Um revés eleitoral de Trump, sem ser um grande triunfo dos Democratas

Foto: Reprodução

Por André Augusto.

O presidente norte-americano, Donald Trump, considerou o resultado das eleições de meio mandato presidencial —as “midterms”— um “tremendo sucesso”, após os Republicanos ampliarem o controle do Senado.

Entretanto, o fato político mais relevante das eleições de meio mandato nos Estados Unidos é que os Democratas retomaram o controle da Câmara dos Representantes, pela primeira vez desde 2010 (quando Barack Obama a perdeu para os Republicanos). Os Democratas poderão convocar o presidente a depor sobre os temas que considerarem necessários, como a relação de Trump com a Rússia, ou a prestação de contas sobre seus impostos.

Fruto deste revés, Trump demitiu o procurador geral Jeff Sessions, que havia se recusado a participar do inquérito sobre as eventuais relações da campanha de 2016 de Trump com a Rússia. A balança de poder entre os dois partidos imperialistas nos EUA – Democratas e Republicanos – se altera na política imediata.

Tanto assim que Trump, em sua entrevista coletiva sobre os resultados, fez questão de enfatizar, em meio a inevitáveis ameaças, que buscará “bipartidarismo” e acordos com Nancy Pelosi (presidente da Câmara pelos Democratas) em infraestrutura, em aspectos da economia, e na diminuição do preço de remédios.

Talvez mais interessante tenha sido a investida que fez contra os candidatos Republicanos derrotados, a quem Trump acusou de não terem se ligado a ele e ao “projeto Republicano”, e terem fraturado o partido. Estes resultados podem causar choques nas alianças de Trump.

A vitória dos Democratas da Câmara foi, entretanto, bem menor do que se anunciava. Anunciava-se um triunfo esmagador nas semanas prévias; na véspera das eleições, foi prognosticado uma “onda azul”. A perda de 27 cadeiras por parte dos Republicanos, ficando com 196 diante das 222 dos Democratas, é consideravelmente menor que a perda de 68 cadeiras por parte dos Democratas em 2010, quando Obama ainda era presidente – o que não impediu Obama de ser reeleito em 2012.

Trump ainda segue fortalecido nos Estados sulistas, especialmente na Florida e no Texas, e sua política anti-imigratória e xenófoba, que ameaça a caravana de hondurenhos que busca entrar no país, embora receba um grande repúdio no interior dos EUA, ainda atrai a base eleitoral masculina, branca e dos meios rurais norte-americanos.

Crise orgânica nos Estados Unidos

Este revés parcial para Trump – já que se tratava de um “referendo” sobre seus dois primeiros anos – é parte da tendência que exclui hegemonias duradouras depois do estouro da crise mundial em 2008. Nem mesmo a chanceler alemã Angela Merkel, que apresentava até aqui maior durabilidade, resistiu: seu partido, a União Democrática Cristã, colheu duras derrotas eleitorais em seus bastiões de Hesse e da Baviera, e Merkel renunciou à liderança da CDU, diante da polarização política na Alemanha.

Os efeitos não superados da Grande Recessão de 2008, mesmo em países com taxas de crescimento econômico como os Estados Unidos, atingem a arena política, no que Antonio Gramsci chamou de “crises orgânicas”, ou crises de autoridade estatal, abrindo o campo “a soluções de força, à atividade de potências obscuras representadas por homens providenciais e carismáticos”.

Resta saber se Trump continuará incorporando esta figura providencial, já que mesmo a saúde econômica provisória dos EUA não impediu que os Republicanos perdessem a Câmara e diversos governos estaduais.

Este tipo de eleição de meio mandato, tradicionalmente, não tem uma influência marcante nas eleições presidenciais norte-americanas seguintes. Entretanto, sem exagerar nos termos, há sinais nublados para Trump rumo a 2020.

Os Democratas ganharam 7 Estados das mãos dos Republicanos, controlarão pelo menos 22 de 50 Estados, com 3 Estados ainda em disputa. As vitórias Democratas incluem os Estados de Michigan, Wisconsin e a Pennsylvania – regiões do antigo “Rust Belt”, o cinturão operário tradicionalmente Democrata que em que Trump venceu as eleições de 2016. Os Estados da Florida e da Georgia, que são chave para as eleições presidenciais, ficaram nas mãos dos Republicanos por uma curtíssima margem.

Outro fenômeno surgido foi a eleições de inúmeros candidatos que representam movimentos contra a opressão, de mulheres, de imigrantes latinos, negros e LGBTs, filiados ao Partido Democrata. Pela primeira vez na história há 100 mulheres eleitas para a Câmara, duas das quais muçulmanas, assim como o primeiro homem abertamente gay a vencer a eleição para governador.

