A Amazônia Legal é gigante em todos os sentidos. São nove estados que representam 56% do território nacional. Grande parte da região é coberta por florestas, o acesso aos municípios é difícil. E as comunicações de modo geral são precárias.
O que torna as televisões na região diferentes é uma legislação especial que permitiu a proliferação de miniemissoras de TV aberta que produzem conteúdo local.
No resto do país, as retransmissoras apenas captam a programação das geradoras e a retransmitem, sem nenhuma interferência no conteúdo. Afinal, segundo a lei, geradoras são empresas de televisão com concessão da União para produzir conteúdo de comunicação de massa. As concessões, aprovadas pelo presidente da República e referendadas pelo Congresso Nacional, são válidas por 15 anos, renováveis por iguais períodos. Já as retransmissoras não passam de equipamentos (decodificador e transmissor) ligados a uma antena. As outorgas são mais simples, dadas por portaria pelo ministro das Comunicações apenas.
Mas na Amazônia, graças a um lei de 1978, elas podem criar conteúdo próprio. O decreto do então presidente, general Ernesto Geisel, permitiu que retransmissoras situadas em “regiões de fronteira de desenvolvimento” fizessem inserções locais na programação. Dez anos depois, Antônio Carlos Magalhães, ministro das Comunicações do governo Sarney, definiu que essas áreas seriam a Amazônia Legal. Segundo o ex-secretário Executivo do Ministério das Comunicações Rômulo Villar Furtado, ACM assinou a portaria a pedido do empresário Phellipe Daou, um dos fundadores da Rede Amazônica, afiliada da Globo no Acre, Amazonas, Rondônia, Roraima e Amapá. “Poucos empresários se mostravam dispostos a investir em TV em áreas remotas. Uma forma de atraí-los era dar autonomia financeira às retransmissoras, deixá-las gerar conteúdo para auferir algum recurso com publicidade local”, disse Furtado.
A portaria permite até 3 horas e meia por dia de programação própria. Esse é o caso de 1.737 canais espalhados por 742 municípios no Pará, Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Amapá, Tocantins, Maranhão e Mato Grosso. Nessas localidades, ter uma retransmissora equivale a ter uma emissora de televisão: com logomarca, estúdio, apresentadores, repórteres e dinheiro entrando no caixa com a venda de anúncios. Um quinto desses canais pertence a políticos. Empresários e igrejas também brigam para ocupar esse espaço.
Na Amazônia Legal, as TVs locais ganham vida.
Reportagem: Elvira Lobato Projeto multimídia: Agência Pública
A força dos políticos
Eles controlam 21% das retransmissoras na Amazônia Legal
Sábado, 3 de julho de 2015. São 11 horas da manhã, e o ar-refrigerado é o único conforto do pequeno estúdio improvisado em Alto Alegre do Maranhão, município pobre da região dos Cocais, no leste do estado. No outro lado da parede do estúdio há um balde para aparar a água que pinga do aparelho e uma placa que suplica aos visitantes: “Por favor, não mijem aqui”.
Estamos na entrada da TV Tapuio, canal 13, que foi inaugurada em 2013 pelo prefeito Maninho de Alto Alegre, do PTB. Ela retransmite a programação da afiliada da Record de São Luís, que pertence à família de um outro político: o senador Roberto Rocha, do PSB.
No estúdio da pequena emissora, três jovens estão empenhados em pôr no ar o programa Sábado Vip. Eles são o elo mais frágil do sistema de controle dos meios de comunicação pelos políticos no Maranhão. Ganham pouco mais de um salário mínimo por mês e vendem anúncios para completar a remuneração.
A TV Tapuio funciona sem outorga do Ministério das Comunicações – o canal 13 de Alto Alegre nem aparece no sistema de controle de radiodifusão da Anatel. Mas nada parece esfriar o empenho de seus funcionários. “Anunciem na TV!”, apela o apresentador Carlos Augusto, de 22 anos, diante da câmera.
“Profissionalmente, eu me sinto realizado”, afirma o segundo jovem, Francisco Santos, 23. Ele acumula as funções de repórter e de apresentador do noticiário Alto Alegre Agora: uma costura de informações policiais, políticas e esportivas que vai ao ar de segunda a sexta, ao meio-dia.
Francisco conta, emocionado, que o ponto alto de sua profissão foi driblar os jornalistas de São Luís e entrevistar, sozinho, o governador do Estado, Flávio Dino, do PC do B, durante visita ao projeto Salangô, de produção irrigada de arroz, no início de 2015. “Saí do meio do bolo de jornalistas. Fiquei sozinho, e o governador veio na minha direção. Consegui uma exclusiva.”
Francisco Santos, Kívia Maria e Carlos Augusto, jornalistas da TV Tapuio. Os três fizeram obtiveram registro profissional com diploma de curso técnico em jornalismo (Foto: Elvira Lobato).
A terceira do grupo é Kivia Maria, 25, operadora do equipamento que corta o sinal enviado da capital do estado pela afiliada da Record para incluir a programação local.
Diferentemente dos colegas, que sonham em crescer na profissão de jornalista, ela almeja uma vaga estável numa assessoria de imprensa.
Os jovens citam como algo corriqueiro o fato de o canal pertencer ao prefeito. Afinal, o antecessor dele, Liorne Branco Almeida, também teve um canal de televisão na cidade.
A situação da emissora de Alto Alegre do Maranhão se repete em quase todos os municípios maranhenses, onde proliferam miniemissoras de televisão controladas por políticos.
O fenômeno também acontece, em menor escala, nos outros oito estados da Amazônia Legal. Uma em cada cinco retransmissoras de TV da região pertence a algum político. Dos 1.737 canais de retransmissão legalmente aptos a produzir conteúdo local, 373, ou 21,5% do total, estão em nome de políticos ou de parentes próximos. O grupo inclui sete senadores.
O Maranhão é o extremo desse fenômeno. Das 276 retransmissoras de TV maranhenses, 159, ou 58%, estão registradas em nome de empresas de políticos. Se forem somadas as retransmissoras de prefeituras, são impressionantes 223 televisões comandadas por políticos, o que representa 81% do total de retransmissoras existentes no estado.
Rseana Sarney e seu pai, Jose Sarney (Foto: Agência Brasil).
As quatro grandes redes nacionais de televisão – Globo, SBT, Record e Bandeirantes – estão associadas a políticos no Maranhão. A TV Mirante, afiliada da Globo, é da família Sarney. A principal emissora do grupo, a de São Luís, pertence aos três filhos do ex-presidente: Roseana Sarney (ex- governadora do Maranhão, ex-senadora e ex-deputada federal, do PMDB), José Sarney Filho (deputado federal do PV, com nove mandatos consecutivos) e o empresário Fernando Sarney, que dirige o grupo de comunicação da família. A Mirante tem 20 retransmissoras no estado.
Em sociedade com a mulher, Tereza Murad Sarney, Fernando Sarney possui mais duas geradoras (o canal 10 de Imperatriz e o canal 9 de Codó), que por sua vez possuem outras nove retransmissoras. Há mais dez retransmissoras em nome da TV Maranhão Central, uma sociedade entre Tereza Murad Sarney e o ex-deputado Joaquim Nagib Haickel (PMDB).
No final de 2014, a família Sarney comprou a empresa Rio Balsas, proprietária do canal 6, na cidade de Balsas. Trata-se de uma emissora geradora. Mas até o final da pesquisa, em outubro de 2015, continuava oficialmente em nome do ex-prefeito Francisco de Assis Coelho (PDT), que ocupou o cargo de 2005 a 2012. A Mirante atribui a situação à lentidão da burocracia do governo. A transferência só pode ser oficializada com aprovação do Ministério das Comunicações, processo que pode levar vários anos.
Edison Lobão Filho (Foto: Agência Brasil).
A família Lobão controla a rede mais extensa do estado: 79 retransmissoras de televisão em nome da Rádio e TV Difusora, afiliada do SBT. Comandada por Edison Lobão Filho, primeiro suplente do pai no Senado e candidato derrotado ao governo estadual em 2014, a rede se tornou uma máquina de alianças políticas.
Tentativa de legalização
No interior do Maranhão foi possível constatar que Edinho Lobão, como é conhecido, terceiriza a gestão das retransmissoras, o que é proibido pela legislação.
Quando ocupou a vaga do pai no Senado, ele propôs legalizar o aluguel das retransmissoras, com o projeto de lei 285/2009. A justificativa para a proposta era a de que os titulares das outorgas tinham dificuldade para implantar as operações e que o arrendamento seria uma forma de “democratizar e estender o acesso à informação e lazer”.
O projeto chegou a ser aprovado na Comissão de Constituição e Justiça – contra o voto isolado do então senador Eduardo Suplicy (PT-SP) –, mas emperrou na Comissão de Desenvolvimento Regional e de Turismo. Em dezembro de 2014, foi arquivado pela mesa diretora do Senado.
Os parceiros de Lobão Filho, na maioria dos casos, são políticos com base eleitoral na localidade, que assumem a responsabilidade pelo negócio.
Um exemplo é a retransmissora de Bacabal, na região do Médio Mearim. Em 1987, o Ministério das Comunicações outorgou o canal 2 daquela cidade à Rádio e TV Difusora, mas quem explora o serviço é o deputado estadual Roberto Costa, do PMDB, afilhado político do senador José Alberto, do mesmo partido.
Humberto Coutinho recebe a Medalha Especial do Mérito Cândido Mendes, a mais alta comenda do Poder Judiciário maranhense (Foto: Agência Assembleia).
O presidente da Assembleia Legislativa do Maranhão, Humberto Coutinho, do PDT, arrendou por vários anos de Lobão a retransmissora de Caxias. Na eleição de 2014 para governador, Coutinho aliou-se a Flávio Dino, que derrotou Lobão Filho. Em retaliação, o peemedebista rompeu o contrato de arrendamento no meio da campanha eleitoral. Passada a eleição, voltaram a se acertar.
Edinho Lobão chegou a ser condenado em primeira instância, em 2010, por ter arrendado o canal 9 de São Mateus do Maranhão. O processo foi arquivado depois de prescrito.
Famílias tradicionais
A afiliada da Record no Maranhão também pertence a uma tradicional família de políticos, a do senador Roberto Rocha, do PSB, filho do ex-governador Luiz Rocha, falecido em 2001, e irmão do prefeito de Balsas, Luiz Rocha Filho. A mãe do senador é sócia da Rádio Ribamar, concessionária do canal 6 de São Luís. Os herdeiros do ex-governador possuem ainda seis retransmissoras no interior do estado, sendo duas na cidade de Balsas.
A afiliada da Record está em rápida expansão no interior, repetindo o modelo de alianças com políticos e prefeitos. Há relatos de que ela também cobra um valor mensal dos parceiros para liberar o sinal.
