Um Quilombo Vermelho em Campinas contra o racismo e o capitalismo

Por Flávia Telles e Grazieli Rodrigues.

Do cabelo, passando pelo nariz, lábios, da cor da pele ao formato do corpo, sabemos desde cedo que não somos aquilo que eles nos dizem que é bonito e superior. Depois de muito tempo tentando entender o que somos, nos negam o direito a nossa identidade, dizendo “não, aqui no Brasil todo mundo é mestiço”, “todo mundo tem sangue de mulata”, “você não é negra”. Ao mesmo tempo, nos dizem que não podemos pesquisar e estudar na Unicamp, no trabalho somos divididos entre efetivos e terceirizados, não podemos andar nos shoppings, e nem morar em Barão Geraldo ou no Cambuí. O único lugar possível para os negros na cidade parece ser as periferias, a repressão e morte cotidianas da juventude, além do trabalho precário dentro das fábricas, comércios e da terceirização.

Mais do que nunca precisamos “nos gritar negros e negras” nessa cidade, e junto a nossa identidade resgatar o legado dos escravos e escravas insurretos que na cidade de Campinas sempre se rebelaram contra sua condição de vida e trabalho e não aceitaram a opressão que foram submetidos. Se no século XIX era um castigo ser vendido aos barões de Campinas, pela fama de maus tratos, foi aqui onde os escravos tiveram que resistir por mais tempo – já que fomos a última cidade a abolir a escravidão no país, aqui em Campinas também é onde os negros sempre se rebelaram e travaram verdadeiras batalhas pela suas vidas e seus direitos, logo, se vai existir um Quilombo Vermelho nesse país, que rompa com as “senzalas” onde até hoje querem nos manter porque somos negros, obviamente ele não pode deixar de existir também nesta cidade.

Durante o período escravocrata, sempre houve rebeldia dos que não aceitavam a condição de escravos. Mesmo no pós-abolição, os negros e negras se organizaram para denunciar suas péssimas condições de vida, moradia, trabalho, a imposição de um padrão de beleza branco que não correspondia à realidade, e para isso impulsionaram diversas organizações e jornais que tinham como objetivo trazer exigências e reflexões sobre a vida dos negros, mas não só, discutiam a vida social da cidade de conjunto. E não por fora desse espírito de quem sempre resistiu, aqui também foi a cidade onde as mulheres negras se organizaram e criaram em 1960 a Associação de empregadas domésticas, como podemos ver com a história de dona Laudelina de Campos Mello, mostrando que não estavam dispostas a aceitar o trabalho degradante que se escondia dentro das casas da classe média branca.

A região de Campinas é hoje um polo industrial, que também é marcado pelo racismo, pois é se utilizando dele que os grandes capitalistas conseguem melhor explorar nas indústrias, assim como vimos recentemente na Unilever, com a propaganda racista da sua marca Dove e a demissão de mais de 130 trabalhadores para aprofundar seus planos de terceirização. Do chão de fábrica às propagandas de suas marcas, querem esmagar nossa subjetividade enquanto negros e nos fazer crer que é nos piores postos de trabalho, trabalhando mais e ganhando menos, que é o nosso lugar. Para a juventude é repressão da polícia, cada dia mais aprofundado pela prefeitura de Jonas Donizette (PSB) e pela Câmara de Vereadores racista, machista, lgbtfobica e misógina. Querem encarcerar os que ousam se expressar nos muros e nos poucos espaços de lazer da cidade, assassinam meninos como Renan, jovem periférico, na porta da escola, mesmo lugar onde com o projeto “escola sem partido”, querem nos impedir de debater temas como esses, que dizem respeito a nossa vida.

Após o golpe institucional do ano passado, toda essa dura realidade para os negros na cidade e em todo o país se aprofundou ainda mais com as reformas que Temer e a corja de golpistas querem nos impor, entretanto não esquecemos os anos de governo do PT, de Dilma e Lula, que fizeram triplicar a terceirização, garantindo emprego aos homens e mulheres negras da forma mais precária possível, com menores salários e menos direitos, não é atoa que no Brasil a terceirização tem rosto de mulher e de mulher negra. A Reforma trabalhista aprovada para destruir nosso futuro, amplia de forma irrestrita a terceirização – tornando essa forma tão precária de contratação uma condição para que o conjunto da classe trabalhadora – majoritariamente negra – possa alimentar suas famílias.

Com a Reforma do ensino Médio não querem que nas escolas estudemos a história e a cultura dos negros e dos índios, negam a juventude qualquer acesso a sua própria história. As leis 10.639/03 e 11.645/08, criadas ainda durante o governo do PT e que tornavam obrigatório o ensino de história e cultura Afro-brasileira e Indígena nas escolas, pouco se efetivaram na realidade, sendo mais uma contradição que o governo Temer aprofunda com os ataques à educação. Pra Eles lucros e privilégios, para Nós uma vida de miséria, sem direito nem mesmo a nossa identidade.

É também contra essa realidade que lutamos dia-a-dia e um exemplo disso é que conseguimos no início do ano, fruto da luta de anos do movimento negro no Brasil e da greve histórica dos estudantes da Unicamp, aprovar as cotas étnico-raciais aqui e logo depois na USP, fazendo tremer com nossa mobilização esses dois grandes exemplos do elitismo do ensino superior público a que só uns poucos, que vivem regados de privilégios têm acesso, querem que os negros só vejam a Unicamp como uma oportunidade de trabalho precário, nunca da perspectiva de estudantes.

É nessa cidade, marcada pela opressão racial, mas também pela resistência e luta de negras e negros, que hoje, dizemos que é preciso erguer um verdadeiro Quilombo Vermelho. Quilombo porque queremos resgatar a mais forte tradição de enfrentamento e resistência dos negros no Brasil, e Vermelho, porque nossa luta deve ser anticapitalista, derrotando a burguesia que necessita da nossa opressão para melhor explorar. Assim, lutar por um futuro onde nosso cabelo, nossa cor e nossa identidade possam se expressar livremente e que tenhamos direitos iguais a de qualquer outra pessoa não-negra. Precisamos transformar todo ódio que existe em nós por não poder ser quem somos, e todo ódio que existe pela cidade de Campinas e em memória dos negros que caíram diante de tanta exploração e opressão, em força para juntos derrotarmos o racismo e o capitalismo.

Fonte: Esquerda Diário

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