dade. Se com­portar como um pre­feito e não como um im­pe­rador do mu­ni­cípio. Ele não é CEO de uma em­presa, ser pre­feito é mais que isso”.

Por fim, Vés­poli também co­mentou a atu­ação da nova câ­mara mu­ni­cipal neste pri­meiro se­mestre, caixa de res­so­nância das dis­putas e mar­que­ta­gens re­centes. “A partir de 2014, com um re­sul­tado das elei­ções pre­si­den­ciais bem acir­rado, a po­la­ri­zação po­lí­tica ga­nhou força em todos os âm­bitos do país, prin­ci­pal­mente nas casas le­gis­la­tivas. Temos na Câ­mara Mu­ni­cipal novos nomes, mas o que não sig­ni­fica que mu­damos o perfil po­lí­tico. Isto é, há uma nova rou­pagem na velha po­lí­tica”, re­sumiu.

A en­tre­vista com­pleta pode ser lida a se­guir.

Cor­reio da Ci­da­dania: Já se foi o pri­meiro se­mestre do man­dato do pre­feito de João Dória e, em li­nhas ge­rais, qual ava­li­ação se pode fazer? Muita per­for­mance e poucas re­a­li­za­ções de fato?
 
To­ninho Vés­poli: Pa­rece que a eleição ainda não acabou na ca­beça de Doria, ou as suas in­ten­ções são de não ficar muito tempo como pre­feito. Um pre­feito que se fan­tasia de gari, mas corta de­zenas de pro­gramas, como o TEG, leite, cul­tura, ze­la­doria… Essa é a ver­dade de sua gestão: um pre­feito mãos de te­soura. A pe­ri­feria está aban­do­nada e cheia de bu­racos, ser­viços de ze­la­doria não são cum­pridos.

Doria atende a uma de­manda de es­pe­ta­cu­la­ri­zação da po­lí­tica. Uma so­ci­e­dade mi­diá­tica em que o que ele diz fazer nas redes so­ciais tem muito mais valor do que faz ou deixa de fazer na re­a­li­dade. Doria se com­porta não como pre­feito, mas como um ani­mador de au­di­tório dos mais ca­nas­trões.

Cor­reio da Ci­da­dania: O que co­menta de sua atu­ação em as­pectos ne­vrál­gicos da ci­dade, como edu­cação, saúde e trans­portes?
 
To­ninho Vés­poli: Sou pro­fessor de for­mação e pro­fissão, estou como ve­re­ador em meu se­gundo man­dato. Nesses anos a edu­cação tem sido minha pri­o­ri­dade. Fui re­lator do Plano Mu­ni­cipal de Edu­cação, mesmo pos­te­ri­or­mente tendo vo­tado contra, já que a base do go­verno Haddad mudou o plano por com­pleto e cedeu aos con­ser­va­dores da Câ­mara. Neste ano, apro­vamos uma sub­co­missão na Co­missão de Edu­cação, da qual faço parte da Casa, e nessa sub­co­missão vamos in­ves­tigar e apre­sentar como anda a in­fra­es­tru­tura das es­colas mu­ni­ci­pais, de­nun­ci­ando pos­sível aban­dono por parte do mu­ní­cipio.

Além disso, pres­si­o­namos junto ao se­cre­tário de Edu­cação a con­vo­cação ime­diata dos pro­fis­si­o­nais da edu­cação apro­vados em con­curso, o que es­tava sendo pro­te­lado por essa gestão. Na saúde, pan­fle­tamos nas UBSs da zona leste mos­trando a pro­ble­má­tica do fe­cha­mento das far­má­cias nas uni­dades de saúde, além de en­trar no Mi­nis­tério Pú­blico contra a me­dida do pre­feito que, cla­ra­mente, pe­na­li­zava os mais po­bres, além de ser fruto de re­la­ções es­tra­nhas com a ini­ci­a­tiva pri­vada. Nos trans­portes atu­amos pe­dindo in­for­ma­ções ao se­cre­tário de trans­portes e a SP­Trans sobre a mu­dança e ex­tinção de li­nhas de ônibus na pe­ri­feria, além de de­nun­ciar o corte de cotas do bi­lhete único e a ten­ta­tiva de pri­va­ti­zação do sis­tema do mesmo.

