Travestis e transexuais: a importância do ato no Center 3

ato-trans“Nós existimos, nós sobrevivemos e somos vitoriosas pelo feito de permanecer vivas no Brasil”, afirmaram os manifestantes

Por Neto Lucon.

“Me deixem fazer xixi em paz. Porque sou mulher trans e uso o banheiro feminino”, informava o evento divulgado no Facebook, que convidava os internautas para a manifestação de sábado, 11, na praça de alimentação do Shopping Center 3, em São Paulo. O grupo almejava reivindicar o direito de travestis e mulheres transexuais irem ao banheiro feminino , tendo em vista o respeito a identidade de gênero feminina e não o genital. O ato foi motivado depois que cinco mulheres trans foram hostilizadas por seguranças do espaço, orientadas a ir ao banheiro masculino, sendo definidas como “homens” e automaticamente sofrendo chacota.

O que parecia ser mais um evento de três gatos pingados – uma vez que a causa trans ganha pouquíssimo destaque nas manifestações, que o próprio grupo é visto como pouco engajado, que menos de 1/10 havia confirmado presença e que o direito de utilizar o banheiro parece ser uma ação inquestionável – tornou-se um verdadeiro exemplo de cidadania, ação e de combate eficaz contra a transfobia.

Ao contrário da manifestação anterior, no Shopping Santa Ursula, em Ribeirão Preto, no dia 23 de dezembro de 2013, em que somente a militante Agatha Lima e a paisagista Paloma Zanetti compareceram, desta vez mais de 100 pessoas [trans ou cis, dentre elas feministas e pró-diversidade] participaram do ato, levantaram faixas [“Não se nasce mulher, torna-se” e “Seu preconceito bate de frente com a minha liberdade”], tocaram tambores, fizeram discursos e gritaram aos quatro ventos “Sem transfobia”. Com força, coragem, informação e espírito pacífico [mas não passivo], levaram a mensagem e contaram com o apoio e os aplausos de clientes e lojistas.

A analista de sistemas e professora de literatura Daniela Andrade afirma ao NLucon que se surpreendeu com o ato, pois nunca viu tantas pessoas juntas expressando repúdio contra a transfobia em um espaço público. “Geralmente quando se fala de causa LGBT, pouco se fala especificamente das demandas trans. E é de suma importância mostrar para a sociedade que não nos curvaremos para a transfobia e que não sofreremos caladas. Nossa população ainda é muito vulnerável, com baixa autoestima, mas quando há pessoas trans sendo empoderadas e apoiadas por outras pessoas trans as coisas começam a mudar ”.

A fotógrafa Pamella Paine diz que participou pela primeira vez de uma manifestação sobre o grupo trans e que se sentiu finalmente representada. “Foi bem organizado, sério, objetivo e impactante. Além de representada, senti-me mais esperançosa, com um pouco mais de visibilidade”. Ao lado do irmão e da cunhada, Heitor Marconato também participou pela primeira vez de um ato trans e tenta explicar o porquê de, além dele, só haver mais um transhomem no evento. “As demandas dos transhomens são camufladas na conveniência de ser homem em nossa sociedade. É compreensível, penso. Mas faço um apelo aos transhomens a participarem das manifestações, pois as demandas trans são imensuráveis e precisamos diluir o peso cada qual em seu convívio”.

Sempre presente nas manifestações em São Paulo, a ativista e blogueira Kimberly Luciana Dias foi capa da maioria dos portais com o cartaz: “Sou travesti, minha identidade é feminina, tenho direito ao banheiro sim”. Ela revela que só viu uma manifestação como essa em 2003, quando as pessoas trans se mobilizaram contra a sobretaxa que várias casas noturnas davam ao grupo. Outro absurdo. “A militância feita em redes sociais sofre preconceito de algumas organizações e ONGs, que diminui a prática perante a militância delas. Mas muita visibilidade está se dando por meio das redes. Sábado foi a prova disso e, a partir deste dia, penso que o movimento TT de São Paulo renasceu com mais força. Eu poderia ter ficado em casa, acomodada, esperando que outras pessoas lutassem, pois sempre frequentei o banheiro feminino e nunca fui barrada. Além disso, estava com febre altíssima e a base de medicação. Mas a responsabilidade de dar a cara falou mais alto. Pois quando uma de nós é barrada, humilhada e assassinada, sinto que é algo que pode acontecer comigo e com qualquer outra companheira”.

Já Aline Freitas, uma das mulheres transexuais que sofreu com piadas dos seguranças, fez um importante grito de ordem, que repetido por todos os presentes: “Nós existimos, nós sobrevivemos e somos vitoriosas pelo feito de permanecer vivas no Brasil, o país com o maior índice de assassinato de trans no mundo. Sobrevivemos em nossa infância, sobrevivemos na escola, às agressões de alunos e professores. Sobrevivemos à violência física ou verbal dentro de nossas próprias famílias. Sobrevivemos às dificuldades de conseguir emprego. Hoje, estamos aqui para mostrar que estamos em todos os lugares, que não nos esconderemos mais nas noites. Vocês terão que lidar conosco no dia a dia, nos ambientes públicos, nas escolas, nas universidades. E quando tentar nos afastar, nos verá protestando nas ruas e em espaços públicos como este”.

O grupo se reuniu na frente do shopping, foi até a praça de alimentação, onde fica localizado o banheiro, e depois seguiram pela Avenida Paulista até a Praça dos Ciclistas. De fato, quando um grito deixa de ser isolado e conta com a participação maciça, o eco social se potencializa, se expande, chega a mais ouvidos, provoca mais mudanças. Afinal, mais que o direito de ir ao banheiro feminino, que é de extrema importância, o ato no Center 3 também veio para dizer que chega de achar que travestis não são engajadas, que transexuais não participam de nada, que elas são leitoras em potencial, que o problema do grupo é coisa pequena e que trans aceitam tudo o que os cisgêneros decidem. É a hora de fazer número um, dois ou três com respeito e dignidade e, depois de lavar as mãos [no sentido literal e não figurado], se empoderar com propriedade do microfone.

Por meio de uma nota, a assessoria do shopping declarou que “entendeu a manifestação como forma de exercer a cidadania”, que respeita e reconhece o direito de travestis e mulheres transexuais de usarem o banheiro feminino. “O shopping respeita a diversidade e a individualidade de todas as pessoas, e repudia toda e qualquer atitude discriminatória”.

 

Fonte: Revista Fórum.b

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