O canal afiliado da Rede Bandeirantes em São Luís não tem concessão de emissora geradora, como os outros grandes concorrentes. Ele só tem outorga de retransmissora e produz conteúdo local por estar na Amazônia Legal. A empresa, chamada Sistema Maranhense de Radiodifusão, pertence a Manoel Nunes Ribeiro Filho, ex-prefeito de São Luís e ex-deputado estadual por cinco mandatos. Filiado ao PTB, Ribeiro Filho foi presidente da Assembleia Legislativa por doze anos.
Império dos senadores
Davi Alcolumbre (Foto: Agência Senado).
Pelo menos sete senadores possuem retransmissoras na Amazônia Legal em nome próprio ou de familiares: Romero Jucá, do PMDB de Roraima, Davi Alcolumbre, do DEM do Amapá, Jader Barbalho, do PMDB do Pará, Acir Gurgacz, do PDT de Rondônia, Wellington Fagundes, do PR de Mato Grosso, e os já citados maranhenses Edison Lobão e Roberto Rocha.
Natural de Rondonópolis, o pecuarista Wellington Fagundes foi deputado federal por seis mandatos consecutivos antes de se eleger senador, em 2014. Na sua longa permanência na Câmara, obteve seis retransmissoras de TV: uma na capital e cinco no interior do Mato Grosso, em Tangará da Serra, Rondonópolis, Jaciara, além de dois canais em Barra do Garças.
O canal 17 de Cuiabá é o único que está em nome dele. Os demais foram outorgados a quatro empresas registradas em nome dos filhos Diógenes e João Antônio Fagundes. A retransmissora de Cuiabá não está no ar, mas consta na declaração de bens que o senador apresentou ao Tribunal Superior Eleitoral em 2014, com valor contábil de R$ 10 mil.
O apetite dos políticos por emissoras de televisão está diretamente ligado à possibilidade de usá-las em suas campanhas eleitorais. No caso do senador Fagundes, o Tribunal Regional Eleitoral considerou que a emissora de Rondonópolis – TV Cidade, canal 5, que retransmite a Record – foi usada para esse fim na campanha de 2014, e a multou em R$ 21 mil, na ocasião. A TV Cidade entrevistou os dois candidatos ao Senado que tinham base eleitoral em Rondonópolis, mas deu a Fagundes o dobro do tempo dispensado ao adversário, Rogério Salles, do PSDB.
Tudo dominado em Roraima
O verso do funk “tá dominado, tá tudo dominado” se aplicaria igualmente ao cenário da radiodifusão em Roraima. O domínio, no caso, é dos políticos.
Roraima tem apenas três emissoras geradoras de televisão: o canal 10, afiliado do SBT, o canal educativo estadual e o canal 4, afiliado da Globo. Todas as demais televisões funcionam com licenças de retransmissoras.
A TV Tropical, canal 10, pertence ao ex-deputado federal Luciano Castro, do PR, e ao ex-senador Mozarildo Cavalcanti, do PTB. Os dois receberam a concessão no governo Sarney. Na época, Cavalcanti era deputado federal constituinte e Castro ainda não tinha mandato político (a partir de 1995, teve cinco mandatos consecutivos de deputado federal).
Romero Jucá (Foto: Agencia Brasil).
A família do senador Romero Jucá possui duas retransmissoras na capital do estado, as afiliadas das redes Record e Bandeirantes. Os canais foram transferidos aos filhos do senador em 2009, encerrando uma longa e ruidosa celeuma pública em torno da propriedade das emissoras. A TV Imperial, canal 6, que retransmite a Bandeirantes, está em nome de Marina de Holanda Menezes Jucá, e a TV Caburaí, canal 8, retransmissora da Record, foi transferida oficialmente ao ex-deputado estadual Rodrigo Jucá.
Durante vários anos o senador foi acusado de usar laranjas para montar sua rede de comunicação. Ele sempre refutou as acusações, que não foram investigadas a fundo.
Em 2010, o lobista Geraldo Magela Fernandes da Rocha declarou à imprensa e à Polícia Federal ter emprestado o nome ao senador para viabilizar a TV Caburaí. Disse que assinou a documentação no gabinete de Jucá no Senado. No meio do turbilhão, surgiu um segundo laranja confesso, João Francisco Moura, afirmando que também emprestou o nome ao senador para compra de rádio e TV.
A Polícia Federal iniciou uma investigação que foi interrompida pelo Supremo Tribunal Federal, em 2010, com argumento de que o delegado agira sem autorização do STF ou da Procuradoria Geral da República para investigar políticos com mandato federal.
O ex-senador Mozarildo Cavalcanti explica o motivo da atração dos políticos por emissoras de televisão: “O papel da TV é ser uma vitrine para o político ficar em evidência permanente. Para mostrar os pronunciamentos e participações em audiências públicas, de forma que ele pareça mais inteligente e mais bem preparado que os demais”.
Cavalcanti figura oficialmente como sócio, com 45% das cotas, da Rede Tropical de Comunicação, mas diz que já negociou a venda de sua parte aos outros sócios e que autorizou a transferência na Junta Comercial.
Na eleição de 2014, ele disputou uma vaga no Senado com o Luciano Castro, seu sócio na emissora. Os dois foram derrotados por Telmário Mota, do PDT. O ex-senador foi compensado com o cargo de representante do governo de Roraima em Brasília, e Castro tornou-se secretário de Transportes do governo federal.
Cavalcanti reclamou que o sócio não lhe deu espaço na televisão e deixou antever que este foi o motivo para sair da sociedade. “A televisão não foi bom negócio para mim, nem como instrumento de divulgação política nem como investimento comercial. Eu tinha o ônus político de ser sócio da TV e não tinha o bônus. Não havia espaço para mim na emissora.”
Aconselhado pelo governo à época, Cavalcanti registrou as cotas na Rede Tropical em nome da mulher, Geilda. Em 2005, já senador, conseguiu um segundo canal de televisão em Boa Vista, o canal 49, em nome da Associação Beneficente Viver Melhor, presidida por Geilda. O canal, segundo ele, será implantado em parceria com a Legião da Boa Vontade.
Hoje fora da TV, o ex-senador defendeu mudanças na legislação para impedir que políticos detenham o controle de emissoras de radiodifusão. “Em Roraima temos uma situação de cartel”, disse, referindo-se à família do senador Romero Jucá, que controla as afiliadas da Bandeirantes e da Record no estado. Ele disse que nunca foi entrevistado pelas emissoras de Jucá, seu adversário político, e que elas sempre o retrataram de forma depreciativa. Contou que em 2007, na votação que acabou derrubando a CPMF (Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira), as emissoras de Jucá fizeram campanha difamatória contra ele. Jucá era líder do governo no Senado e defendia a manutenção do imposto para arrecadar recursos para a saúde. Cavalcanti, que é médico, era contra. Segundo contou, foi taxado de inimigo da saúde pública pelas emissoras de Jucá, que não o ouviram sobre o episódio.
Pai e mãe em Rondônia
A família do senador Acir Gurgacz é proprietária do sistema Cidade de Rondônia, que acumula oito retransmissoras. Seis delas estão em nome da Rede de Comunicação Cidade, que tem como acionista o pai do senador, Assis Gurgacz. Acir também figura na Junta Comercial de Rondônia como procurador da Sistema Ouro Verde de Rádio e Televisão, que tem um canal em Ouro Preto do Oeste.
A TV Candelária, afiliada da Record em Rondônia, pertence ao ex-presidente da Assembleia Legislativa Everton Leoni, do PSDB. Ele foi deputado estadual por dois mandatos consecutivos, de 1998 a 2006. O grupo tem uma geradora, o canal 10, de Pimenta Bueno, e retransmissoras na capital e em 16 cidades.
O ex-deputado não figura como acionista. As outorgas estão em nome de três empresas registradas em nome do filho, Marlon Leoni, e da mãe, Eva Leoni.
Abuso eleitoral no Pará
Um dos objetivos da pesquisa sobre a presença de políticos entre os proprietários de emissoras de rádio e televisão é identificar até que ponto esse fenômeno interfere nos processos eleitorais e se os políticos usam indevidamente esses meios para se eleger ou eleger os aliados.
O procurador federal Alan Rogério Mansur da Silva sustenta que políticos e radiodifusão, quando associados, criam uma competição desigual para os demais candidatos. Em 2014, como procurador regional eleitoral do Pará, ele denunciou, por abuso de poder, o candidato a governador (pelo PMDB) Helder Barbalho, filho do senador Jader Barbalho, cuja família é proprietária da afiliada da Bandeirantes no Pará. Leia a entrevista:
Procurador federal Alan Rogério Mansur da Silva (Foto: José Cruz / Agência Brasil).
Em que medida o fato de políticos possuírem emissoras afeta o processo eleitoral?
Interfere bastante. E não apenas quando o próprio candidato é proprietário. Acontece também quando a emissora é de um parente do político. A interferência é maior nos municípios mais distantes da capital, onde as pessoas se informam sobretudo pelo rádio e pela televisão. A internet e os jornais impressos têm pouca influência na formação de opinião nos locais distantes. Jader Barbalho usou seu poder econômico nos meios de comunicação para favorecer sua candidatura a senador e a do filho para governador. Pai e filho são sócios do Sistema Rádio Clube, que é retransmitido em todo o estado em rede com outras emissoras.
Em que momento da campanha ficou constatado esse uso?
Desde antes da eleição. Começou em 2013. Helder era presidente da Federação dos Municípios do Estado do Pará e tinha um programa na Rádio Clube em que ouvia a comunidade. Também representamos contra o deputado federal Wladimir Costa por usar emissoras em favor de sua campanha e por fazer propaganda eleitoral antecipada. Helder e Costa acusaram-se mutuamente de abuso na campanha e ambos estavam com razão. A coligação que apoiava a candidatura de Simão Jatene [que acabou eleito governador pelo PSDB] representava contra rádios e TVs do candidato Helder Barbalho e este, por sua vez, representava contra o jornal O Liberal e uma rádio que fizeram campanha pró Jatene. Ficavam uns contra os outros. Pedíamos suspensão da programação, multa por reiteração de pratica ilegal. Dez dias antes do segundo turno da eleição, entramos com uma ação cautelar contra empresas da família Barbalho, pedindo a retirada de programação porque fazia propaganda bem aberta. Nem era subliminar. A ação está no Tribunal Regional Eleitoral.
Jader Barbalho (Foto: José Cruz / Agência Senado).
O senador Jader Barbalho, em sociedade com o filho Helder Barbalho e a ex-mulher, a deputada federal Elcione Barbalho, todos do PMDB, têm duas concessões de televisão no Pará – Belém, canal 13, e Marabá, canal 2 – em nome da empresa Sistema Clube do Pará de Comunicação, que possui seis retransmissoras no interior. A família possui ainda mais cinco retransmissoras em nome da RBA – Rede Brasil Amazônia de Televisão. A rede é afiliada da Bandeirantes.