Es­tamos ainda em frentes de de­fesa do fun­ci­o­na­lismo pú­blico e pelo des­con­ge­la­mento da verba da cul­tura. No pri­meiro, par­ti­ci­pamos do grupo de tra­balho, junto a en­ti­dades sin­di­cais e re­pre­sen­tantes do exe­cu­tivo, da ela­bo­ração de pro­posta de equi­pa­ração sa­la­rial para os ser­vi­dores ad­mi­tidos. Já na cul­tura, par­ti­ci­pamos da reu­nião de es­tudo do or­ça­mento e es­ti­vemos junto às lu­ta­doras e lu­ta­dores na ocu­pação da Se­cre­taria de Cul­tura. Es­tamos no en­fren­ta­mento contra as pri­va­ti­za­ções das bi­bli­o­tecas, na de­fesa das ocu­pa­ções cul­tu­rais da ci­dade…

Jun­tando cul­tura e as ques­tões ra­ciais, re­a­li­zamos um evento cha­mado Quem Tem Cor Age, para ajudar na mo­bi­li­zação das lu­ta­doras e lu­ta­dores cul­tu­rais, além de ajudar na cons­trução da frente única de cul­tura (FUC) e na per­ma­nência do PIÁ (Pro­grama de Ini­ci­ação Ar­tís­tica) e o Pro­grama Vo­ca­ci­onal.

Cor­reio da Ci­da­dania: Como avalia seu plano de pri­va­ti­za­ções? Balão de en­saio que visa ren­ta­bi­lizar equi­pa­mentos que na ver­dade não geram in­te­resse do mer­cado?
 
To­ninho Vés­poli: O plano de pri­va­ti­zação do pre­feito atende uma agenda es­pe­cí­fica do mer­cado. Essa mesma agenda é apli­cada por Temer e sua corja e pelo go­ver­nador Alckmin. Uma ideia de que o pri­vado é me­lhor que o pú­blico, mas que não leva em conta que todas as de­nún­cias de cor­rupção re­ve­ladas pela Lava Jato ti­veram seu bojo na ini­ci­a­tiva pri­vada e não no ser­viço pú­blico. Pelo con­trário, o ser­vidor pú­blico foi cor­rom­pido pela ló­gica lu­cra­tiva da ini­ci­a­tiva pri­vada.

Doria quer vender a ci­dade a qual­quer custo. Nesse sen­tido ele está desde o início de seu man­dato su­ca­te­ando todos os ser­viços da ci­dade. São Paulo está aban­do­nada. Par­ques, praças, ruas e ave­nidas estão sem ze­la­doria, sem o menor cui­dado.

A venda desses equi­pa­mentos lis­tados por ele é muito mais para atender a uma agenda ne­o­li­beral in­ter­na­ci­onal e se cre­den­ciar pe­rante esse mer­cado como can­di­dato deles em 2018, do que de fato trazer me­lho­rias para a ci­dade.
Vo­tamos contra, vo­ta­remos contra e fa­remos o en­fren­ta­mento ne­ces­sário para que pro­jetos como esses sejam ao menos de­ba­tidos am­pla­mente com a so­ci­e­dade.

Cor­reio da Ci­da­dania: Ha­veria algo nesse plano de pri­va­ti­za­ções com o qual você con­corde? Há equi­pa­mentos pú­blicos que po­de­riam ali­viar o poder pú­blico em caso de re­passe à ini­ci­a­tiva pri­vada?
 
To­ninho Vés­poli: Não con­cor­damos com nada. Desde a forma como foi pen­sado até a des­ti­nação que será dada. Para mim, isso é algo uni­la­teral, con­se­guido à custa de muita compra e chan­tagem da base de apoio aqui na Câ­mara Mu­ni­cipal.

Cor­reio da Ci­da­dania: O que co­menta do epi­sódio do as­sédio com jatos d’água sobre mo­ra­dores de rua na se­mana pas­sada, uma das mais frias do ano, e a pos­te­rior re­ação da pre­fei­tura?
 
To­ninho Vés­poli: Hi­gi­e­ni­zação. Essa é a ideia da pre­fei­tura sob a gestão de João Doria. Limpar a ci­dade. Deixá-la como uma vi­trine, mas que es­conde os prin­ci­pais pro­blemas. Não no que tange a ze­la­doria, mas no pro­cesso de ma­quiar a ci­dade, tirar as pes­soas do centro para torná-lo atra­tivo para que seus amigos em­pre­sá­rios possam comprá-lo.

A re­ação dele é a velha in­tran­si­gência dos “ges­tores” que não aceitam ser con­fron­tados e con­tra­ri­ados. Quando isso acon­tece ele expõe jor­na­listas, como fez pela se­gunda vez. A ati­tude dele é a clás­sica ati­tude da­queles que estão fe­chados ao diá­logo e à de­mo­cracia. Nesse sen­tido, age como um ado­les­cente mi­mado, um au­tên­tico se­nhor­zinho da Casa Grande.

Cor­reio da Ci­da­dania: E a Cra­co­lândia? Como está se des­do­brando a ope­ração que vi­sava limpar seu ter­reno dos usuá­rios de droga?
 
To­ninho Vés­poli: Sua per­gunta já res­ponde: trata-se de limpar. Ele queria apenas hi­gi­e­nizar a área. As pes­soas foram es­pa­lhadas pela ci­dade, ou­tras cra­co­lân­dias foram cri­adas. Ele in­ventou equi­pa­mentos de aten­di­mento que não fun­ci­onam na prá­tica. Agora, já co­meçou a li­mitar o ho­rário de aten­di­mento do 156 e su­ca­tear o Sis­tema Único da As­sis­tência So­cial. O aten­di­mento às pes­soas está no zero. O cui­dado com as pes­soas está no zero. A única coisa que avança é o in­te­resse na re­gião para que as em­presas lu­crem com o es­paço e pos­sí­veis em­pre­en­di­mentos.

