Trair e conspirar

Por Celso Vicenzi.

O vice-presidente Michel Temer, que de repente abandona toda a fleugma e diplomacia que o caracterizou para se transformar num conspirador e incendiário, paradoxalmente, contribui para aumentar o sentimento de ilegitimidade do impeachment da presidenta Dilma. Se já não bastasse um presidente que se mantém ativo na presidência da Câmara apesar de acusado por uma série de crimes, boa parte deles documentados com carimbo suíço, agora Temer expõe ao país a sua face mais grotesca e torpe: a de um traidor. Não há atenuantes para quem ocupa o cargo de vice-presidente e, longe de defender o governo em hora difícil, conspira para derrubá-lo. E se apresenta como seu principal beneficiário.

O Brasil, por várias razões, costuma ser leniente com a corrupção. O povo sabe, intuitivamente, que não somos tão rígidos com o cumprimento das leis. Que, por nossa  formação cultural, muitas vezes somos coniventes com pequenos atos de exceção, com compadrios, com vantagens nem sempre advindas de méritos. O povo aprendeu no dia a dia que uma lei não é igual para todos, que para alguns, mais próximos do poder e da fortuna, há sempre um jeitinho. Mesmo com o Mensalão e agora com a Lava-Jato, percebe que a justiça tem sido muito seletiva ao apontar envolvidos com a corrupção. Enxerga uns e não vê outros.

Maluf e vários políticos com biografias não muito recomendáveis, estão aí para provar que os brasileiros não são assim tão rigorosos com quem já foi condenado ou é acusado de corrupção. Mas a lei vigente nas cadeias, lotada de pessoas das camadas mais pobres, é implacável em relação a uma regra: não se perdoa traição. E o povo mais pobre assimila esse código que não está escrito em nenhum lugar, mas habita o imaginário de todos.

Michel Temer e o PMDB, sobretudo, parecem desconhecer o risco que correm nesse momento da história. O partido, hábil por sempre transitar nas sombras do poder, pode ter que se despir diante dos holofotes da opinião pública da pior forma possível: como um partido conspirador, que apesar de ocupar vários cargos de poder, ainda assim morde a mão que o alimenta. Uma mancha que não se apagará com facilidade e que pode mudar a forma condescendente com que a sociedade sempre viu o PMDB. Mais grave ainda, por se tratar da traição de um homem contra uma mulher.

Parece ser outro fenômeno tipicamente brasileiro, a megalomania e a falta de discernimento de homens públicos a quem os cabelos brancos não serenaram eventuais frustrações, a despeito de toda a glória que puderam desfrutar. Hélio Bicudo, Aécio Neves, Fernando Henrique Cardoso, Michel Temer – entre tantos – confiam demais na mídia amiga e nas elites do país, esquecendo-se que o julgamento final será sempre do povo. E o povo aceita muitos defeitos, mas não perdoa quem coloca as suas ambições pessoais acima dos interesses da nação.

Zumbi dos Palmares, Tiradentes, Anita Garibaldi, Getúlio, Jango, Juscelino, Chico Mendes não obstante desfechos trágicos têm seus nomes gravados para sempre na memória do povo. “Saíram da vida para entrar na história”, parafraseando Getúlio. E pela porta da frente. Lula, mesmo que venha a ser condenado por uma justiça que também corre o risco de desmoralizar-se, contaminada pelo viés da política, parece que terá o mesmo destino.

No ato de promulgação da Constituição brasileira, em 1988, Ulysses Guimarães, de um PMDB que o país pode se orgulhar e que parece ter se perdido em algum lugar da história, disse, em discurso à nação, palavras que Michel Temer, atuais peemedebistas e outros políticos parecem ter esquecido: “A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria”.

A golpistas está reservada a lata de lixo da história.

http://celsovicenzi.com.br/2015/12/trair-e-conspirar

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