Um parque natural no Pântano do Sul

Por Elaine Tavares.

Mesmo com a chuva forte que caiu em Florianópolis durante todo o dia de sábado, 12 de março, o auditório da Escola Básica Municipal Dilma Lúcia dos Santos, no bairro Armação, lotou durante a noite com o povo da Planície do Pântano do Sul. Eles foram se informar sobre os projetos de adensamento populacional e de destruição ambiental que estão em andamento na região, bem como reafirmar a decisão já tomada em audiência pública do Plano Diretor Participativo de que a região inundável e de mata atlântica que existe no Pântano do Sul precisa se transformar numa Unidade de Conservação. Esse pedaço representa 43% de toda a área da Bacia Hidrográfica Litorânea do Pântano do Sul, ao sul da ilha de Santa Catarina, que tem cerca de treze quilômetros quadrados. O parque teria então uma fatia de 2,7 quilômetros quadrados.

A idéia de transformar a região em um parque natural nasceu em 2006, durante os debates sobre o Plano Diretor, e foi votada favoravelmente pela comunidade em Audiência Pública. Quem conhece o Pântano do Sul sabe que a área proposta para o parque é rica em biodiversidade, com uma fauna e flora exuberante e completamente inundável.  Ali, formava-se até bem pouco tempo a lagoa das Capivaras e era comum ver estes animaizinhos andando pelo local. Com a ocupação cada vez maior da planície, a lagoa sumiu, mas a região segue inundando sistematicamente, seguindo seu curso natural.

Com o passar dos anos, a cidade sem planejamento começou a crescer e a prefeitura a liberar áreas para construção, inclusive essa que os moradores querem transformar em Unidade de Conservação.   Em 1997 houve uma proposta da JAT Engenharia que planejava criar na planície um projeto imobiliário que aumentaria o número de habitantes em 40 mil. A idéia foi veementemente rechaçada. Mas, na cabeça dos empresários ela não morreu. Dez anos depois, em 2007, em pleno processo de discussão do Plano Diretor, a Fatma fez uma audiência pública no Pântano do Sul para apresentar um projeto da empresa CR Almeida, também de mega empreendimento. Houve nova mobilização da comunidade, mas a proposta ainda está pairando sobre as cabeças de toda a gente.

O projeto da CR Almeida prevê a disponibilização de 610 lotes bem no miolo da planície, justo na área inundável e de mata atlântica. Também a JAT Engenharia tem na manga um projeto de outros 340 lotes mais um campo de golfe, bem ao lado do loteamento da CR Almeida. É um gigantesco empreendimento que promete não só um gigantesco adensamento populacional, como a completa destruição da exuberante natureza local. Quem já foi até a praia do Pântano do Sul não pode ter deixado de se maravilhar com a beleza daquela região de planície ainda tão cheia de vida natural.

Pois na cabeça das construtoras aquela paisagem já é totalmente de concreto e grama artificial para o deleite de uma pequena parcela da população de classe média alta.
Para se ter uma idéia do que significa, em termos de impacto ambiental, obras desta magnitude, basta uma boa olhada nos números de um empreendimento bem menor, já licenciado, no mesmo espaço da planície. É o loteamento Caravelas. Há mais de três anos que a empresa está colocando terra no lugar dos lotes, porque, como já se informou, aquela é uma região tremendamente inundável. Estudos feitos por ambientalistas e professores da UFSC, apresentados pelo Núcleo Distrital do Pântano do Sul, mostram que mega-projetos como os da JAT e da CR Almeida necessitarão de quase 400 mil cargas de terra  para garantir um aterro aceitável. Além disso, a secagem da planície provocará sérias alterações no aqüífero, causando falta de água além da extinção de várias espécies animais.

Outra preocupação é com os alagamentos. Como a região da planície tem um sistema ancestral de inundação e secagem, sendo aterrada toda a extensão da mata, as águas buscarão outros espaços para escoar. Já existem estudos que dão conta que o rio Quinca Antônio inevitavelmente transbordará na sua parte mais baixa, podendo ocorrer alagamentos no bairro da Armação, já tão atingido pela falta de planejamento.

Para as pessoas que lotaram o auditório da escola dispostas a encontrar caminhos que possam barrar essa destruição, a melhora opção de desenvolvimento para o Pântano do Sul é a da preservação. Ninguém quer ver seu lugar de moradia tradicional transformado numa selva de pedra, como já aconteceu com bairros do norte da ilha, que hoje enfrentam problemas sérios de saneamento, água, e de convivialidade, visto que foram transformados em “cidade grandes” dentro da cidade, com todas as conseqüências disso. Conforme lembrou Gert Shinke, do ND Pântano do Sul, “precisamos que a prefeitura reconheça a vocação e a importância dessas terras. Até agora, o envolvimento das pessoas, as riquezas e belezas da planície e das matas vem sendo ocultados e desqualificados para justificar seu soterramento em concreto armado. Só a ação popular pode mudar isso”.

Na propaganda dos empreendimentos, o canto da sereia, que ainda encanta muitos moradores, é o da valorização imobiliária. Os panfletos dizem que com os mega- projetos habitacionais, os valores das residências aumentarão bastante. Mas, quem garantirá a boa vida que toda a gente ainda tem, com lagoas, matas, animais, plantas medicinais? Como ficará a mobilidade na área com a chegada de milhares de pessoas num espaço sem qualquer estrutura para isso? Basta dar como exemplo o transporte coletivo. Numa noite de sábado, fica-se mais de uma hora num ponto de ônibus, sem que o coletivo apareça. Como as pessoas se moverão nesse novo cenários de prédios e gentes? Valerá à pena abrir mão da vida tranqüila por trinta dinheiros? Essa é a pergunta que se faz.

Já com a criação do Parque Natural a região não perderia suas características e ainda ganharia com o turismo responsável. Afinal, o que mais gera divisas hoje é o turismo ecológico. Cansados das selvas de pedras e agitos artificiais, os turistas querem lugares onde a natureza se expresse na sua mais absoluta exuberância. E é isso que existe na planície do Pântano do Sul.  O que está em questão é a idéia de desenvolvimento, de progresso. Lugares como Canasvieiras, Ingleses e Praia Brava já mostraram que o “progresso” proposto pelos mega empresários não chega à maioria das pessoas. Só gera riqueza para as construtoras.

Assim, na chuvosa noite do dia 12 de março, o Núcleo Distrital do Pântano do Sul retomou suas atividades com a parceria solidária do Movimento Saneamento Alternativo (Mosal), Núcleo Distrital do Campeche, Revista Pobres e Nojentas, os vereadores Dr. Ricardo (PCdoB) e Professor Lino (PT), além de outras tantas pessoas e entidades que não se deixaram abater pelo mau tempo e foram expressar seu desejo de ver a planície do Pântano do Sul preservada. Porque um parque naquela região não é bom só para o “pântano do sul”, mas também para toda a cidade. Essa é uma luta que ainda vai esquentar os dias que estão por vir.

 

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