Lei da selva na disputa entre igrejas
Há pelo menos 174 canais católicos, que competem entre si, e 97 evangélicos
Quando adquiriu a Rede Record, no início dos anos 90, a Igreja Universal do Reino de Deus abriu o caminho para um luta selvagem entre as igrejas pela conquista de espaços na radiodifusão. Há pouca visibilidade sobre a extensão desse fenômeno na Amazônia porque católicos e evangélicos registram as emissoras em nome de empresas e de fundações criadas especificamente para receber as outorgas dos canais.
O primeiro desafio para a identificação dos canais religiosos é a comprovação do vínculo formal com a igreja, através da busca de documentos em cartórios e juntas comerciais. Esses documentos mostram que pelo menos 16% das retransmissoras de TV existentes na Amazônia Legal estão ligadas a igrejas. São 174 canais católicos e 97 evangélicos.
O mapeamento reflete apenas os canais que estão formalmente vinculados a denominações religiosas. Segundo os profissionais de radiodifusão, o número real seria bem maior, pelo fato de existirem muitos canais em mãos de evangélicos por meio de contratos de arrendamento ou adquiridos sem registro em cartório. Como a legislação só admite a venda de emissoras com prévia autorização do governo e do Congresso Nacional – processo que pode durar vários anos –, as vendas são feitas por documentos particulares, os “contratos de gaveta”.
Das 271 outorgas de retransmissão de TV da Amazônia Legal formalmente vinculadas a denominações religiosas, 64% são da Igreja Católica, que, no entanto, não tem uma estratégia de ação unificada no setor. São várias correntes católicas autônomas que avançam de forma desordenada e superposta na radiodifusão.
Os registros da Anatel mostram um dado curioso: o governo de Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, foi o que mais favoreceu o avanço das igrejas na radiodifusão na Amazônia Legal. Ele autorizou a outorga de 90 retransmissoras para grupos católicos e 49 para denominações evangélicas. Seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, autorizou 76 canais católicos e oito evangélicos na região.
Escritório de retransmissora da Tv Record em Coroatá, no Maranhão (Foto: Elvira Lobato).
Poderio católico
A Igreja Católica tem três emissoras com cobertura nacional – Rede Vida, TV Aparecida e Canção Nova –, além de emissoras regionais e locais que competem entre si. A de maior força dentro da Amazônia Legal é a TV Nazaré, mantida pela diocese de Belém do Pará. A emissora, regional, possui 76 canais autorizados a entrar em funcionamento e está presente em nove Estados.
A primeira rede católica de alcance nacional foi a Rede Vida. Ela nasceu em 1995, em resposta ao avanço evangélico. Não pertence oficialmente à igreja, mas ao empresário João Monteiro Barros Filho, de São José do Rio Preto, em São Paulo, que obteve a concessão no governo do ex-presidente José Sarney. Graças à influência da CNBB, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a Rede Vida obteve outorgas de retransmissão em todo o país.
As dioceses financiaram a implantação da maioria das retransmissoras da Rede Vida e algumas, inclusive, são donas dos canais. No Acre, sete retransmissoras estão em nome da Fundação Verdes Florestas, da diocese de Cruzeiro do Sul. A de Benjamin Constant, no Amazonas, pertence à Vice-Província dos Capuchinhos do Amazonas e Roraima. E a de Barreirinhas, também no Amazonas, está em nome da Fundação Evangelii Nuntiandi, da diocese de Parintins.
Surgida em 1998, a TV Canção Nova se tornou a segunda emissora nacional católica. Ela pertence ao Movimento da Renovação Carismática, possui 16 retransmissoras na Amazônia Legal e está presente nas capitais de seis Estados.
Terceira emissora católica de cobertura nacional, a TV Aparecida tem quatro retransmissoras na Amazônia, em Palmas, São Luís, Belém e Manaus. Os canais estão em nome do Sistema TV Paulista, adquirido pelo Santuário de Aparecida em maio de 2007. A empresa pertenceu ao apresentador Gugu Liberato e tem retransmissoras em 19 Estados. Conforme foi noticiado à época, o negócio custou R$ 15 milhões à igreja.
A TV Terceiro Milênio, da diocese de Maringá, caminha para ser a quarta emissora católica de cobertura nacional. Ela registrou duas empresas – Rádio e Televisão Landell e Rádio e Televisão Novo Mundo –, que receberam retransmissoras de TV no Pará (Parauapebas e Marabá) e Rondônia (Ji-Paraná).
Evangélicos
A maior rede evangélica de retransmissão de TV dentro da Amazônia Legal é a Rede Boas Novas, da Assembleia de Deus no Amazonas, presidida pelo pastor Jônatas Câmara. Por meio da Fundação Evangélica Boas Novas, a igreja possui uma emissora geradora de TV em Manaus, o canal 8, e 11 retransmissoras, que cobrem as capitais de Tocantins, Roraima, Amapá, Maranhão, Rondônia e Mato Grosso.
A Assembleia de Deus do Amazonas possui mais 57 retransmissoras no estado em nome da empresa Cegrasa, a Central de Emissoras, Gravações e Repetidoras Ajuricaba. A igreja também é proprietária de uma geradora em Porto Velho, o canal 6, por meio da empresa RBN – Rede Brasil Norte de Televisão.
RR Soares (Foto: divulgação).
O pastor RR Soares, fundador e líder máximo da Igreja Internacional da Graça de Deus, detém 23 retransmissoras de TV na Amazônia Legal por intermédio da Televisão Cidade Modelo. Os canais cobrem as capitais de Tocantins, Amazonas, Amapá, Rondônia, além da capital e parte do interior de Mato Grosso, Pará e Maranhão.
A Igreja Sara Nossa Terra possui uma emissora geradora educativa em Brasília, o canal 30E, e já obteve cinco retransmissoras na Amazônia Legal registradas em nome de três empresas – Rádio e TV Sul Americana, Rádio e TV São Paulo e Comunicações Dunamis – e da Fundação Sara Nossa Terra. As duas primeiras têm endereço em São Paulo e os sócios são os bispos Atílio Beraldo, Felipe Beraldo e Aparecida Paspardelli Beraldo. A Dunamis é de Belo Horizonte, está registrada em nome de um pastor e em seu endereço funciona um escritório de contabilidade.
Igrejas evangélicas pouco conhecidas trilham o mesmo caminho. A empresa Amazônia Rádio e Televisão, dona do canal 7 de Santarém, no Pará, pertence ao presidente da Igreja da Paz, Geraldo Bastos Filho. E a Kake TV, proprietária do canal 57 de Pimenta Bueno, em Rondônia, está em nome das filhas do ex-vereador e pastor da Igreja Betel Apostólica Josafá Xavier Oliveira.
O avanço adventista
O rápido avanço da Igreja Adventista do Sétimo Dia na disputa por espaços na radiodifusão tem levantado questionamentos sobre seus métodos de obtenção de retransmissoras de TV, dentro e fora da Amazônia Legal. A igreja, cuja origem nos Estados Unidos remonta ao século 19, possui uma concessão de televisão educativa, a Rede Novo Tempo, na cidade paulista de Pindamonhangaba. A outorga foi autorizada por Fernando Henrique Cardoso em 2000.
A Fundação Setorial de Radiodifusão Educativa de Sons e Imagens, com sede também em Pindamonhangaba, é dona da concessão, e quem a administra é a Rede Novo Tempo. Ambas são comandadas por dirigentes da igreja. A partir da geradora Novo Tempo, os adventistas têm usado vários recursos para montar uma malha de retransmissoras com cobertura nacional. A estratégia passa por cooptar prefeituras que tenham canais ociosos.
A prefeitura de Canarana, no Mato Grosso, está entre as que se renderam ao canto de sereia dos adventistas. Em junho de 2011, o então prefeito Walter Lopes Faria assinou um contrato de comodato com a Fundação Setorial, transferindo para ela o direito de uso por cinco anos do canal 6. O empréstimo foi autorizado previamente pela Câmara dos Vereadores, por lei municipal. Além de ceder gratuitamente o canal, a prefeitura paga a energia elétrica consumida pelo retransmissor e disponibiliza um técnico para fazer a manutenção dos equipamentos.
O modelo de Canarana é replicado em municípios como Mãe do Rio, Monte Alegre, Mãe Maria, Alenquer e Marabá, no Pará, e Barra do Garças e Pontes de Lacerda, no Mato Grosso.
A igreja orienta os pastores a agir de acordo com as regras do Ministério das Comunicações e da Anatel. Mas, em Peritoró, cidade maranhense da região dos Cocais, a reportagem constatou o funcionamento do canal 16, da TV Novo Tempo, sem outorga. Na entrada da cidade, um outdoor anuncia a retransmissora.
Flávio Santos Lemos, 28, diretor da Igreja Adventista local que se apresenta como “ancião” do templo, diz que a TV foi inaugurada em dezembro de 2013 e usa antena da prefeitura.
A Fundação Setorial ingressou com centenas de pedidos de outorgas de retransmissão de TV no ministério. Os processos começaram a chegar ao conhecimento público no final de 2014, quando uma força-tarefa do ministério agilizou a análise dos pedidos para a Bahia. A fundação levou 89 do total de 267 canais outorgados para o Estado.
A rápida expansão da Rede Novo Tempo gerou reação no Congresso Nacional. No dia 15 de dezembro de 2014, o então deputado federal Ruy Carneiro, presidente do diretório estadual do PSDB na Paraíba, apresentou à Câmara um requerimento pedindo explicações ao Ministério das Comunicações sobre “possíveis irregularidades” na concessão de canais de retransmissão à Fundação Setorial.
O requerimento alega que a fundação desbancou as maiores redes nacionais, incluindo Globo, Record, Bandeirantes e RedeTV, que disputavam os mesmos canais. Diz ainda que haveria “fortes indícios” de tratamento privilegiado à entidade.
Tito Rocha, gerente de Expansão da TV Novo Tempo, confirmou as parcerias da Fundação Setorial com as prefeituras, dentro e fora da Amazônia Legal, mas diz que a igreja não concorda com a implantação de canais sem outorga, como foi constatado em Peritoró. “Quando tomamos conhecimento, mandamos fechar”, disse ele. Segundo Rocha, a televisão é “um dos carros-chefes do evangelismo”, o que explica o empenho das igrejas por novos canais.
Pastor Flávio Lemos, “ancião” do templo da Igreja Adventista do Sétimo Dia administra o canal 16 da TV Novo Tempo em Peritoró (Maranhão). Emissora está entre as que se instalaram sem outorga do Ministério das Comunicações (Foto: Elvira Lobato).
