Tríplice fronteira em canções

Por Paula Guimarães.

Por que vamos discriminar os passos de nossas origens?” canta, em guarani, a paraguaia Romy Martinez, ao lado do pianista argentino Agustín “Chungo” Roy e da flautista brasileira Maiara Moraes.

A música “Taheñoi jevy ñane mba’e” (Que germine novamente nossa cultura) integra o repertório do álbum “Paraguay Purahéi” (significa ‘canção’ em guarani)” que traz releituras de clássicos do país.

Presente na maioria das faixas, o guarani se mantém como idioma oficial do Paraguai, junto ao espanhol. Também co-oficial da Bolívia, da província de Corrientes, na Argentina e da cidade de Tacuru, no Mato Grosso do Sul, é falado por quase oito milhões de pessoas no mundo. “Tirado à força, já foi o único idioma desses países”, lembra a artista.

Além do guarani, o álbum traz canções em espanhol e crioulo ou yopara – que mistura os dois idiomas. No show, há ainda espaço para o português em clássicos da música brasileira, que citam algumas influências do gênero “guarania”, como “Tocando em frente”, do compositor mato-grossense Almir Sater. “Quando não encontram respostas, saem com perguntas”, percebe Romy sobre o público.

A “Guarania” surgiu em 1925 quando o compositor José Asunción Flores buscava uma nova expressão musical que representasse os sentimentos do povo paraguaio.

O gênero, por sua vez, ultrapassou a tríplice fronteira. No Brasil, foi introduzido com a canção “Índia” e logo se disseminou, num diálogo com o sertanejo. Para além do tradicionalismo, essa música recebe um olhar dedicado na Argentina, país que exilou artistas durante os 35 anos de ditadura no Paraguai. “Com o legado dessa ditadura tão longa, acredito que o processo de revigoração da música popular no Paraguai é mais lento do que no Brasil e Argentina”, explica.

O termo “guarania” faz referência ao território habitado pelos guaranis, mas o gênero não está relacionado à música indígena diretamente. Tendo a nostalgia como elemento condutor, é um gênero contemplativo que remete à alma guarani e à influência ancestral. Os temas são mais melancólicos, como perdas, amor e guerra. “A música suscita lembranças remotas e sentimentos profundos. O valor está nisso”, assinala.

Olhar para dentro

“A construção da vida e da arte é como uma árvore: você não pode ter uma árvore com flores e frutos se não tem raiz”, acredita a artista, que cita as palavras do poeta argentino Pepe Nuñez. Foi na busca por suas raízes, que Romy e “Chungo” se encontraram. Paraguaios, os pais do pianista abandonaram o país durante o período militar e, nele, crescia a vontade de voltar às origens, como relata a parceira. Já a artista deixou o país para estudar música no Brasil e atualmente mora em Buenos Aires. Depois de mais de dez anos fora de seu país, sentiu que precisava reafirmar sua identidade. “A primeira música que cantei foi a paraguaia, havia um desejo latente em mim”, revela.

Um trabalho político sem querer sê-lo, “Paraguay Purahéi” convida a olhar para dentro e refletir sobre a indústria cultural que impõe certa produção artística e a determina como mundial. Para Romy, a América Latina vive um momento de crescente protagonismo e uma busca por estreitar as relações entre os países do continente, o que se reflete na valorização da cultura. “Estamos remando contra a corrente globalizada. Sempre tivemos beleza própria. E agora percebemos isso”, afirma.

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