Cor­reio da Ci­da­dania: O que de fato o pre­feito po­deria fazer a fim de me­lhorar a vida do pau­lis­tano?
 
To­ninho Vés­poli: Parar com o mar­ke­ting e se con­cen­trar em ser pre­feito e go­vernar para todos, com es­pe­cial atenção aos se­tores mais vul­ne­rá­veis da so­ci­e­dade. Ouvir a po­pu­lação de fato. Ouvir os con­se­lhos na ci­dade. Se com­portar como um pre­feito e não como um im­pe­rador do mu­ni­cípio.

Cor­reio da Ci­da­dania: Di­ante do que você já falou aqui, como você ana­lisa a pos­tura do pre­feito e sua ma­neira de se apre­sentar ao ci­dadão?
 
To­ninho Vés­poli: Doria é in­tran­si­gente, está com a ca­beça em 2018. Acha que São Paulo é seu feudo e ele, mo­narca que é, pode mandar e des­mandar. Ele não é CEO de uma em­presa, ser pre­feito é mais que isso. Eu acre­dito que o mar­ke­ting po­lí­tico de Doria tem prazo de va­li­dade. Eu sou mo­rador da pe­ri­feria da zona leste e a vi­zi­nhança per­cebeu que o nosso bairro está aban­do­nado.

As ações de ze­la­doria de toda a ci­dade se re­du­ziram, e muito, mesmo que o tal “Ci­dade Linda” seja o carro-chefe da atual gestão. O uso in­ten­sivo das redes so­ciais, com tom ape­la­tivo em ví­deos, foi algo con­si­de­rado novo na po­lí­tica bra­si­leira, mas os fins são os mesmos.

As ações do tu­cano na pre­fei­tura beiram so­mente a pro­moção de si pró­prio ou de seus amigos em­pre­sá­rios.

Cor­reio da Ci­da­dania: Como o atual am­bi­ente po­lí­tico re­flete na Câ­mara dos ve­re­a­dores desta nova le­gis­la­tura? 

To­ninho Vés­poli: A partir de 2014, com um re­sul­tado das elei­ções pre­si­den­ciais bem acir­rado, a po­la­ri­zação po­lí­tica ga­nhou força em todos os âm­bitos do país, prin­ci­pal­mente nas casas le­gis­la­tivas. Temos na Câ­mara Mu­ni­cipal novos nomes, mas o que não sig­ni­fica que mu­damos o perfil po­lí­tico. Isto é, há uma nova rou­pagem na velha po­lí­tica. Vemos aqui a dis­puta entre nar­ra­tivas de es­querda ou de di­reita, o que é sau­dável no es­paço de­mo­crá­tico, e o uso ge­ne­ra­li­zado de um dis­curso de re­no­vação po­lí­tica.

Como ve­re­ador e líder do PSOL, já travei muitos em­bates com par­la­men­tares que dizem fazer uma nova po­lí­tica, mas que fazem parte de par­tidos tra­di­ci­o­nais (en­vol­vidos nos grandes es­cân­dalos de cor­rupção) e votam ou criam pro­jetos de lei con­ser­va­dores.

Cor­reio da Ci­da­dania: Como você re­sume os pri­meiros seis meses de tra­ba­lhos da Câ­mara?

To­ninho Vés­poli: Neste pri­meiro se­mestre, a es­ma­ga­dora base aliada do pre­feito João Doria (PSDB) atuou for­te­mente para cum­prir as metas do tu­cano. Mesmo que haja dis­cussão dos pro­jetos de lei en­ca­mi­nhados pelo Exe­cu­tivo, a Câ­mara in­fe­liz­mente se deixa fazer refém das prer­ro­ga­tivas do Exe­cu­tivo.

Nesse sen­tido, meus pro­jetos de lei ca­mi­nham com mais mo­ro­si­dade e en­frentam re­sis­tência, pelo sim­ples fato de eu ser mais uma vez opo­sição, visto que eu também não vo­tava a favor dos pro­jetos de Haddad na le­gis­la­tura pas­sada. Mesmo assim, con­tinuo lu­tando por uma ci­dade me­lhor.

Os pro­jetos de vender a ci­dade es­tarão a todo vapor nesse pró­ximo se­mestre, algo que acre­dito ser pre­ju­di­cial em longo prazo aos pau­lis­tanos. Estou ela­bo­rando uma cam­panha para cons­ci­en­tizar a po­pu­lação, prin­ci­pal­mente das re­giões pe­ri­fé­ricas, de que essa ini­ci­a­tiva irá trazer pre­juízos.

Fonte: Controvérsia. 

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