Competição entre católicos
Há uma competição não declarada na Amazônia Legal entre as televisões católicas, que disputam tanto a audiência quanto o apoio das dioceses. Maior emissora católica da região, a TV Nazaré se considera a única de fato educativa, por não faturar com a venda de comerciais como suas “coirmãs”. Ela vê a Rede Vida como uma TV comercial, que transfere custos para as dioceses.
Como o cobertor é curto, e todas bebem da mesma fonte, faltam recursos à TV Nazaré para completar a implantação de sua rede. Ela ainda não instalou 39 canais de retransmissão que recebeu do Ministério das Comunicações em 2004. Está com a faca no pescoço: se não completar a implantação, poderá perder as outorgas.
A diocese de Belém recebeu a concessão da emissora geradora da TV Nazaré em 2000, por decreto do e então presidente Fernando Henrique Cardoso. Os estúdios, a redação e administração da emissora funcionam na Fundação Nazaré, em um prédio amplo no centro de Belém.
Na entrevista a seguir, o diretor de Comunicação da Fundação Nazaré, Mário Jorge Alves, faz uma avaliação franca da disputa entre emissoras católicas na Amazônia Legal. Funcionário aposentado do Banco do Brasil, ele ocupa o cargo desde 2008, como voluntário.
Como é a relação da TV Nazaré com suas retransmissoras?
Nós damos a elas a possibilidade de terem até três horas diárias de produção local, como prevê a legislação. No momento, temos 40 retransmissoras implantadas sob administração das dioceses, mas não sei quantas produzem conteúdo próprio.
Vocês deixam a produção local por conta das dioceses?
Exatamente. Elas têm de criar as condições para gerar conteúdo local: estúdio, câmera. Não fazemos estes investimentos.
Vocês podem veicular comerciais?
Não. Nossa concessão é educativa, e a legislação só nos permite receber apoio institucional.
Qual é a diferença, na prática, entre o apoio institucional e a propaganda?
Entendemos que o anúncio incentiva o consumo. O apoio institucional não permite falar de produto ou de preço. Só divulga o nome da empresa.
Qual é a estrutura da Fundação Nazaré?
Temos 70 funcionários efetivos e vários voluntários. A estrutura atende à rádio Voz de Nazaré e à TV, onde produzimos um jornal diário ao meio-dia. Nossa missão é a evangelização. O forte do nosso conteúdo é religioso e cultural.
Os jornalistas têm de ser católicos?
Não, mas nós respiramos o catolicismo 24 horas por dia. Os não católicos entram e depois de um tempo desistem.
Como a TV sobrevive financeiramente?
Uma fonte de receita é o aluguel de espaço na nossa torre de transmissão para empresas de telefonia celular em Belém. Temos as contribuições dos fiéis e os apoios institucionais do Estado, de prefeituras e de empresas, que estão sofrendo com a crise econômica. Nossa folha de pagamentos está em dia, mas estamos reduzindo o quadro salarial.
Por que a Rede Nazaré não instalou todos os canais que possui?
São as dioceses que arcam com a infraestrutura e algumas não querem ou não podem arcar com o investimento.
Quanto custa instalar uma retransmissora?
Numa cidade pequena, de até 80 mil habitantes, o custo total, incluindo a torre, sairia por volta de R$ 77 mil. Se já existir uma torre no local, o investimento cai para um terço desse valor.
Este investimento inclui a infraestrutura para produção de conteúdo local?
Não. Isso é só para colocar o canal no ar. A implantação de um estúdio custaria mais R$ 30 mil a R$ 40 mil.
A TV Nazaré dá suporte técnico às dioceses?
Sim. Nós enviamos o técnico para colocar a emissora no ar. Mas as despesas de deslocamento e de estadia do técnico ficam por conta da paróquia.
A Igreja Católica tem várias redes de televisão. Há uma divisão territorial ou elas competem entre si?
Nós somos uma emissora educativa. A Rede Vida e a Canção Nova são emissoras comerciais. Temos uma dificuldade adicional.
A Rede Vida compete com a TV Nazaré?
Sim, com certeza. A competição não é pela geração de conteúdo – ela não tem produção local –, mas pelo apoio financeiro. As paróquias pagam a energia consumida pela retransmissora da Rede Vida, e não instalam o canal que lhes ofereceremos. Eu pergunto: por que custear a Rede Vida sem gerar conteúdo local se temos um canal disponível para eles gerarem?
A energia é o maior custo fixo da retransmissora?
No caso das que não geram conteúdo local, sim: cerca de R$ 800 por mês. Muitas dioceses usam o custo da Rede Vida como argumento para não instalarem os canais da TV Nazaré.
O senhor disse que a TV Nazaré tem 39 canais de retransmissão que ainda não foram implantados. Ela corre o risco de perdê-los?
Sim, o prazo de implantação dado pelo Ministério das Comunicações se esgotava no final de 2015. Temos um outro desafio que é digitalizar os canais já implantados. A migração para o digital deve custar R$ 200 mil por canal, no interior. Estamos falando de R$ 8 milhões de investimento. Vivemos um momento delicado.
Como pretendem financiar este investimento?
Estamos buscando doações da própria igreja, no exterior, como foi feito em 2003, quando a Conferência Episcopal Italiana nos doou recursos para implantar as retransmissoras no interior.
Vocês fiscalizam o conteúdo gerado pelas retransmissoras?
Não, mas o contrato é bem claro. O conteúdo tem de ser compatível com a legislação das TVs educativas e com a igreja.
Como o senhor vê a ação das igrejas evangélicas em relação à radiodifusão na Amazônia?
Os pastores são muito agressivos. Acredita que somos assediados por evangélicos interessados em comprar nossos canais que não estão no ar? Recebemos muitas propostas. O conselho curador da Fundação Nazaré já determinou que nenhuma proposta pode ser aceita.
Por que a TV se tornou tão importante para as igrejas?
Porque é um instrumento muito forte de evangelização e de aumento de arrecadação de dízimo. E é um meio muito eficaz de convidar o fiel para a missa.
Prefeituras pagam para ter TV aberta
Afiliadas de grandes redes cobram dos prefeitos do interior do Maranhão uma taxa de assistência técnica
No interior do Maranhão, a televisão aberta não é gratuita como apregoa a publicidade da radiodifusão. Boa parte das prefeituras do estado paga para a população local assistir à programação da Globo, da Record e do SBT. Os prefeitos justificam a despesa com o argumento de que a população não tem outra fonte de lazer, a não ser a televisão.
Essa situação ocorre em municípios pobres, onde as redes de televisão não possuem estações retransmissoras, seja porque suas afiliadas não pleitearam canal na localidade ou porque não quiseram investir em equipamentos, uma vez que as pequenas cidades não oferecem retorno publicitário.
A legislação diz que as redes geradoras têm preferência na disputa por canais de retransmissão. Mas, se elas não mostram interesse, prefeituras, entidades não governamentais e outras empresas podem prestar o serviço.
De acordo com os dados da Anatel, existem 145 canais de retransmissão de TV outorgados a prefeituras na Amazônia Legal, dos quais 64 estão no interior do Maranhão. A maioria deles foi autorizada nos anos 80. Os prefeitos solicitavam os canais e colocavam o aparelho de televisão em praça pública, para a população pobre assistir.
Ainda existem em praças no interior pedestais remanescentes daquela época, onde ficavam os televisores protegidos por grades. Só que agora os pedestais estão vazios. Até as famílias mais pobres têm televisor em casa.
Itapecuru-Mirim tem três retransmissoras de TV administradas pela prefeitura (Foto: Elvira Lobato).
Transferência de custo
As prefeituras maranhenses não produzem programação local quando retransmitem o sinal da TV Mirante. Ou seja, deixam de aproveitar a vantagem da legislação da Amazônia Legal. O veto, neste caso, resultaria do modelo de negócios da Globo, que não admite interferências e cortes em sua programação.
A TV Mirante, da família Sarney, tem 39 retransmissoras que cobrem apenas parte do interior. Em muitas cidades pequenas, o sinal é retransmitido pelas prefeituras.
Uma empresa do grupo, a Rádio Litoral Maranhense, oferece assistência técnica às prefeituras e cobra pelo serviço. Os prefeitos autorizam o Banco do Brasil a descontar o valor do serviço da conta no Fundo de Participação dos Municípios e a transferir o dinheiro para a conta da Rádio Litoral.
A prática é adotada também pela TV Difusora, da família Lobão, e pela TV Cidade (afiliada Record), que tem entre seus acionistas o senador Roberto Rocha.
A prefeitura de Esperantinópolis pagava mensalmente R$ 6 mil à TV Cidade e R$ 4 mil à Mirante, em 2015. O que se conclui é que os contratos de assistência técnica são uma forma de as emissoras transferirem custos para a administração municipal.
A reportagem só constatou essa relação comercial entre as emissoras e as prefeituras no Maranhão. Os valores mensais variam de acordo com o tamanho da cidade e o tempo de vigência do contrato.
Poção de Pedras – cidade de apenas 18 mil habitantes – pagou R$ 1.996 por mês ao grupo Mirante em 2015, segundo informação do secretário de Governo do município, Nilton Pinto. A antena é da prefeitura, mas o transmissor é da Mirante.
Com 65 mil habitantes, Itapecuru-Mirim pagou cerca de R$ 4.500 mensais à Mirante em 2014, ao passo que São João dos Patos (25 mil habitantes) desembolsou cerca de R$ 3 mil mensais em 2015.
A prefeitura de Anajatuba possui duas outorgas de retransmissora de TV. Um canal retransmite a Mirante e o outro é mantido parado, como reserva. Georgiana Ribeiro, chefe de gabinete do prefeito Helder Aragão (PSDB), diz que ele consultou a Mirante sobre a possibilidade de incluir um jornal local na programação.
“Fizemos a consulta no início da gestão, em 2013, e nunca obtivemos resposta”, diz ela. O município pagava R$ 2.400 por mês à emissora em 2015. Segundo Georgiana, o contrato foi herdado da gestão anterior e foi prorrogado automaticamente, sem reajuste. “Não temos o contrato original. A gestão passada não deixou documentação”, afirmou.
Renato Valadares apura e edita as reportagens do canal 7 (SBT), administrado pela prefeitura de Itapecuru-Mirim. Ele começou no rádio, aos 15 anos (Foto: Elvira Lobato).
Sem uso
Mato Grosso, Pará, Tocantins e Maranhão têm um número significativo de retransmissoras em poder de prefeituras. Um ponto comum entre esses estados é a existência de canais ociosos ou cedidos a terceiros.
As prefeituras apontam dois motivos para não implantar o serviço: o custo do investimento e a proliferação das antenas parabólicas, que permite que as famílias tenham acesso gratuito a todos os canais que estão disponíveis via satélite.
Em Barra do Garças, no Mato Grosso, a prefeitura tem sete canais de retransmissão (a maioria na zona rural) e apenas um deles está sendo usado. Não pela prefeitura, mas pela Igreja Adventista do Sétimo Dia, que obteve do poder municipal o direito de uso.
