Um Lenín para salvar a esquerda latina

Por Victor Farinelli.

É grande a apreensão em toda a América Latina a respeito do que acontecerá neste domingo (19/2) na metade do mundo. Apreensão que toma conta especialmente das esquerdas equatoriana e latinoamericana, que não dissimulam a metáfora do último fio de esperança.

Essa esperança se chama Lenín (assim mesmo, com acento no “í”), uma saborosa curiosidade em se tratando do ano que celebrará, em outubro, o centenário da Revolução Russa. Um Lenín moreno, mais no nome do que na pele ou no discurso, que em nada se parece ao centenário bolchevique, mas que é coerente com o projeto da Revolução Cidadã do seu antecessor Rafael Correa, de quem foi companheiro de chapa em mandatos anteriores.

O projeto correísta enfrenta nestas eleições o mesmo desafio que o PT encarou no Brasil em 2010: vencer uma eleição sem ter Correa como candidato, apenas com o seu legado e sua capacidade de transferir votos. Para facilitar essa identificação, a governista Aliança PAIS montou uma chapa com os dois vice-presidentes que governaram com o caudilho em seus dez anos no poder: Lenín Moreno, que esteve ao lado de Correa nos dois primeiros mandatos (entre 2007 e 2013), e Jorge Glas, o atual vice-presidente, que busca se manter no cargo.

As pesquisas jogam a favor da esperança da esquerda, já que apontam uma vantagem importante a favor de Lenín sobre seus dois principais concorrentes, o empresário conservador Guillermo Lasso e a jornalista democrata-cristã Cynthia Viteri. Na última delas, publicada no dia 5 de fevereiro, o candidato da esquerda aparece com 35%, contra 16% de Lasso e 14% de Viteri. Para vencer o pleito já no primeiro turno, será preciso ao menos 40% dos votos válidos e uma diferença de mais de 10 pontos percentuais sobre o segundo colocado, ou mais de 50% dos votos sem depender da diferença, e as medições indicam que ambos os panoramas são possíveis.

Rafael Correa, entre Lenín Moreno e Jorge Glas, seus dois vice-presidentes, que agora concorrem juntos para defender seu legado.

O otimismo, no entanto, é contido. Afinal, a reinstauração da direita na América Latina é um fenômeno já inquestionável, que não conquistou terreno somente através de golpes institucionais – como em Honduras, no Paraguai e no Brasil – mas também pela via eleitoral, como aconteceu nas eleições presidenciais da Argentina e nas legislativas da Venezuela, ambas em 2015, além das recentes eleições municipais brasileiras. Ademais, um desses exemplos citados traz à mente uma traumática memória: no caso argentino, o kirchnerismo passou quase toda a campanha pensando que a discussão estava em se venceria Macri no primeiro ou no segundo turno, e acabou sofrendo uma virada desnorteante.

Planos e esperanças da esquerda

Para enfrentar essa ameaça, Lenín Moreno apresentou um projeto de governo baseado em fortalecimento dos direitos e dos programas sociais, com um slogan que prega a assistência do Estado aos setores sociais mais vulneráveis durante toda uma vida, levando em conta que, entre programas já existentes que seriam reforçados e os novos que seriam criados, o Estado ajudaria cidadãos de todas as idades, e que uma pessoa poderia passar toda uma vida sendo acompanhado por esses programas. Por isso mesmo o plano apresentado pela campanha tem esse nome: “Toda uma Vida”.

Outro fator importante da proposta governista é o impulso à industrialização, meta a qual se pretende alcançar sobretudo através de acordos de cooperação com a China, que financiaria a construção de infraestrutura necessária para o país produzir artigos tecnológicos com valor agregado. Caso essa parceria se concretize – e, segundo discursos de Lenín Moreno e Rafael Correa, ela só será possível com uma vitória dos governistas nas eleições –, esse seria o primeiro caso de maior influência da China em um país latinoamericano, e uma afronta importante ao predomínio estadunidense na região.

Independente disso, do ponto de vista das esquerdas na América Latina, uma vitória de Lenín poderia ser ao menos um alívio para as forças progressistas, e evitaria um cenário de quase terra arrasada. Porém, uma derrota poderia ser talvez mais dura que a do kirchnerismo há dois anos. Afinal, o correísmo – embora também tenha enfrentado os sobressaltos comuns a todos os governos de esquerda da região – goza de um apoio popular muito mais estável, o que sempre pareceu ser uma fortaleza que o diferenciava dos demais processos.

A direita confiante

Por outro lado, talvez seja justamente a confiança da direita um dos fatores a favorecer Lenín. Diferente de Macri, cuja campanha tentou se apropriar de bandeiras tradicionais da esquerda – ele prometeu acabar com a pobreza na Argentina, ao melhor estilo Lula da Silva, além de garantir que não mexeria nos programas sociais da inimiga política Cristina Kirchner, tal qual fizeram José Serra em 2010 e Aécio Neves em 2014 – os dois principais opositores equatorianos não maquiaram suas propostas.

Talvez seja a confiança em que o ideário de direita voltou a ter cabida no continente, mas o fato é que Guillermo Lasso e Cynthia Viteri competiram abertamente com o discurso neoliberal. Ambos defenderam a bandeira de que a maior necessidade do Equador hoje é uma nova abertura de sua economia ao mundo, sobretudo Lasso, que fez desse o aspecto mais importante de sua proposta.

Não deixa de ser irônico o fato de que a direita equatoriana tente voltar ao poder com uma postura que perdeu nas primárias da direita estadunidense. Mais que isso, Donald Trump levou a direita de volta a Casa Branca prometendo justamente o contrário, mais protecionismo e menos abertura, uma postura que, aliás, frustrou os planos de alguns dos novos governos neoliberais da região, como o do Brasil e da Argentina, e pode ter frustrado também os candidatos equatorianos – por exemplo, Lasso costuma insistir na necessidade de um tratado de livre comércio com os Estados Unidos, e não é que Trump não esteja aberto aos acordos, mas somente àqueles que signifiquem nenhuma facilidade aos produtos de fora em seu país, e todas aos produtos estadunidenses no Equador.
Lasso e Viteri também se assemelham na forma de evadir perguntas sobre a manutenção ou não de programas sociais do atual governo, nunca se comprometendo a nada – exceto, no caso de Viteri, com relação a políticas em favor da mulher –, e sem negar – pelo contrário, enfatizando – a necessidade de adotar uma política de ajustes.

O resultado da equação de todos estes fatores nós veremos nas urnas, neste domingo.


Fonte: Rede LatinAmérica

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