O triunfo desses movimentos estão diretamente relacionados com a polarização alimentada por discursos de ódio de Trump, que deu origem ao aparecimento, dentro do Partido Democrata, de uma grande quantidade de candidaturas de peso entre as mulheres, além de uma coalizão de minorias que têm seus direitos atacados.

Como dissemos no início, há limites no avanço Democrata. Analistas como Edward Luce do Financial Times apontam que se os Democratas melhoraram sua votação nas regiões urbanas e suburbanas, as áreas rurais e do interior do país continuam ardentemente ao lado de Trump.

A “onda azul” (cor dos Democratas) foi menor do que se esperava. Segundo o próprio New York Times (francamente anti-Trump) a mudança de 2018 em favor dos Democratas foi menor que a que houve em 2006, a última vez que os Democratas tiraram a Câmara das mãos dos Republicanos. Além disso, a atual “onda azul” foi apenas a metade da onda Republicana de 2010, quando os distritos eleitorais mudaram mais de 19% para os Republicanos (a mudança dos distritos eleitorais em favor dos Democratas esse ano foi de 10%).

Regiões tradicionalmente operárias, como o Estado de Ohio, Indiana e Illinois, também pertencentes ao Rust Belt, permaneceram com Trump, o que mostra a força que ainda retém desde 2016 em camadas de trabalhadores que sofreram com a pauperização fruto do processo de desindustrialização.

Acresça-se a isso o fato de que os Republicanos aumentaram sua vantagem no Senado, e os Democratas não conseguiram vencer os Estados chave que projetavam no sul agrário do país, que segue apoiando majoritariamente Trump.

Agenda externa: novas aventuras?

Ainda está para se ver quanto o novo mapa político dos Estados Unidos alterará o itinerário da política imperialista de Trump. A agenda agressiva na América Latina, por exemplo, como as promessas de Trump de intervir na Venezuela e a aproximação com seu mais novo vassalo, Jair Bolsonaro no Brasil, além de sua guerra comercial com a China, podem ver mudanças, ainda que não estruturais.

O escravista Bolsonaro, que não esconde sua paixão pela submissão aos EUA, pode ver dificultada sua relação direta depois do revés de Trump e do enfraquecimento dos Republicanos na Câmara. Não está claro se Trump quererá incrementar seu rechaço interno em setores expressivos da população associando-se tão francamente com um um político adorador de torturas e da ditadura militar.

Não se pode descartar movimentos pouco calculados, entretanto; problemas econômicos mais graves, ou o estouro de conflitos internos, podem incrementar a necessidade de Trump de desviar as atenções para aventuras estrangeiras, cujos principais alvos são a Venezuela e o Irã.

O Partido Democrata, por sua vez, poderá ter dificuldades em conter os anseios à esquerda que, de forma bastante distorcida, se expressaram na votação de seus candidatos. Tem a seu favor dois elementos. O primeiro é a experiência acumulada de integrar e neutralizar todo movimento social ou dos trabalhadores que lhe ameaçou pela esquerda, como durante a luta pelos direitos civis na década de 1960, ou do movimento antiguerra durante a Guerra do Vietnã.

O segundo elemento a favor de sua tática de neutralização é a moderação reformista do espectro político à sua esquerda. Esta ala é representada pelo Democratic Socialists of America (DSA), que se tornou uma organização dinâmica atraindo setores da juventude às ideias do socialismo; este “socialismo” é concebido, no entanto, como a “luta por uma vida digna” no interior do regime imperialista norte-americano, sem qualquer orientação de batalhar por uma política anti-imperialista e de independência de classe frente ao Partido Democrata.

Bernie Sanders, sua principal inspiração, sustenta apoio a Israel em seus crimes contra a Palestina, e apoiou os bombardeios norte-americanos na Síria em meio à guerra civil aberta em 2011. Alexandria Ocasio-Cortez leva uma linha semelhante a Sanders, especialmente em relação ao Estado sionista, além de sustentar a tese da “refundação do Partido Democrata”.

De todo modo, ainda que se tenha expresso de maneira distorcida, estes movimentos à esquerda como resposta ao discurso de ódio de Trump, que são tributários dos levantes “No Global” de Seattle e que voltaram na forma da luta em defesa do salário mínimo e da sindicalização no setor de serviços, assim como da militância juvenil em favor de Sanders em 2016, são uma boa base sobre a qual construir uma política que enfrente o imperialismo encarnado no nacionalismo de Trump, batalhando pela unidade dos trabalhadores, das mulheres, dos LGBTs, dos negros e imigrantes, com total independência de classe frente ao “sepultador dos movimentos sociais”, o imperialista Partido Democrata.

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