Primavera do Leste, outro rico município do Mato Grosso, possui dois canais ociosos em nome da prefeitura.
Prefeituras no sul do Pará cederam gratuitamente canais de retransmissão aos adventistas. Encontram-se nessa situação as prefeituras de Xinguara, Canaã dos Carajás, Parauapebas e Marabá.
Em Dianópolis, cidade do Tocantins, o canal 6, da prefeitura, só foi usado em 1989. Assim que a TV Anhanguera, afiliada da Globo, conseguiu sua própria outorga, o canal ficou vago. A cidade, de 20 mil habitantes, é um dos portões de acesso ao Jalapão e tem um jornal impresso mensal e duas rádios.
Existem retransmissoras municipais há tanto tempo em desuso que os atuais gestores ignoram a existência delas. São fantasmas, à espera de ação governamental.
O universo das empresas, a garra do pequeno empreendedor e a força da TV local
Programação própria bate a de grandes redes, diz empresário
A legislação especial que permite que as retransmissoras de TV na Amazônia Legal produzam conteúdo local criou uma situação inusitada. Existem atualmente na região 1.737 retransmissoras aptas a produzir conteúdo, três vezes mais do que o total de emissoras geradoras de programação original existentes na tevê aberta em todo o país – 541 –, incluindo as TVs comerciais e educativas.
Não se sabe quantas retransmissoras da Amazônia estão efetivamente no ar nem quantas produzem conteúdo próprio. Calcula-se que só no Maranhão sejam mais de 300, mas as informações oficiais disponíveis sobre as retransmissoras são ainda mais falhas e incompletas do que sobre as geradoras.
Os dados da Anatel sobre as geradores, que são concessionárias de serviço público, são defasados e incompletos, mas, ainda assim, permitem acesso ao nome da empresa, endereço, CNPJ e relação de sócios. O interessado também pode pesquisar o contrato social das concessionárias arquivado no Senado por ocasião da aprovação e da renovação das concessões.
Cerca de dois terços das retransmissoras da Amazônia Legal estão em nome de empresas concessionárias de rádio e televisão, de governos estaduais e de prefeituras. Ou seja, há informações públicas sobre os proprietários. Mas, em relação às demais, faltam visibilidade e transparência.
Os dados divulgados pela Anatel sobre as retransmissoras estão no Sistema de Informações dos Serviços de Comunicação de Massa (Siscom): número do canal outorgado e o município, nome e endereço da empresa que obteve a outorga, data de emissão do ato de outorga, do direito de uso de radiofrequência e da emissão do licenciamento definitivo. Não há no Siscom informação sobre os proprietários das empresas.
Pouco mais de 40% dos canais de retransmissão da Amazônia Legal estão em mãos de empresários, o que reforça a ideia de que a radiodifusão não é vista na região como atividade lucrativa. A maior participação empresarial se dá no Amazonas (53%), enquanto a menor acontece no Maranhão (7%).
As empresas que exploram o serviço se dividem nas seguintes categorias: as concessionárias de televisão, que reivindicam as retransmissoras para ampliar sua área de cobertura; investidores e especuladores que obtêm os canais para arrendar as outorgas ou revender o negócio mais adiante; e profissionais de rádio e televisão que sonham ter sua própria TV. Estes últimos são pequenos empreendedores que apostam na viabilidade do projeto e ficam à frente do negócio.
O pequeno empreendedor
O pequeno empreendedor é o personagem mais surpreendente da radiodifusão na Amazônia Legal. Muitos deles montam as retransmissoras com outorgas de terceiros e sobrevivem com grande dificuldade financeira. Essas microtelevisões são encontradas, sobretudo, no interior de Mato Grosso, Maranhão, Pará e Rondônia. São frequentes os relatos de emissoras com faturamento mensal de R$ 10 mil a R$ 15 mil.
O paranaense Ademir Júnior tem formação de contador. Ele administra a Sociedade Guarantã de Televisão, canal 8, que retransmite a Record em Guarantã do Norte, no Mato Grosso. Ele e a mulher se revezam na apuração das notícias que vão ao ar no Jornal da Cidade, de 12h às 12h40. Aos sábados, a pequena emissora tem um programa de entrevistas e apresentação de cantores da região.
Em Pontes de Lacerda, uma cidade de 43 mil habitantes de Mato Grosso, três emissoras locais disputam a audiência e os anunciantes. Elas retransmitem SBT, Record e RedeTV. A afiliada da Globo não gera conteúdo local.
Gilmar Pereira de Souza, de 47 anos, é acionista minoritário da TV Centro Oeste, canal 6, afiliada do SBT. Segundo ele, a emissora tem 16 funcionários – “com carteira assinada”, enfatiza – e pertenceu a um deputado, que a revendeu a empresários locais. Gilmar trabalha na empresa desde os 22 anos e conhece bem o perfil do jornalista daquela região.
“Televisão aqui é igual farmácia. Cada uma tem um jornalista formado que responde pela emissora. Os outros se formam na prática. É preciso falar bem, ser ligeiro e ativo. Alguns viram jornalistas por sonho. Mas jornalismo não é sonho que dê dinheiro. Quando aparece uma oportunidade melhor de salário, eles vão embora”, disse ele.
O acumulador de outorgas
Outro tipo de proprietário de retransmissoras é o investidor ou especulador que, graças a contatos políticos, conseguiu acumular outorgas. Há empresas com retransmissoras em vários estados e outras com mais de uma outorga na mesma localidade, que arrendam os canais a políticos, igrejas ou a pequenos empresários locais que queiram tocar o negócio. Nenhum deles admite praticar o arrendamento, que é proibido pela legislação.
Em dezembro de 2010, o Ministério das Comunicações aprovou nove outorgas de retransmissão de TV para duas empresas de Sebastião Miranda, de Marabá, no Pará. Miranda é o principal acionista do Sistema Veneza de Comunicação e da SM Comunicação. Foram dois canais outorgados para São Luís, no Maranhão – 33 e 59 –, dois para Belém (42 e 40) e ainda canais em Palmas, Manaus, Santana, no Amapá, Parauapebas, no Pará, e Araguaína, no Tocantins.
Miranda, de 36 anos, nega ser especulador, sustenta que já investiu mais de R$ 10 milhões e afirma que seu objetivo é construir uma rede de televisão com retransmissoras em cidades com mais de 100 mil habitantes. Ele é provedor de acesso à internet em várias cidades do Pará e já possuía retransmissoras em Marabá e Santarém. Sobrinho do deputado estadual e ex-prefeito de Marabá Tião Miranda, do PTB, ele diz que não tem padrinho nem objetivo politico, e que seu crescimento provoca “inveja”. Defende a mudança na legislação para que as retransmissoras possam gerar conteúdo em todo o país.
No Pará, um grupo acumula 22 retransmissoras distribuídas entre três empresas: RTP – Rede de Televisão Paraense, Servisat Radiodifusão e Sistema Vale do Tocantins. Um dos acionistas é o radialista José Adão Costa. O outro é especialista em elaboração de projetos e instalação de emissoras, Antônio Nazareno Costa.
O engenheiro Rogério Costa, filho de Nazareno, explicou como o grupo conseguiu acumular tantas outorgas: “Ao mesmo tempo em que atendíamos nossos clientes, solicitamos algumas emissoras e tivemos sucesso”. Ele diz que o grupo não tem vinculação política e que explora a atividade apenas como negócio.
O grande empresário
O modelo de negócios implantado pelas organizações Globo, que proíbe as emissoras afiliadas de terceirizarem as operações, explica a maior presença empresarial em alguns estados.
No Tocantins, o grupo Anhanguera, da família Câmara – que também representa a Globo em Goiás – soma 64 retransmissoras, o equivalente a 39,5% do total do estado. Em Mato Grosso, a Televisão Centro América, do grupo Zahram, detém 61 outorgas, 32,4% do total.
A Rede Amazônica (Empresa Rádio e TV do Amazonas), fundada por Phelippe Daou, é afiliada da Globo no Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima e Amapá. A família possui uma segunda rede de televisão, Amazonsat, com programação própria voltada para assuntos da Amazônia.
A Rede Amazônica é a maior afiliada da Globo em extensão de cobertura e está entre as dez maiores em faturamento. Possui 194 retransmissoras e seis emissoras geradoras em toda a Amazônia Legal e responde por 34,7% do total de retransmissoras no Amazonas, onde fica a sede do grupo.
“As pessoas querem se ver na televisão”
Phelippe Daou Júnior (Foto: Phelippe Daou Júnior / Twitter).
Phelippe Daou Júnior defende a legislação que permite a produção local pelas retransmissoras na Amazônia Legal. Em uma entrevista por telefone, em 17 de julho de 2015, o filho do fundador da Rede Amazônica falou de dois dos temas relevantes: o poder dos políticos na mídia e a dificuldade dos afiliados da Globo de enfrentar a concorrência dos pequenos produtores locais de conteúdo.
Pequenos empresários locais retransmitem SBT, Record, Bandeirantes e RedeTV na Amazônia Legal. Por que isso não acontece com a Globo?
No caso da Rede Amazônica, é uma decisão nossa que coincide com o modelo de negócios da Rede Globo. Nunca permitiríamos a terceirização de uma operação. No modelo de gestão da Globo, isso também não é permitido.
Em que cidades vocês produzem conteúdo local?
No Amazonas, temos programação local em Manaus, Itacoatiara e Parintins. No Acre, em Rio Branco e Cruzeiro do Sul. Em Roraima e Amapá, só nas capitais. Em Rondônia há jornal local em Porto Velho, Guajará-Mirim, Ariquemes, Ji-Paraná, Cacoal e Vilhena.
Por que vocês não produzem em mais cidades, uma vez que a legislação permite?
É um princípio nosso estar presente em todos os municípios. Se tiver uma comunidade com meia dúzia de casas, nós vamos buscar uma outorga de canal lá. Isso independe da situação econômica da região. Mas, para montar uma estrutura de jornalismo local, tem de ser economicamente sustentável.
Vocês lançaram o Amazonsat por não ter mais espaço para programação própria na Globo?
Um pouco por isso. Meu pai se preocupa em ter espaço para falar da região, que ele adora. A tendência da Globo é aumentar o espaço do afiliado, mas não consegue cobrir toda a gama de assuntos que a região amazônica tem. Há um vácuo muito grande de cobertura da Amazônia.
Alguns afiliados da Rede Globo implantaram uma segunda rede e tiveram de recuar. A criação do Amazonsat foi negociada com a Globo?
