Um mapa animado da crise do arroz

Armazéns públicos estocavam milhões de toneladas de arroz, feijão e café, para controlar os preços nos períodos de entressafra. Veja como Bolsonaro e Temer eliminaram esta garantia e permitiram a especuladores impor seus preços

Por Igor Venceslau.

A alta no preço do arroz, em mais de 100% nos últimos doze meses, se tornou um grave problema de segurança alimentar no Brasil, cujo reflexo conjunto com outros itens da cesta básica acaba por drenar parte significativa da renda básica dos brasileiros e do auxílio emergencial. Um drama que virou meme nas redes.

Mas tudo isso poderia ter sido evitado. As justificativas de problemas de entressafra, flutuações de preços e retomada de compras da China são insuficientes diante de um país que não está entre os grandes exportadores do grão, é básico para o mercado interno e que possui instrumentos de política agrícola que foram desenhados justamente para esses momentos de oscilação de preços. A principal medida passa pelo papel dos estoques reguladores.

A formação de estoques reguladores possibilita executar a política governamental de intervenção no mercado, garantindo não somente o preço e a renda do produtor, mas também regulando o abastecimento interno, com consequências diretas no preço pago nas feiras e supermercados.

Os estoques públicos de arroz foram praticamente eliminados no Brasil, que conta hoje com 21 mil toneladas armazenadas no Rio Grande do Sul, um dos principais estados produtores. Esses estoques estão inalterados desde o início de 2019, quando teve início o atual governo. De fato, desde o golpe de 2016, essa vem sendo a dramática realidade, tendo aquele ano finalizado com reserva de apenas 29 mil toneladas, todas no RS.

Comparemos: no final de 2015 tínhamos 115 mil toneladas em estoque; em 2014, foram 351 mil; em 2012, mais de 1 milhão de toneladas; e em 2011, um milhão e meio. Na década anterior, essa foi a prática adotada no país, que manteve os estoques públicos em torno de 1 milhão de toneladas (ou mais) de arroz nos anos de 2000, 2001, 2005, 2006, 2007, 2009 e 2010.

A redução da quantidade armazenada vem sendo acompanhada de uma drástica restrição territorial. Desde o final de 2015 presentes apenas no Rio Grande do Sul, os estoques públicos de arroz sempre estiveram em diversos estados, principalmente nas regiões Centro-Oeste e Sul, mas em vários anos os estados do Nordeste, Norte e Sudeste contaram com importante quantidade estocada. O auge de uma política de estocagem com amplitude territorial foi em 2011, quando apenas três unidades da federação não possuíram estoques públicos de arroz.

Para essas ações, é central o papel da Companhia Nacional de Abastecimento – CONAB, empresa pública vinculada ao Ministério da Agricultura que atua diretamente na formação de estoques públicos. Ameaçada de privatização, vem sendo sucateada e teve 27 unidades fechadas somente em 2019. A companhia aplica instrumentos de política agrícola como Aquisições do Governo Federal, que hoje equivalem a 97% do arroz estocado, enquanto os outros 3% correspondem a Contrato de Opção de Venda. Hoje absolutamente nada vem da agricultura familiar, um instrumento para suprir os estoques públicos de arroz que durou até 2015. Para ter uma dimensão da importância que já recebeu, o total do arroz proveniente da agricultura familiar em 2005, 2006 ou 2007 foi superior a todo o estoque público disponível atualmente.

Infelizmente o arroz não está sozinho nesse prato cada vez mais vazio. Os estoques públicos de feijão foram zerados desde setembro de 2016, exatamente quando inicia o governo Temer, enquanto o leite deixou de ser armazenado em fevereiro de 2019, no início do governo Bolsonaro. Os estoques de regulação do açúcar foram eliminados em 2016 e do café em 2017. Só há 215 toneladas de milho sob gestão do governo, menos de 2% do que havia em 2016 e 0,01% do que existia em 2010.

Menos terras para a produção de alimentos e mais para o agronegócio. Com a velha opção da entrada de cabeça na globalização, o Brasil vive a dramática sujeição total dos preços dos alimentos às flutuações do mercado, num governo que de joelhos apela aos empresários por redução de seus lucros.

A retomada dos estoques públicos reguladores, o fortalecimento da CONAB, o incentivo à agricultura familiar e a adoção de uma outra política econômica são apenas alguns ingredientes para garantir comida na mesa dos brasileiros. Não se enganem: esse também é o prato da redução da pobreza, da eliminação da fome e do combate às desigualdades. Embora essa receita não tenha sido criada agora, sua aplicação é urgente. Soberania alimentar e soberania nacional são dois lados de uma mesma moeda.

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