Trump que ladra também morde

Por Paulo Moreira Leite.

A visão convencional recomenda que um chefe de governo em dificuldades internas assuma uma postura cautelosa nas relações internacionais, num esforço prudente para evitar dificuldades suplementares. Nos Estados Unidos, endereço da única potência mundial ao final da Guerra Fria, a situação é diferente. Ao longo da história, a política externa de Washington tornou-se um conhecido terreno para governos em dificuldade tomar iniciativas de caráter imperial, criando áreas de tensão e instabilidade no planeta, numa tentativa de compensar tragédias domésticas com supostas vitorias fora de casa.

Ao anunciar a intenção de rever o programa de reaproximação com Cuba negociado entre Barack Obama e o governo de Raul Castro, Donald Trump dá um passo diplomático regressivo e retoma uma cartilha intervencionista que deixou uma herança de desastres e tragédias.

No início da década de 1970, já a caminho do cadafalso do Watergate, Richard Nixon reforçou bombardeios criminosos na guerra do Vietnã, atingindo populações civis em larga escala.

Em setembro de 1973, onze meses antes de ser forçado a renunciar em função de provas que já haviam chegado a Suprema Corte, envolveu o governo norte-americano numa das grandes tragédias da América Latina. O sangrento golpe que derrubou Salvador Allende, presidente constitucional do Chile, substituído por Augusto Pinochet, que exibiu uma crueldade única a frente de uma ditadura que prolongou-se por 16 longos anos – sempre protegida por Washington.

Três décadas depois, ocorreu uma catástrofe semelhante. George W Bush, que acabaria deixando a Casa Branca como o pior presidente dos Estados Unidos desde a independência, em 1776, inventou o Eixo do Mal, um grupo de países formado por Cuba, Irá e Venezuela, que deveriam ser combatidos em toda linha. Ele tentou salvar um governo claudicante, que logo no início do mandato colocou a economia em recessão após oito anos de crescimento sob Bill Clinton. Com o pretexto de dar uma resposta ao ataque de 11 de setembro, organizou a invasão do Afeganistão. A partir de provas forjadas de que Saddam Hussein possuía armas de destruição em massa, promoveu uma guerra de 4 trilhões de dólares no Iraque e centenas de milhares de vidas. Assegurou o controle das reservas de petróleo na região e abriu caminho uma crise econômica que se prolonga por um década.

Depois de conquistar, no Colégio Eleitoral, um mandato que as urnas lhe negaram, dando uma vantagem superior a 2,5 milhões de voto para Hillary Clinton, Trump completará o sexto mês de mandato com uma coleção de dificuldades que muitos antecessores não acumularam durante um governo inteiro.

Sua gestão transmite uma sensação de desgoverno permanente, situação que tende a se agravar nas próximas semanas, em função de investigações do FBI sobre as relações promíscuas da Casa Branca com o governo de Vladimir Putin. Há pelo menos um mês a popularidade de Trump tornou-se negativa – 56% dos eleitores reprovam o governo, enquanto 38% o aprovam, diz um levantamento Reuters/Ipsos. Mesmo entre eleitores republicanos, em teoria mais fiéis, o apoio emagreceu 16%. Com gestos desconexos que constroem um ambiente de insegurança e conflitos permanentes, mesmo com aliados tradicionais da União Europeia, a começar pela Alemanha de Ângela Merkel, Trump tentará ganhar algum fôlego com a surrada bandeira do anti comunismo dos anos da Guerra Fria, encerrada oficialmente em 1989, com a queda do Muro de Berlim.

Não se sabe o resultado prático de uma iniciativa anacrônica e irracional, que até contraria os interesses de grandes empresas norte-americanas que deram sustentação a reaproximação com Cuba. O balanço das relações entre os dois países nos últimos 50 anos é traumático. Ao transformar a derrota do regime de Fidel Castro na sua grande prioridade para o continente, Washington submeteu a população cubana aos sacrifícios absurdos de um embargo comercial injusto e perverteu suas relações diplomáticas em toda região. O governo dos EUA não só pressionava países vizinhos a romper relações com Cuba mas garantiu patrocínio a sucessivos golpes de Estado contra aqueles que não se submetiam, como João Goulart, deposto pelo golpe de 64. Mesmo criando dificuldades, os Estados Unidos não foram capazes de levar Havana a uma rendição.

Na segunda década do século XXI, período histórico marcado pela existência de uma superpotência militar única, a consequência geopolítica da iniciativa de Trump é enfraquecer o triângulo formado por Cuba-Venezuela-Equador, que sobrevive a tempestade conservadora que chegou a região.

Ao colocar um pé em Cuba, Trump retoma uma lamentável postura colonial, gesto que é garantia de novos conflitos com países da região, onde mesmo governos que não se preocupam em dissimular uma postura de submissão a Washington reconhecem os riscos do entreguismo em escala absoluta.

Fonte: Altamiro Borges.

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