Existe uma negociação com a Globo para respeitar a área de cobertura de cada afiliada. Eu nunca poderei entrar no Estado do Pará com TV aberta, por exemplo. Mato Grosso e Tocantins são parte da Amazônia Legal, área de interesse do Amazonsat, mas jamais vamos criar desconforto. A RBS [Rede Brasil Sul de Comunicação] vendeu o Canal Rural porque conflitava com os interesses das organizações Globo. A TV Diário, do Ceará, tinha se expandido pelo Brasil inteiro e recuou. Hoje só está no Ceará. Nós respeitamos a divisão geográfica. O sinal do Amazonsat não é aberto, mas estávamos em canais de TV paga fora da Amazônia. No ultimo semestre de 2014 rescindimos esses contratos. Nunca vamos colocar o Amazonsat em sinal aberto. É um respeito tácito ao modelo da Globo.
É verdade que a Globo perde em audiência para programas locais?
É verdade. Daí estarmos regionalizando a programação. Em qualquer lugar do Brasil a programação local prejudica a audiência da programação nacional da Globo, da Record, da Band e do SBT. Em Manaus, a gente tem muita dificuldade de audiência no período da tarde, quando o concorrente tem programação local. Se no interior do Acre a emissora local fizer um jornal da comunidade, é muito provável que ela supere a audiência das redes nacionais naquele momento. As pessoas querem se ver na televisão, querem saber dos vizinhos, da vida no bairro e participar das discussões. A TV nacional não consegue satisfazer isso.
Qual sua opinião sobre as retransmissoras da Amazônia Legal? São positivas ou viraram instrumentos em mãos de políticos?
São muito úteis. A possibilidade legal de produzir conteúdo local é uma vantagem estratégica enorme para uma região como a Amazônia. Em relação ao uso indevido desses canais, infelizmente isso ocorre e prejudica as operações privadas de credibilidade. Mas, na medida em que as pessoas ficam melhor informadas, esses guetos, essas organizações vão caindo por terra. A Amazônia mais do que nunca precisa de meios de comunicação para se libertar. O problema das retransmissoras da Amazônia não é a legislação. O problema são os grupos que se aproveitam da facilidade. É preciso uma fiscalização mais eficiente. As grandes redes têm que fazer escolhas mais criteriosas de seus afiliados. Tem grandes redes fazendo escolhas complicadíssimas.
A terceirização da outorga é ilegal?
Totalmente ilegal, mas infelizmente nossa região está cheia de contratos de gaveta. A situação ainda é pior nas rádios. A quantidade de rádios de políticos com administração terceirizada é absurda.
Vocês reivindicam mais espaço para programas locais?
Aproveitamos todo o espaço que a Globo nos permite usar. A RBS é o nosso modelo em termos de gestão e de profissionalismo. São fanáticos por colocar produções próprias no ar. Temos quatro programas de entretenimento exibidos nos finais de semana – Paneiro, sobre ritmos musicais da região, Amazônia Rural, Zapeando, para o público mais jovem, e Amazônia em Revista. A gente gostaria de ter mais espaço durante a semana, mas não adianta pleitear espaço se não tivermos qualidade.
Brecha oficial cria tevês “semipiratas”
Emissoras funcionam sem outorga, mas não podem ser fechadas
Pequenas retransmissoras de televisão que funcionam sem outorga do governo multiplicam-se pelo interior do Maranhão à medida que se aproximam as eleições municipais de 2016. Elas aproveitam uma brecha criada por decisão do Ministério das Comunicações.
O fenômeno acontece com retransmissoras de diferentes redes de televisão. Engenheiros que atuam no setor dizem que a onda pode se alastrar para os demais estados da Amazônia Legal como um rastilho de pólvora.
Fachada da TV Cidade, afiliada RedeTV, que entrou no ar sem ter a outorga do canal. Empresa pertence a assessora do prefeito (Foto: Elvira Lobato).
O governo federal abriu as portas para a implantação de novas retransmissoras, mesmo sem a outorga, em novembro de 2012. Foi quando o Ministério das Comunicações assinou um acordo de cooperação técnica com a Agência Nacional de Telecomunicações, a Anatel, para adequar a fiscalização a uma política pública de garantia de acesso da população à programação da TV aberta.
Nesse acordo, ficou estabelecido que cada município deve ter ao menos três canais de televisão (ou retransmissoras) outorgadas e licenciadas. O que isso significa?
O processo de outorga compreende três fases até sua aprovação final pelo Ministério das Comunicações: a outorga do canal, emissão de portaria do ministro autorizando o canal para determinada empresa, órgão público ou instituição; a liberação do uso da radiofrequência, que permite que o canal inicie a operação em caráter provisório; e a terceira fase é a emissão da licença de funcionamento em caráter definitivo, após a aprovação do laudo de vistoria da estação pela Anatel. Por causa da morosidade do serviço público e também da demora das empresas em atender as exigências do governo, o processo chega a demorar mais de dez anos.
Por causa do acordo, enquanto esse número (três emissoras licenciadas) não for atingido, os fiscais não podem lacrar os canais sem outorga. De início, o governo estabeleceu que seria dado um prazo de nove meses às retransmissoras para se regularizarem. No final de 2014, como o ministério não deu conta de concluir os processos acumulados, o prazo de regularização subiu para 30 meses.
Ou seja, se um fiscal da Anatel chega a uma pequena cidade e constata que existem ali três retransmissoras de TV funcionando sem licença, é lavrado um auto de infração e elas ganham um prazo de dois anos e meio para se legalizar, contados a partir do momento em que recebem a notificação da Anatel.
A mudança de posição do governo pôs em cheque o rótulo de TV pirata e criou uma nova categoria de empresa, ainda não tipificada: a da autorizada sem outorga.
O aditivo ao acordo de cooperação assinado em novembro de 2014 tem prazo de validade de quatro anos. Ou seja, a convivência com as “semipiratas” pode continuar até novembro de 2018, quando ocorrerá nova eleição para deputados, governadores, senadores e presidente da República.
Rolinha e jacu
Paulo Bernardo (Foto: Agência Brasil).
Causa surpresa o fato de o governo ter definido uma política pública, por um acordo técnico entre o Ministério das Comunicações e a Anatel, com tal potencial de impacto no mercado. No documento – assinado pelo ex-ministro Paulo Bernardo, pelo presidente da Anatel, João Rezende, e pelo ex-conselheiro da agência Jarbas Valente –, o governo justifica a liberalização com o argumento de que a TV aberta é relevante para a população de baixa renda.
Ex-dirigentes da Anatel contam que a decisão foi tomada diante do quadro constatado no interior de Minas Gerais. Em 2012, o Ministério das Comunicações criou uma força-tarefa para regularizar todas as retransmissoras de TV com pendências de documentação.
João Rezende (Foto: Valter Campanato / Agência Brasil).
O processo começou por Minas Gerais e se estendeu a São Paulo, Bahia, Pernambuco e aos Estados do Sul. Com maior número de municípios, Minas tinha a situação mais caótica. Se a Anatel fechasse todas as retransmissoras de TV sem outorga, centenas de pequenos municípios de Minas ficariam sem acesso à televisão aberta.
Ao liberar o funcionamento das retransmissoras sem outorga, para preservar as repetidoras de sinal de TV em grande parte do país, o governo acabou beneficiando especialmente as retransmissoras da Amazônia Legal – que, como têm status diferenciado e geram programação local, são mais cobiçadas por políticos e empresários. Na expressão de um radiodifusor da Amazônia, “o governo atirou numa rolinha e acertou num jacu”.
Rede Meio Norte
A cidade maranhense de Bacabal é um exemplo do fenômeno descrito acima. Duas retransmissoras sem outorga foram inauguradas na cidade em 2015: o canal 47, repetidor da RedeTV, e o canal 9, que tem programação da Rede Meio Norte. A segunda entrou no ar em agosto e pertence ao empresário e deputado estadual José Carlos Nobre Florêncio, do Partido Humanista da Solidariedade. O filho dele, Florêncio Neto, é pré-candidato a prefeito de Bacabal nas eleições deste ano.
Bacabal já possui cinco canais de retransmissão com outorga emitida pelo Ministério das Comunicações, mas apenas um deles – a TV Mearim, canal 4 – tem a licença definitiva.
Segundo os engenheiros que atuam no setor, enquanto não houver três canais na cidade com o licenciamento definitivo da Anatel, outras retransmissoras podem entrar no ar em Bacabal sem o risco de serem lacradas. Porém, no momento em que três atingirem o estágio final, as demais ficarão sujeitas a serem fechadas pela Anatel até obterem o licenciamento.
A Rede Meio Norte, geradora do Piauí, pertencente ao empresário Paulo Guimarães, quer implantar 184 retransmissoras de TV no Maranhão aproveitando as regras criadas pelo acordo entre o Ministério das Comunicações e a Anatel. A rede também já planeja implantar o mesmo modelo em Roraima.
A Meio Norte não é afiliada a nenhuma rede nacional de televisão. Tem programação própria, com noticiários locais de forte apelo popular, programas de auditório e humorísticos. A expansão da Meio Norte está a cargo da Semfio Telecomunicações, também do Piauí. Manoel Quirino, proprietário da empresa, disse que a implantação das retransmissoras fica a cargo dos interessados nos municípios.
A Semfio faz o projeto de engenharia e entra com a solicitação do canal no Ministério das Comunicações. A retransmissora, segundo Quirino, pode entrar no ar a partir do momento em que o pedido é protocolado no ministério. “Estamos agindo dentro das regras do governo”, disse ele.
TV Codó, canal 13, pertence à prefeitura e retransmite programação da Rede Meio Norte, do Piauí (Foto: Elvira Lobato).
Lago Verde
Lago Verde, a 34 Km de Bacabal, tem cerca de 15 mil habitantes. Em julho de 2015, entrou no ar a TV Lago Verde, canal 24, afiliada à Meio Norte. No vídeo de inauguração, a emissora disse que até este ano se expandiria para as cidades de Bacabal, Olho D’Água dos Cunhãs, Vitorino Freire, Igarapé do Meio e Pio XII.
A TV Lago Verde é dirigida por Ribamar Santos, o Ribinha, dono de uma produtora de vídeo em Codó, cujo forte é fazer campanhas políticas. A televisão tem três equipes de reportagem e dois estúdios, o que é considerado uma grande estrutura para a região. Sobre os equipamentos de última geração citados no vídeo inaugural, Ribinha disse que a emissora recebeu aparelhagem usada da TV Meio Norte. “Para eles, é sucata, mas para nós é Primeiro Mundo. São equipamentos analógicos seminovos, que a Meio Norte substituiu por sistemas de alta definição quando migrou para a tecnologia digital”, afirmou.
A TV pertence ao Sistema de Comunicação Lago Verde. A empresa foi registrada em 2011 por Romulo e Alex Almeida, filhos do prefeito da cidade, Raimundo Almeida. Alex é secretário de Fazenda do município. Em 2014, Alex e o pai foram denunciados pelo Ministério Público Federal por suposto desvio de R$ 936 mil das contas do município.
Blogs da região noticiaram que a TV era do prefeito. Pouco depois da inauguração do canal, a empresa mudou de dono.
Lição de jornalismo
Dizem os bons jornalistas que a profissão é um aprendizado que nunca termina, e que é preciso estar de olhos sempre atentos para o novo e para o desconhecido, pois a informação valiosa muitas vezes vem de onde não se espera.
Devo ao apresentador de TV Luiz Carlos Lobo, o Bronca, de Santa Inês, no Maranhão, a principal informação obtida na visita aos municípios da Amazônia Legal para este estudo. “Na Amazônia proliferam emissoras ilegais. Esqueça a lista de canais outorgados da Anatel e vá atrás das televisões sem outorga”, aconselhou Luiz Lobo, apresentador do Programa do Bronca, na TV Remanso, afiliada da Record.
Ele teve uma emissora sem outorga graças às regras do acordo entre o ministério e a Anatel – que chama de “plano de cegueira da Anatel” –, e me apontou cidades da região onde tal fenômeno poderia ser constatado.
Luis Carlos Lobo, apresentador de TV de Santa Inês: “Na Amazônia proliferam emissoras ilegais” (Photo: Elvira Lobato).
Jornalista de nível médio: Quem é esse profissional da Amazônia?
Cursos de curta duração formam pessoal para emissoras do interior
Enquanto nas capitais o movimento sindical luta para a volta da obrigatoriedade do diploma universitário de jornalismo, o interior da Amazônia Legal vive outra realidade.
No Maranhão e no Pará surgiu a categoria de jornalista de nível médio, formado em cursos de capacitação curtos, fora das universidades. Muitos ganham pouco mais do salário mínimo nas emissoras e vendem anúncios para completar a renda.
Formandos ao lado do jornalista Élbio Carvalho ( Foto: joaofilho.com).
Élbio Carvalho, repórter da TV Mirante, é o fundador do Instituto Brasileiro de Estatística, Cultura, Educação e Comunicação (Ibecec), com sede em São Luís. Até julho de 2015, o Ibecec já havia formado cerca de 220 jornalistas de nível médio no interior do Maranhão.
As aulas ocorrem aos sábados e ocupam o dia todo. No final do curso, de quatro meses de duração, os alunos recebem um certificado para requerer o registro na Delegacia Regional do Trabalho em São Luís.
“A gente dá o anzol e diz onde está o lago. Mas é o aluno que tem de ir buscar o peixe”, diz Élbio, ao explicar que é o aluno que tem de dar entrada ao pedido na Delegacia Regional do Trabalho.
A DRT do Maranhão reconhece o certificado do Ibecec como válido e tem dado os registros profissionais. Mas o Sindicato dos Jornalistas não os aceita como associados. O conflito está formado.
Douglas Cunha é presidente do sindicato e diz que segue as determinações da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), que só reconhece profissionais graduados pelas faculdades de comunicação. O sindicato tem engavetado os pedidos de sindicalização desses profissionais.
Escola da igreja em Belém
Em Belém, o jornalista e padre italiano Cláudio Peguim, naturalizado brasileiro, dirige a Escola Papa Francisco, mantida pela Igreja Católica, que também forma jornalistas de nível médio.
O ensino começou no final dos anos 90, de forma precária. No início, era itinerante e as aulas eram dadas a jovens carentes na periferia de Belém.
O curso tem duração de um ano, com um total de 1.200 horas, incluindo estágio. Já formou mais de 500 alunos. Segundo o padre, o foco da escola não é viabilizar o registro profissional no Ministério do Trabalho, mas muitos alunos foram absorvidos pelo mercado de trabalho.
“A gente não se preocupa com o registro na DRT. Os alunos é que são os protagonistas. Nosso objetivo é dar expectativa e esperança aos jovens da periferia. A comunicação é a alma da sociedade”, diz.
Bronca do sindicato
Em 2000, o Sindicato dos Jornalistas do Pará protestou contra a iniciativa junto à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), mas o curso prosperou mesmo assim e foi reconhecido pelo Ministério da Educação.
“Levamos muita bronca do Sindicato dos Jornalistas porque , naturalmente, as empresas pagam salario menor aos nossos alunos. Mas o problema não é o curso. São as empresas. Nós fazemos o nosso papel. O papel dos sindicatos é fiscalizar as empresas”, diz o padre.
Roberta Vilanova e o vice-presidente Sinjor-PA, João Freitas (Foto: divulgação).
Roberta Vilanova, presidente do Sindicato dos Jornalistas do Pará, resume sua posição sobre o assunto: “Sempre fomos contra, e não apoiamos o desenvolvimento de qualquer tipo de formação técnica. A gente defende a formação de nível superior para o jornalismo. Esses cursos técnicos enfraquecem a nossa luta pela obrigatoriedade do diploma”.
“Sinuca de bico” no Maranhão
No Estado do Maranhão, só há faculdades com cursos de jornalismo na capital e em Imperatriz. Uma está distante da outra cerca de 630 Km. Os jornalistas da capital, segundo Douglas Cunha, não se dispõem a trabalhar no interior, em razão dos baixos salários e do custo da mudança.
O desemprego é grande na capital, mas ninguém quer ir para o interior. O sindicato tem 498 jornalistas cadastrados, mas um grande parte deles está fora do mercado
Segundo Douglas, há projeto para organizar a categoria no estado que prevê abrir sindicatos no interior. Mas ele admite que isto não resolveria o problema, porque os sindicatos do interior tampouco admitiriam o ingresso de profissionais sem o diploma.
“É uma situação muito complexa, que nos deixa em saia justa. Precisamos encontrar uma possibilidade de proteger este trabalhador. Muitos deles estão no mercado há mais de 20 anos. E propor o fechamento das televisão seria inviável”, diz.
Alinhamento político
O sindicato não tem informações precisas sobre os casos de agressão a esses jornalistas do interior. “Quando tomamos conhecimento de ameaças, entramos em contato e cobramos apuração policial. Mas há um complicador: estes jornalistas, em sua maioria, trabalham em emissoras de políticos, vestem a camisa do político e atacam os adversários durante os programas nas emissoras. Eles criam problemas para eles mesmos”, acrescenta.
O sindicato, segundo Douglas defende esses profissionais quando são vitimas de agressão. “Mesmo não os considerando jornalistas, o sindicato sai em favor deles. Caso contrário, os agressor vai se achar no direito de agredir qualquer jornalista. Não é a defesa daquela pessoa, mas dos jornalistas “, prossegue o presidente do sindicato.
Ele admite que o vínculo indesejado entre jornalistas e políticos ocorre também nas capitais: “Em São Luís, o jornalista que trabalha na campanha de um político fica carimbado. Se o candidato perde a eleição, ele não terá emprego nos meios de comunicação que apoiaram o vencedor”.
Jornalista provisionado
Élbio Carvalho diz que os formados pelo Ibecec são registrados como jornalistas de nível médio mesmo que tenham outros diplomas universitários em outras áreas.
“O STF derrubou a obrigatoriedade do diploma, mas o candidato tem de comprovar que sabe fazer jornalismo. O Supremo delegou ao Ministério do Trabalho a tarefa de estabelecer os critérios para concessão do registro. As delegacias regionais do MTE do Maranhão e do Tocantins aceitam comprovante de qualificação de nível médio”, afirma Élbio.
Os alunos do Ibecec recebem registro de jornalista “provisionado”. Esse registro era muito usual no anos 80 – depois que o decreto 83.284 de 1979 tornou o diploma obrigatório – para regularizar a situação dos que já estavam no mercado e não se enquadravam na nova legislação. “A figura do jornalista provisionado nunca acabou”, diz Élbio.
Como os alunos conseguem o registro contra o interesse do sindicato? Segundo Élbio, a anuência do sindicato não teria sentido porque não há obrigatoriedade de sindicalização. “Se a sindicalização é opcional, não cabe aos sindicatos dizer quem pode e quem não pode exercer a profissão”, conclui.
Orgulho na formatura
Enquanto os sindicatos protestam, os alunos do Ibecec exibem os certificados de conclusão do curso e os registros nas carteiras profissionais como troféus.
Prefeitos, vereadores, padres e pastores prestigiam as festas de formatura. Os formandos, vestidos com suas becas, posam para fotos com suas famílias.
A Academia Pinheirense de Letras abriu seu salão, em abril de 2015, para a festa de formatura de 18 alunos do Ibecec na cidade de Pinheiro, a cerca de 300 km da capital. Três meses depois, uma outra turma se formou na cidade de Zé Doca (316 km da capital). A diplomação foi na Igreja da Matriz, com missa solene e com presença de formandos residentes em vários municípios vizinhos.
Algumas prefeituras que têm retransmissoras de televisão pagam parte das despesas para os jornalistas frequentarem as aulas do Ibecec. A de Coelho Neto forneceu o transporte para cinco jornalistas frequentarem o curso em Caxias, a 85 Km de distância.
Esqueletos no armário
Monopólios, TVs fora do ar, outorga em mãos estrangeiras são alguns dos problemas encontrados na região
O regime especial de televisão aberta na Amazônia Legal, em que as estações retransmissoras podem produzir programação própria, está cheio de esqueletos no armário. São situações ilegais ou duvidosas que proliferam por causa de omissões na legislação ou por ausência de fiscalização do Ministério das Comunicações e da Agência Nacional de Telecomunicações.
Mais de uma outorga na mesma cidade
A legislação brasileira de radiodifusão proíbe que um sócio tenha mais de uma concessão do mesmo serviço (TV ou rádio) na mesma localidade. O objetivo é impedir o monopólio da comunicação. O governo deveria ter estendido essa restrição às retransmissoras especiais da Amazônia Legal, mas não o fez, o que levou à concentração de poder nas mãos de alguns grupos.
O maior exemplo dessa situação está em Rondônia, onde há 22 outorgas de retransmissoras de TV em nome da família do ex-secretário-geral do Ministério das Comunicações, Rômulo Villar Furtado. Ele ocupou o cargo de 1974 a 1990, período em que as outorgas foram aprovadas.
A Rede Rondovisão tem três retransmissoras em cada uma de seis cidades rondonienses – Ariquemes, Ji-Paraná, Vilhena, Rolim de Moura, Ouro Preto do Oeste e Colorado do Oeste –, além de duas em Cacoal e duas em Pimenta Bueno. A família possui ainda duas concessões de TVs geradoras: o canal 13 de Porto Velho, afiliado do SBT, e o canal 9 de Cacoal, afiliado da Bandeirantes. As empresas estão em nome das filhas de Rômulo Furtado e da ex-deputada federal Rita Furtado.
Situações como a de Rondônia se repetem em outros estados. No Maranhão, o ex-deputado federal constituinte e ex-deputado estadual Joaquim Nagib Haickel tem duas retransmissoras de TV e uma geradora de TV educativa em São Luís, e três retransmissoras de televisão na cidade de Santa Inês. As outorgas estão em nome da mãe dele, da ex-mulher e da filha.
Já existe uma manifestação judicial sobre a ilegalidade dessa concentração de licenças em um mesmo grupo. Em setembro de 2013, o juiz federal Mauro Cesar Garcia, de Mato Grosso, cancelou a outorga da TV Pantanal, da cidade de Cáceres, que pertencia à família do ex-deputado Pedro Henry.
Como a família possui outra retransmissora na mesma cidade, a TV Descalvados, o juiz considerou que estava configurada a situação de monopólio. A emissora foi fechada.
Canais ociosos
O sistema de controle de radiodifusão é falho e desatualizado. Há uma grande quantidade de canais que deixaram de existir há muitos anos e constam como oficialmente implantados no site da agência responsável por fiscalizar o setor.
Existem também inúmeros canais que nem sequer entraram em funcionamento, e permanecem como uma espécie de reserva de valor dos proprietários. A desordem é de tal grau que seria preciso um força-tarefa para apurar a situação exata das retransmissoras na Amazônia Legal. Há exemplos de canais parados tanto no setor público quanto no privado.
Um exemplo é o do grupo Jari, de produção de celulose, que na segunda metade dos anos 90 recebeu quatro canais de retransmissão para que seus funcionários que viviam isolados em Monte Dourado, no Pará, tivessem acesso aos sinais das principais redes de televisão nacionais. O grupo registrou a empresa TV Rádio Clube Jari para receber as quatro outorgas.
Procurada para explicar o destino dos canais, a assessoria da empresa, em Monte Dourado, afirmou que eles caíram em desuso quando os empregados instalaram antenas parabólicas em suas casas. Segundo a empresa, faz tanto tempo que os canais foram desativados que o prédio onde as TVs funcionavam virou ruína.
A legislação sobre retransmissoras (decreto 5.371/2005) é muito clara quanto à obrigatoriedade de manutenção dos canais no ar e também quanto às punições pelo descumprimento.
O artigo 30 do decreto diz que sempre que o serviço for interrompido, o responsável deve comunicar o fato ao Ministério das Comunicações em até 48 horas. Se não o fizer, estará sujeito a multa. A interrupção por mais de 30 dias resultaria em cassação.
Mas, a cassação da outorga de canais ociosos não acontece porque a fiscalização é esporádica. Segundo informação de profissionais do setor, quando os fiscais da Anatel chegam a determinada localidade e constatam que uma retransmissora está fechada, eles multam o operador na presunção de que a irregularidade ocorre há menos de um mês. Os fiscais, segundo o governo, não teriam como comprovar o tempo de interrupção e por isso aplicam a pena mais branda, em vez de iniciar um processo de cassação.
Retransmissoras com CNPJ cancelado
Não há pior indicador para uma empresa do que ter a inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) cancelada pela Receita Federal. Significa que ela está inativa para o Fisco e que não pode, sequer, emitir uma nota fiscal.
Pois há canais de retransmissoras de TV na Amazônia Legal em nome de empresas com CNPJ cancelado. Trata-se de mais uma evidência de que a fiscalização federal no setor é precária. A pesquisa localizou três empresas nesta situação em Mato Grosso, duas no Pará e uma em Rondônia, e podem haver outros casos nos demais estados.
A Televisão Água Boa teve o CNPJ cancelado pela Receita Federal em fevereiro de 2015, mas continua ativa. Ela possui retransmissoras em Barra do Bugres (canal 9) e em Mirassol Doeste (canal 11). A Maranata Rádio e Televisão – canal 11 em Peixoto Azevedo- e a Televisão Nova Amazônia – Cuiabá, canal 17 – tiveram baixa no CNPJ em 2008, mas continuam com as outorgas dos canais.
A empresa Radiodifusão Novo Horizonte (canal 22), de Ouro Preto Doeste, em Rondônia, sofreu baixa no CNPJ em fevereiro de 2015.
O Sistema de Comunicação Araguaia, do Pará, teve o CNPJ cancelado em dezembro de 2008, mas ainda figura no sistema de informações da Anatel com duas outorgas de retransmissão: em Abel Figueiredo (canal 13) e em Bom Jesus do Tocantins (canal 8). A pesquisa identificou, no mesmo estado, a Pantanal Comunicações – canal 4, em Santa Maria do Pará – que teve baixa no CNPJ em 2011 e continua com a outorga do canal.
Contratos de Gaveta
A legislação admite a transferência de retransmissoras de televisão, desde que previamente autorizada pelo Ministério das Comunicações. Essa imposição legal não tem impedido que emissoras mudem de mãos sem o conhecimento do governo, através de negociações particulares, não registradas nas Juntas Comerciais.
Os “contratos de gaveta” são uma realidade da radiodifusão não só na Amazônia Legal, mas em todo o país. Um fator agravante é, mais uma vez, a falta de fiscalização.
Outorgas em mãos de estrangeiros
A Constituição brasileira não permite a concessão de emissoras de radiodifusão a estrangeiros, mas empresas com participação de capital externo obtiveram, em diferentes governos, canais de retransmissão de TV na Amazônia Legal.
A emenda constitucional 36, aprovada em 2002, abriu uma brecha para a entrada de capital estrangeiro no setor, mas limitada a 30% do negócio (até 2002, não era permitida nenhuma presença estrangeira no capital da radiodifusão). A legislação que regula as retransmissoras especiais na Amazônia, porém, é omissa em relação ao tema – é uma questão em aberto se o governo feriu a Constituição ao criar essa legislação, nos anos 70 e 80.
Mina da Vale na Serra Norte de Carajás (Foto: Jeremy Bigwood/Agência Pública).
O primeiro caso que chama a atenção é o da Vale, maior mineradora brasileira e uma das maiores do mundo. Segundo informações da própria empresa, ela tem 45,6% de seu capital em nome de investidores não brasileiros. Pela Constituição, portanto, ela não pode ter concessão de rádio ou TV em seu próprio nome. Pode, no máximo, deter 30% do capital de uma empresa de radiodifusão. No entanto, a Vale tem quatro outorgas de retransmissora de TV em Parauapebas, no sul do Pará, onde fica o megaprojeto Carajás.
Em 1983, a companhia recebeu o canal 7, para retransmitir a Bandeirantes. Quatro anos depois, ganhou o canal 11, para retransmitir a RedeTV. Em 1992, obteve o canal 5, para veicular o SBT. Por fim, em 1997, conseguiu o canal 13, retransmissor da Globo.
As retransmissoras de televisão eram parte do conforto oferecido aos empregados da Vale. Com a proliferação das TVs pagas com transmissão via satélite, a empresa deixou de usá-las. Mas os quatro canais continuam no nome da Vale e figuram no sistema da Anatel como implantados.
Michelin
O grupo francês Michelin aparece no sistema da Anatel como titular do canal 10, em Itiquira, no Mato Grosso. O canal foi outorgado em 24 de junho de 1985, no primeiro ano do governo de José Sarney, para retransmissão da Globo. A antena foi instalada na fazenda Pedregulho.
Moradores da região informam que a Michelin teve na região um grande projeto de plantio de seringais, que previa a construção de dez agrovilas. Três chegaram a ser implantadas, mas os seringais foram atacados por uma praga, o nematoide, e a Michelin abandonou o projeto. As terras foram adquiridas pelo governo do estado para reforma agrária, e as agrovilas deram origem ao distrito de Ouro Branco do Sul. Os assentados ainda produzem borracha ali.
Segundo o vereador Antonio Joaquim Gonçalves, do PR, morador de Ouro Branco do Sul, o retransmissor de TV ainda funciona, mas ele desconhece detalhes sobre a outorga do canal.
Mineração Rio do Norte
A Mineração Rio do Norte é outro exemplo de empresa que, apesar da forte presença de capital estrangeiro, obteve outorgas de retransmissoras de TV na Amazônia Legal.
A empresa, produtora de bauxita, tem 50% de suas ações em poder de grupos Billington (Inglaterra), Alcan (Canadá), Alcoa (EUA), Reynolds (Inglaterra), Norsk Hydro (Inglaterra) e Abalco (EUA).
A mineradora tem quatro outorgas de retransmissoras de TV em Porto Trombetas (Pará): canais 5, 8, 10 e 12. Existe ainda o canal 5, que retransmite a EBC, em nome do clube dos funcionários da MRN.
Mineração Jacundá
Na segunda metade dos anos 80, a extração de cassiterita em Rondônia era um atividade febril. Milhares de pessoas viviam de explorar o minério nas áreas da Mineração Jacundá, a cerca de 100 km de Porto Velho. A mineradora pertencia então ao grupo canadense Brascan.
Em 1987, o Ministério das Comunicações deu à mineradora dois canais – 7 e 13 – para que retransmitisse a programação da Bandeirantes no entorno das minas de Santa Bárbara e de Santa Maria.
Dois anos depois, ela obteve o canal 7 para retransmitir a RedeTV também em Santa Bárbara, que chegou a ter 10 mil moradores, na fase de apogeu.
A mineração de cassiterita entrou em declínio com a queda do preço do estanho no mercado internacional, em 2004. A Brascan foi incorporada por outra multinacional e, em 2005, a Companhia Siderúrgica Nacional comprou a mina Jacundá.
William Thomas, gerente da empresa em Santa Bárbara reagiu com surpresa ao ser questionado sobre os canais de retransmissão de TV. “É a primeira vez que ouço falar nessas retransmissoras de TV. A Mineração Jacundá deixou de existir há 15 anos”, disse o executivo.
Atualmente, vivem 100 pessoas em torno da mina, com enormes dificuldades para comunicação. Telefone e internet são serviços muito precários. Os moradores assistem TV por satélite. O gerente não soube informar se a Mineração Jacundá sobrevive no papel. “Não temos nenhum documento da Mineração Jacundá”, resume.
O que diz o Ministério
Procurado pela repórter, o Ministério das Comunicações admite que há falhas no sistema de informações da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) sobre os canais existentes na Amazônia Legal, mas considera os erros “pontuais”.
Questionado sobre a razão da existência de canais outorgados a mineradoras estrangeiras, quando a Constituição Federal proíbe controle de capital estrangeiro na radiodifusão, o ministério sustentou que o serviço tem amparo legal e visa levar a televisão aberta e gratuita a todo o país, incluindo “interesses específicos de determinadas comunidades”, numa referência às áreas de exploração mineral no interior da Amazônia.
Questionado sobre a razão da existência de canais outorgados a mineradoras estrangeiras, quando a Constituição Federal proíbe controle de capital estrangeiro na radiodifusão, o ministério sustentou que o serviço tem amparo legal e visa levar a televisão aberta e gratuita a todo o país, incluindo “interesses específicos de determinadas comunidades”, numa referência às áreas de exploração mineral no interior da Amazônia.
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